P´ra Que Viva Ponte de Lima! Terra de Tradições, de Amândio de Sousa Vieira – A opinião de João Gomes de Abreu Lima

 

P´ra Que Viva Ponte de Lima! Terra de Tradições, de Amândio de Sousa Vieira – A opinião de João Gomes de Abreu Lima

 

Trabalho notável pela acumulação de informação inédita, com criterioso levantamento das manifestações culturais de carácter popular que marcaram o nosso concelho de Ponte de Lima entre os meados do séc. XIX e os meados do séc. XX

Intervenção de João Gomes de Abreu Lima na sessão de apresentação da obra, no Auditório Municipal de Ponte de Lima

 



João Gomes de Abreu Lima



O nosso Amigo Amândio de Sousa Vieira habituou-nos a contar de quando em quando com um trabalho seu sobre Ponte de Lima. E são já muitos nestes 25 anos. Sem contar outras iniciativas em parceria ou de colaboração na ilustração, recordo:

Em 1992 – Ponte de Lima. Formas de ver

Em 1994 – Ponte de Lima. Outros tempos

Em 1996 – Ponte de Lima. Minha Pátria e também A Torre de Refoios

Em 2000 – Rainha D. Teresa e

Em 2006 – Feiras Novas e ainda D. Pedro IV e as Feiras Novas

Um reportório com publicação consecutiva e, curiosamente, sempre em anos pares. Todos eles excelentes registos de informação iconográfica sobre a nossa terra, muito bem estruturados e, sobretudo, muito bem apresentados.

Mas eis que nos chega agora um novo trabalho, notável pela acumulação de informação inédita. Tem por título – P’ra Que Viva Ponte de Lima! Terra de Tradições. Vou fazer a sua apresentação, dando-vos o meu testemunho, depois de uma leitura atenta e reflectida da obra.

Estamos em presença de um criterioso levantamento das manifestações culturais de carácter popular que marcaram o nosso concelho de Ponte de Lima entre os meados do séc. XIX e os meados do séc. XX, com alguns prolongamentos no séc. XVIII, buscando justificação em épocas até mais recuadas.

Entendemos as balizas cronológicas da focagem, que nos é explicada pelo Autor. Por um lado, o surgimento da imprensa periódica, que foi a principal fonte de informação do trabalho. O primeiro jornal que se publicou em Ponte de Lima foi O Lethes, com início em 1865, seguindo-se outros de tendência política mais ou menos divergente – O Echo do Lima, O Comercio do Lima, A Semana, o Cardeal Saraiva, … Todos eles atentos ao que se passava na terra, noticiando os acontecimentos do dia-a-dia, muitas vezes de forma picaresca e até com espírito crítico, mas revelando sempre interesse e empenho no sucesso dos acontecimentos, fossem eles feiras, romarias ou outros festejos, manifestações populares em que se reviam absolutamente.

Já esta identidade cultural se verifica menos noutras publicações, periódicas e não periódicas, que relatam acontecimentos ou simplesmente retratam as pessoas e o quotidiano, sublimando a invulgaridade e até o exotismo dos costumes, mas sempre com uma compostura de admiração e de respeito. É o caso das reportagens de O Panorama, um “Jornal Literário e Instrutivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis”, que se editou em 5 séries no 2.º quartel do séc. XIX; ou da revista ilustrada O Ocidente, esta já um pouco mais recente; ou até do próprio jornal humorístico O Sorvete, ainda que o seu editor fosse um filho da terra, o impagável caricaturista Sebastião Sanhudo.

Muito curiosas também, são as descrições feitas nos relatos de viagem de quem passou em Ponte de Lima ao longo do séc. XIX. Amândio de Sousa Vieira cita três, talvez os mais interessantes, não só pela qualidade literária dos textos, mas também pelo detalhe de algumas referências a que só um out-sider estaria atento. São eles o Reverendo William Morgan Kinsey, com o seu ilustradíssimo Portugal Illustrated, de 1828; o Journal of a few month’s residence in Portugal, que a senhora Dorothy Quillinan escreveu em 1847, e o Travels in Portugal de John Latouche ou Oswald Crawford, de seu verdadeiro nome, com várias edições a partir de 1875. São hoje raridades bibliográficas e referências importantes para a história do Portugal provinciano, que só muito tarde mereceu a atenção dos nossos cronistas e historiadores. Não fossem esses viajantes estrangeiros, que descreveram e desenharam os nossos costumes, e quanta informação não estaria perdida e desenraizado o pouco que nos resta. Bem-haja, por isso, o Autor, pela atenção que lhe merecem também estes testemunhos.

