Amândio de Sousa Vieira e a arte de fotografar os jardins de Ponte de Lima

 

Amândio de Sousa Vieira e a arte de fotografar os jardins de Ponte de Lima



José Pereira Fernandes
Editor do Portal Ponte de Lima Cultural



Longe vão os tempos em que prevalecia entre os críticos o entendimento de que a fotografia não era nem poderia vir a ser considerada como arte, com o argumento de que resultava de um mero processo mecânico, o que levava à sua exclusão frequente de exposições de obras de arte, nomeadamente de pintura e de escultura. Exemplo deste entendimento, com eco em figuras da cultura como Charles Baudelaire (1821-1867) – que não escondia a sua preocupação diante da gradual invasão de um meio automático sobre o terreno da expressão pictórica –, foi o que se passou na Exposição Internacional de 1862, organizada em Londres com o apoio da Royal Society of Arts, Manufactures and Trade, onde a fotografia foi relegada para uma secção marginal de “outros trabalhos”.

Porém, com o passar dos tempos, a fotografia foi-se afirmando como meio de expressão artística, confirmando a tese dos que sustentavam que a câmara fotográfica era, como um pincel, uma das ferramentas disponíveis para a produção de obras de arte, sendo significativo que a fotografia se tenha imposto até como fonte inspiradora de pintores impressionistas como Edgar Degas (1834-1917), Édouard Manet (1832-1883), Claude Monet (1840-1926), Renoir (1841-1919) e Van Gogh (1853-1890), que utilizaram a fotografia como meio para produzir imagens, ou como o pintor naturalista português João Vaz (1859-1931), em cujo espólio são conservadas dezenas de fotografias que inspiraram a sua obra pictórica.

Mais recentemente, conceituados ensaístas dedicaram ao assunto extensas e pertinentes reflexões, como, por exemplo, Roland Barthes (A Câmara Clara, onde o autor compara a fotografia com a sétima arte – Ed. 70, 1998) e Susan Sontag (Ensaios sobre Fotografia, uma obra de referência sobre o papel da fotografia – Quetzal Editores, 2012; e Olhando o Sofrimento dos Outros, considerada uma continuação do livro Ensaios Sobre Fotografia – Quetzal Editores, 2015).

Hoje, ninguém contesta o valor artístico do trabalho produzido por grandes fotógrafos mundiais como o brasileiro Sebastião Salgado, internacionalmente conhecido e premiado, com mais de uma centena de livros publicados, ou como António Homem Cardoso, um dos mais prestigiados e galardoados fotógrafos portugueses contemporâneos, com fortes ligações afectivas e profissionais a Ponte de Lima, nomeadamente através de alguns do seus livros mais notáveis, como “Solares de Portugal”, “O Caminho Português de Santiago” e “A Casa Senhorial em Portugal”. Entre as suas obras de referência destaca-se ainda o “Tratado da Grandeza dos Jardins de Portugal”, classificado pela revista francesa Vogue como “livro de arte excepcional”.

Podemos citar ainda o nome de Jorge Barros, igualmente um dos mais conceituados fotógrafos portugueses da actualidade, distinguido em 1988 com o Prémio de Ilustração da Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira e autor de publicações de grande valor artístico frequentemente associadas a textos de reconhecido mérito. Entre essas publicações destaca-se a obra “As ilhas desconhecidas – Notas e paisagens”, clássico da literatura portuguesa de Raúl Brandão sobre as Ilhas dos Açores que Jorge Barros ilustrou com fotografias inéditas da sua autoria, captadas de forma singular entre 1988 e 2011.

Ponte de Lima pode orgulhar-se de ter entre as suas Figuras Maiores um grande Mestre da fotografia – Amândio de Sousa Vieira – com vasta obra publicada, que cultiva uma relação verdadeiramente apaixonada com a imagem fotográfica, conferindo-lhe uma expressão artística ao nível destes e de outros conceituados fotógrafos portugueses.

Particularmente significativa é a arte com que Amândio de Sousa Vieira fotografa os jardins e os espaços verdes de Ponte de Lima, que desempenham relevante papel a nível ambiental e cultural, contribuindo para a valorização da paisagem e preservação da biodiversidade, o que faz do nosso território um espaço apetecível para viver e visitar.

Realça-se, neste contexto, o Festival Internacional de Jardins de Ponte de Lima (FIJ), evento único a nível nacional que teve início no ano de 2005 e que vem projectando, ano após ano, a imagem de Ponte de Lima a nível nacional e internacional. Tratando-se de jardins efémeros, com um período de existência física limitado a cerca de cinco meses (entre Maio e Outubro de cada ano), o Município de Ponte de Lima tomou a louvável iniciativa de apostar na permanência destes jardins na memória colectiva, editando, até 2018, um conjunto de catorze livros profusamente ilustrados, que se constituem como verdadeiras obras de arte ao nível da fotografia, do texto e do design gráfico.

