A Poesia de António Manuel Couto Viana, por Cláudio Lima

 

A Poesia de António Manuel Couto Viana, por Cláudio Lima

Intervenção proferida na sessão de homenagem a Couto Viana promovida em Lisboa pela Casa do Concelho de Ponte de Lima e pela revista Limiana, em 17 de Abril de 2010

 



Cláudio Lima



Se desci do Minho para vir falar neste auditório sobre a poesia de A. M. Couto Viana, precisei de apelar às melhores reservas de coragem e de silenciar avisados ditames interiores, que me impunham a evidência da inadequação ao desafio proposto; precisei de invocar razões do coração que legitimassem tão temerária ousadia. É que venho falar de um grande poeta que sendo português e universal na envergadura, também é minhoto e limiano de vivências, de afectos, de memórias. Também ele sentiu a atracção irresistível e inspiradora das “leteas agoas” do Lima, cantadas por Diogo Bernardes; desse “rio saudoso todo cristal” que flui na poesia de António Feijó. Na ausência de outras credenciais, esta afinidade e esta cumplicidade me justificam.

Um grande poeta português, não do séc. XX / princípio do séc. XXI, mas de sempre. Porque a grande poesia, como de resto toda a arte superior, é intemporal; nenhum tempo a retém, a limita, a condiciona. Um grande poeta com um longo percurso sem hiatos nem desvios, consubstanciado em mais de sessenta anos e cerca de cinquenta títulos, contando com recolhas antológicas e obras infanto-juvenis. Seguramente, um dos casos mais fecundos de toda a bibliografia poética portuguesa, veiculando e enriquecendo o nosso mais lídimo lirismo, aquele que vem dos Cancioneiros, se sublima em Camões e se enriquece posteriormente com uma plêiade de vates tais como, entre outros, Afonso Lopes Vieira, Pascoaes, Pessoa e Miguel Torga.

Que poderei dizer mais do que breves generalidades na escassez de tempo que esta cerimónia me impõe? Mesmo que me não faltassem substanciais capacidades para o efeito – que faltam – este espartilho me condicionaria sempre, porque uma grande obra é como um grande rio alimentado por grandes afluentes, que são as obras que sustentadamente a ampliam e enriquecem. Assim, vou falar-vos sucintamente dos dois vectores que, em meu entender, mais vincadamente caracterizam a poesia de Couto Viana: o lirismo intimista e o misticismo pátrio: o coração e a espada.

Começarei por ousar dizer que a poesia de Couto Viana, na sua vertente intimista, tem algo do presencismo humanístico-religioso de um José Régio e na assumpção dos valores histórico-patrióticos vai beber à fonte límpida do saudosismo pascaoleano, muito raramente se dessedentando nas revoltas águas neo-realistas. Mas, atenção: se esta análise tem algo de enviesado e arbitrário, fique bem claro que, com ela, não pretendo colar ao grande poeta rótulos inapropriados e redutores. Não; o autor de O Avestruz Lírico, se nunca meteu a cabeça na areia, indiferente ao que se passava à sua volta, também nunca se submeteu nem se deixou embalar, passiva e acriticamente, a e por sedutoras vozes que de algum modo pudessem silenciar ou subverter a originalidade e singularidade da sua.

Poder-se-á afirmar que a poesia de Couto Viana – como, aliás, muita da sua prosa memorialista – vai beber à infância o tónus de um lirismo límpido e marulhante: “Ir-me ao livro do destino / E lê-lo todo ao invés, / Pra ser menino / Outra vez” – escreve em O Avestruz Lírico; colhe na mocidade a irreverência e o entusiasmo afirmativo: “Podem pedir-me, em vão, / Poemas sociais, / Amor de irmão pra irmão / E outras coisas mais: // Falo de mim só falo / Daquilo que conheço. / O resto… calo / E esqueço” – lê-se na mesma obra; para, na idade adulta e provecta, serenamente, vivenciar e aprofundar os grandes enigmas da vida, do destino e da morte, numa perspectiva de espiritualidade cristã, mesmo se e quando, aqui e ali, cometendo pequenas heresias e atropelos canónicos próprios de um poeta emotivo, rebelde, às vezes paradoxal:“O meu pecado é arrastar na vida / A maldição pagã / Que me tornou proibida / A maçã” – revela ele em Restos de Quase Nada e Outras Poesias.

O amor e a amizade, a saudade e a fé, o aqui e o além, – eis os valores que Couto Viana fiel e continuadamente tem cultivado, na vida e na literatura, sobremaneira evidenciados num exemplar registo poético, que concilia modernidade com tradição.

Assume-se Couto Viana um cidadão e artista católico, monárquico e nacionalista, na fidelidade a princípios e valores bebidos no seio familiar e reforçados ideológica e idealisticamente, numa tradição que se foi revigorando com a intervenção de muitos e consagrados de seus pares. Se tal posicionamento é transversal em praticamente toda a sua obra, poética ou não, ele assume especial relevância em livros como Pátria Exausta, Nado Nada, Ponto de Não Regresso, Prefiro Pátria às Rosas. Recorrente, sobretudo, a lúcida consciência envolta numa angústia acerada de uma “pátria exausta” nas suas virtualidades e ideais, na sua identidade perdida, na “inversa navegação” (Sophia) das caravelas ante o esboroar do império.

“Foste, às praias doutrora, ver partir um navio? / Vai vê-lo regressar, sem glória, aos aeroportos. / Antes fosse vazio e viesse vazio / Mas nas entranhas traz cinco séculos mortos.” – lê-se em Nado Nada. E mais à frente: “Este mendigo, outrora, era um menino d’oiro, / Teve um Império seu, mas deixou-se roubar. / Hoje, não sabe já se é castelhano ou mouro / E vai às praias ver se ainda lhe resta o mar!” Para, alfim, concluir, páginas adiante: “Agora, o meu país são dois palmos de chão / Para uma cova estreita e resignada. / Tem o formato exacto de um caixão.”

Alinhe-se ou não pelos seus ideais, ideias e sentimentos – e nunca o unanimismo e seguidismo acéfalos deram grande resultado, fosse em que domínio fosse – é de reconhecer em Couto Viana, seja na conduta do cidadão, seja no percurso do poeta e escritor, um carácter indefectível, uma postura íntegra, coerente, fidalga. E por isso ele pôde, nos mais recentes livros, assim se auto-avaliar: “Veio o mundo perverso / Achou-me em cada verso / Lírico, heróico, exacto” (Restos de Quase Nada e Outras Poesias, 2006); e, desafiando o porvir: “Os versos finais / Podem ser, talvez: / Morreu entre os poetas imortais / O último poeta português.” (Disse e Repito, 2008). Para, numa confissão só possível a espíritos superiores, de contas acertadas com a vida, confessar estoicamente: “Só troçando da dor / Sou capaz de viver.” (Ainda Não, 2010).

Bem andaram a CCPL e a revista LIMIANA, dois espaços dinâmicos e abertos de convívio e cultura da comunidade limiana em Lisboa, em promover esta homenagem e conferir esta distinção à mais alta personalidade literária da nossa região. Nas pessoas de seus Presidente e Director, Sr. João Gonçalves e Dr. José Pereira Fernandes, respectivamente, aqui deixo o meu caloroso aplauso. E ao meu estremado amigo e mestre António Manuel, permito-me corrigir-lhe uns versos de O Coração e a Espada que dizem “A homenagem a um poeta que morreu / É decorar-lhe os versos” para: A homenagem a um poeta que não morre é decorar-lhe os versos. Eu prometo!

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 12, de Abril de 2009

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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