Para um passado mais recente, sobretudo para a cobertura do séc. XX, já Amândio de Sousa Vieira pode recorrer à impressa regional, que em maior profusão e detalhe regista os grandes acontecimentos relacionados com a cultura popular em Ponte de Lima. A Ilustração Portuguesa, o Jornal de Notícias, O Primeiro de Janeiro ou a Aurora do Lima são alguns dos periódicos a que recorreu, extraindo deles as notícias que depois completa com citações de outros escritores que sabiamente selecionou para justificar o seu reportório de ilustrações.

Estamos pois entendidos sobre a baliza cronológica que define o início da abordagem feita pelo Autor – foi a disponibilidade da narrativa e, sobretudo, a regularidade da imprensa. Fica-nos agora a questão da outra baliza, a que a remata inferiormente. Porquê os anos 60 do século passado? A isto ele próprio responde e entende-se perfeitamente a razão – porque é nessa época que se formam em Ponte de Lima os primeiros grupos folclóricos com carácter permanente, constituindo o início de um período florescente de revitalização da nossa cultura popular, período que, por si só, justifica um novo trabalho. Espero, esperamos todos, que o Amândio de Sousa Vieira não enjeite a responsabilidade de o levar um dia a efeito como adenda ao precioso trabalho que hoje se apresenta.

Justificado o âmbito temporal da abordagem, vamos agora perceber como é que o Autor a estruturou. Fê-lo de uma forma clara e inteligente. Em anos e anos de aturada pesquisa fizera uma recolha exaustiva de textos e de imagens inéditas ou praticamente desconhecidas sobre a cultura popular em Ponte de Lima e a sua continuidade no tempo. Estabeleceu paralelos entre eles, imagens e textos, procurando que aquelas resultassem comentadas e estes convenientemente ilustrados, e depois agrupados por temas. E resultou, recorrendo, quando necessário, ao excelente reportório de fotografias suas, da sua própria autoria, que têm uma qualidade que as torna intemporais e que respondem, por isso, a qualquer solicitação.

Os temas que selecionou são bem apelativos – O Baile da Espadelada, a Vida no Campo, as Feiras e Romarias, Outras Tradições, uma Breve Abordagem sobre o Modo de Trajar nesta Região e, finalmente, Os Jovens nas Tradições.

O Baile da Espadelada, desenterrado por Amândio de Sousa Vieira, é a participação mais antiga que se conhece de um grupo de lavradeiras e lavradores de Ponte de Lima, que, vestidos de acordo com o seu costume, se apresentaram publicamente no Porto, em 1892, num acontecimento programado com fins beneficentes.

Devo aqui lembrar que nesta época a distância entre Ponte de Lima e o Porto não era, como hoje, de uma hora por estrada. Era, na melhor das hipóteses, de meio-dia pelo caminho-de-ferro, com a certeza de uma estadia no destino, antes do regresso à origem. Imaginem, pois, o que comportaria a deslocação de um rancho.

Por outro lado, também a distância física se reflectia num reduzido conhecimento da província na óptica da população urbana. A cidade do Porto poderia ter uma relação próxima com os seus arredores, mas essa relação desvanecia-se para além deles, permanecendo apenas a nostalgia da província distante, naqueles que nela tinham a sua origem. E se isto acontecia com o Porto, o que seria com Lisboa!

Faço ideia, por isso, que sensação não terá causado em 1892 esta embaixada limiana e a descoberta dos seus valores culturais. Chego mesmo a pensar se ela não teria influído no presente recebido nessa época por minha avó materna, nascida no Porto e que nada tinha a ver com o Minho, de um fato vermelho de lavradeira, que a minha irmã há poucos anos ainda usava no Rancho da Casa do Minho.

É também a prepósito deste acontecimento, a estreia pública no Porto, que se evoca a curiosa figura limiana que foi Lourenço o Preto, integrante da tocata e imortalizado no Sorvete pelo seu patrício Sebastião Sanhudo.

O segundo tema do livro é a Vida no Campo, onde o Autor evoca a alegria da gente minhota na faina agrícola, acompanhando com música e descantes a labuta das sementeiras, das colheitas e das vindimas. O harmónio, a rabeca e a viola eram os instrumentos musicais prediletos, como provavelmente seria também a gaita. E tão entranhado era o gosto popular pela música que até o Arcebispo, em 1742, se viu forçado a proibir, sob pena de suspensão, os eclesiásticos de nela participarem em ambientes profanos, conforme conta o Autor logo no início do capítulo. E não me espanta que assim fosse. Não é verdade que em 1578, no rescaldo da Alcácer Quibir, os mouros acharam no campo de batalha, entre os cadáveres dos portugueses, para cima de 10.000 violas? E, já agora, mais perto de nós, aqui em Ponte de Lima, não foi necessário, no séc. XVII, ameaçar com degredo para África, os jovens limianos que se organizavam em serenatas às freiras de Vale de Pereiras?