Dando continuidade ao trabalho exemplar de Susana Matos, autora das fotografias que ilustram os livros dos Festivais de 2005 e 2006, Amândio de Sousa Vieira passou a colaborar com o Festival Internacional de Jardins a partir de 2007, assumindo a responsabilidade pela fotografia dos doze livros posteriores, editados até ao ano de 2018, todos de grande qualidade estética e artística, que podem ser considerados, sem exagero, autênticas jóias do Património Cultural Imaterial de Ponte de Lima.

Ilustrados com fotografias deslumbrantes, não só dos jardins do FIJ, mas também de outros jardins e espaços verdes do concelho de Ponte de Lima, seleccionadas em função do tema de cada edição do Festival, encontramos nestes magníficos livros tudo o que distingue um fotógrafo como grande artista: criatividade; sensibilidade; perspectivas surpreendentes, de belos efeitos visuais; suavidade das sombras; composições harmoniosas, que nos transmitem sensações de calma e tranquilidade; pequenos detalhes que muitas vezes passam despercebidos aos visitantes, mas que podem conter a essência do jardim; enfim, a arte de transformar imagens em poesia.

Observador cuidadoso dos padrões e texturas dos nossos jardins, Amândio de Sousa Vieira fixa com a sua câmara momentos únicos que tornam as suas fotografias fonte de inspiração para pintores, como acontece com a fotografia aqui reproduzida do jardim “Criado pela Natureza”, concebido por quatro talentosos artistas alemães (Norman Kalesse, Lennart Faltin, Janine Tüchsen e Sophie Juilfs), que fez parte da edição de 2018 do Festival Internacional de Jardins de Ponte de Lima, e que inspirou Maria do Carmo Proença no quadro a acrílico sobre tela aqui igualmente reproduzido.

O enorme sucesso alcançado com o Festival Internacional de Jardins, que já ultrapassou um milhão de visitantes, levou o Município de Ponte de Lima a implementar, a partir de 2015, o Festival de Jardins Escolinhas de Ponte de Lima, com o envolvimento das camadas mais jovens da comunidade escolar, sendo as fotografias dos livros das edições de 2015 a 2018 deste festival igualmente da autoria de Amândio de Sousa Vieira. Para além da expressão da sua criatividade, estas fotografias revelam ainda a sensibilidade com que este talentoso artista limiano registou a participação dos pequenos autores destes jardins na sua concepção e execução.

Para além dos doze livros alusivos aos jardins de Ponte de Lima, dispersos pelos quatro cantos do mundo, Amândio de Sousa Vieira editou ou colaborou ainda, com a sua arte fotográfica, em mais de vinte obras de grande qualidade estética, cultural e artística, que têm merecido rasgados elogios por parte de destacadas figuras da cultura, como acontece com a obra “P’ra Que Viva Ponte de Lima! Terra de Tradições”, recentemente editada pelo Município de Ponte de Lima – um trabalho notável pela acumulação de informação inédita, com criterioso levantamento das manifestações culturais de carácter popular que marcaram o nosso concelho de Ponte de Lima entre os meados do séc. XIX e os meados do séc. XX, na opinião de João Gomes de Abreu de Lima.

Reconhecendo o seu exemplo de dedicação à cultura e aos valores pontelimenses, a Câmara Municipal de Ponte de Lima distinguiu Amândio de Sousa Vieira com a Medalha de Mérito Municipal Cultural, entregue na Sessão Solene das Comemorações do Dia de Ponte de Lima, que teve lugar no Teatro Diogo Bernardes, no dia 4 de Março de 2014.

Foi também distinguido, em 2012, pela Casa do Concelho de Ponte de Lima com a categoria de Sócio Honorário, igualmente em reconhecimento do seu exemplo de dedicação à cultura e aos valores pontelimenses e pela sua relevante colaboração à LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo editada por esta associação limiana com sede em Lisboa.

Em 2016, por ocasião das comemorações do Dia da Correlhã, a Junta desta Freguesia distinguiu igualmente Amândio de Sousa Vieira com a Medalha de Mérito Cultural, decisão tomada por unanimidade, em reunião da Junta de 15 de Abril de 2016.

Terminamos com palavras do Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, Eng.º Victor Mendes, inseridas na referida obra “P’ra Que Viva Ponte de Lima! Terra de Tradições”:

Amândio de Sousa Vieira, fotógrafo de profissão, nunca se poupou a esforços para conhecer mais e melhor Ponte de Lima… A par de tudo isso, granjeou amizades, estabeleceu contactos, construiu pontes que lhe possibilitaram vivências directas com a etnografia, com os usos e costumes que, felizmente, ainda hoje sobrevivem e que por exercício de análise e decifração conjugados com a leitura e a consulta de vasta bibliografia, trouxeram ao prelo este “P’ra Que Viva Ponte de Lima! Terra de Tradições”.

Publicado na revista
O Anunciador das Feiras Novas” n.º 36, de 2019, complementado com novas imagens.

 

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Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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