É curioso este capítulo. E rico de citações, desde a Corografia do Padre Carvalho, ao Dicionário Geográfico do Padre Luís Cardoso e aos Estrangeiros no Lima, evocando depois os grandes românticos da nossa Selecta, os da casa e os de fora. E as imagens não lhe ficam atrás – gravuras do Arquivo Pitoresco, do Panorama, da Arte e a Natureza em Portugal, do Minho Pitoresco e da Ilustração Portuguesa. E para além das excepcionais fotografias do Autor, também algumas preciosidades do Biel, do Alvão e até do nosso conterrâneo Marinho.

O tema que se segue é sobre as Feiras e Romarias. Aqui passa Amândio de Sousa Vieira em revista todas as grandes manifestações festivas do nosso povo, as de Ponte de Lima, naturalmente, mas outras também, com algumas incursões a propósito no Alto Minho – em Viana, na Barca, em Coura e em Valença.

Fala-se das Bandas e Filarmónicas, das Procissões e das Novenas, dos Cortejos, dos Gigantones e Cabeçudos e, naturalmente, das Feiras – as periódicas e as francas, com a sua máxima expressão nas Feiras Novas.

As romarias eram muitas e ainda hoje o são. Bento Moreno dizia algures que eram mais de 300 Senhoras e toda a Corte Celestial em peso. E o Autor desfia o rosário das que nos tocam de perto, com curiosíssimos textos e fotografias – O Senhor do Socorro, a Boa Morte, o Senhor da Saúde, o S. João, Santa Justa, o Santo Amaro e até o Senhor da Cruz da Pedra com a sua Turquia, em Crasto.

Chegam depois, em novo capítulo, Outras Tradições, que complementam as Feiras e Romarias do capítulo anterior. São muitas e curiosas as referências que faz:

- Sabiam que a generalização dos corações entre o ouro amealhado da minhota pode ter origem na devoção da Rainha D. Maria I ao Sagrado Coração de Jesus, que em seu louvor erigiu a Basílica da Estrela e ordenou que fosse representado em todas as veneras das Ordens militares e civis portuguesas?

- Sabiam que o traje verde de Geraz foi criado para distinguir as lavradeiras que aí receberam a Rainha D. Maria II, na Visita Régia que fez em 1852?

- Sabiam que uma boa parte do nosso folclore coreográfico não remonta, como já Tomás Ribas o dizia, além do séc. XIX, tendo-se perdido a maior parte dos costumes que o precederam? E que a moda erudita, na música, na dança e também no traje influenciou decisivamente a moda popular? Já repararam nas semelhanças que existem entre um vira e uma valsa, entre a gota e a polca ou entre o Regadinho e um minuete?

Apreciem com atenção este capítulo, que não se fica apenas pelo traje e pelo ouro. Tradições antigas como o Compasso Pascal, os Tapetes de Flores, a Vaca das Cordas, a Queima do Judas, o Sarrabulho e até as lavadeiras e os barqueiros são outras notas interessantes aqui fixadas em excelentes imagens alusivas.

Se o traje tem sido ao longo da obra um tema transversal, é no capítulo Breve Abordagem Sobre o Modo de Trajar Nesta Região que o assunto se desenvolve com maior acuidade, registando o Autor o contributo dos nossos ranchos nessa matéria. Contudo, revela alguma preocupação com a possibilidade de os ranchos na passagem para os palcos perderem a genuinidade das manifestações populares, mas concorda também em que não havia outra forma de as preservar.

Ponte de Lima, que se iniciou em 1955 com o Rancho de S. Martinho da Ganda e em 1960 com o da Correlhã, conta hoje com 17 agrupamentos, para além dos 7 que entretanto desapareceram.

Amândio de Sousa Vieira, que tanto tem contribuído para a transmissão do nosso legado cultural, deposita as suas esperanças na juventude, encerrando o seu livro com o capítulo Os Jovens nas Tradições.

Aí afirma, com natural regozijo – estão nos Ranchos de Folclore, nos Cortejos, nas Concertinas, nos Bombos, nos Cavaquinhos e Violas, nas Bandas de Música e em todas as Romarias são eles que dão vida às Procissões e fazem correr a Vaca das Cordas.

Meu caro Amândio de Sousa Vieira, parafraseando António Sardinha – Tradicionalismo não é obscurantismo, é antes continuidade no desenvolvimento, é sobretudo permanência na renovação – bem-haja pelo seu contributo. Ponte de Lima fica-lhe eternamente devedora.

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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