1. António Matos Reis
In: LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo, n.º 36, de Fevereiro de 2014
«Durou uma década o reinado de D. Pedro I (1357-1367).
Ponte de Lima conta-se entre as aproximadamente duas centenas de municípios a que este monarca confirmou os foros ou “privilégios”. Com efeito, data dos anos iniciais da sua governação ou, com mais rigor, de 1 de Julho 1358, a “Carta per que o dicto senhor outorgou e confirmou ao concelho e homens boons de Ponte de Lima todos seus privillegios foros e liberdades e boons custumes”. No ano seguinte, a 19 de Março, era também concedida uma “Carta de confirmação dos privilegios dos mayoraes de terra de Sam Martinho de Riba de Lima”. O que os documentos registados no livro da Chancelaria régia não dizem é que estaria em curso um renhido processo judicial que opunha o concelho de Ponte de Lima e os moradores da Terra de São Martinho.
… estava no horizonte uma obra que, embora de interesse geral, devido ao clima bélico que se respirava, era da responsabilidade do município mas exigia avultados meios humanos e materiais: as novas muralhas da vila de Ponte de Lima. Cremos tratar-se não da simples reconstrução das muralhas eventualmente já existentes mas de um considerável alargamento do perímetro fortificado, complementado com a erecção de novas torres. Tornavam-se necessários muitos braços, muitos carros de bois com os respectivos animais de tracção, e dinheiro, para pagar alimentos e salários, pelo menos aos artistas que lavravam a pedra e a assentavam. E a vila de Ponte de Lima não dispunha dos recursos suficientes. Foi essa ocasião apropriada para integrar definitivamente no termo do município as freguesias da terra de S. Martinho – o que significava obrigar os moradores ao pagamento de talhas, fintas e sisas, e à participação físicas nas obras públicas em que fossem necessários. A implementação dessas medidas deu-se com a aprovação do monarca, segundo refere um Pergaminho do Arquivo Municipal de Ponte de Lima, segundo o qual foi na era de “mill e trezentos e noventa e sete anos quando se começara a cercar a dicta vila de Ponte de Limha”, isto é, segundo o calendário actual, no ano de 1359. Os moradores da Terra de S. Martinho, ou, por eles, os seus “maiorais”, não aceitaram a decisão e interpuseram uma acção junto do tribunal da corte, para impugnar as medidas tomadas pelas autoridades municipais de Ponte de Lima. Seguiu-se um longo processo, que terminou com uma sentença a favor do concelho de Ponte, contra a qual os representantes da Terra de S. Martinho, já no tempo de D. Fernando, pouco depois de ter morrido D. Pedro I, apresentaram recurso, que veio a ser definitivamente resolvido, mais uma vez a favor do Concelho, em 12 de Setembro de 1368.
As obras principiaram com o transporte da pedra, em oito de Março, e com o início da erecção dos muros em 3 de Julho de 1359 (era de 1397), conforme consta da inscrição gravada numa lápide incrustada na torre que flanqueava a entrada da ponte, da margem direita, agora colocada nas proximidades do seu antigo lugar de implantação.
Como se depreende desta inscrição e do já citado pergaminho, era o corregedor Álvaro Pais quem superintendia directamente nestas obras de fortificação. O monarca, no entanto, esteve na vila, presenciando, por conseguinte, o andamento das obras, e, pelo menos numa dessas ocasiões, ao que parece, aí permaneceu durante algum tempo. Encontramo-lo pela primeira vez em Ponte de Lima, em 8 de Agosto de 1360, quando assina uma carta de confirmação dos privilégios dos moradores da aldeia de Gralhas situada no termo de Montalegre.
Três anos depois, D. Pedro está novamente em Ponte de Lima, no mês de Junho, daí enviando, no dia 24, uma carta ao povoador de Viana, relativa à disponibilização de cultivadores para trabalharem nas herdades do mosteiro de S. Salvador da Torre. Ter-se-á inteirado do andamento das obras e estabelecido contacto com as populações, uma vez que, no dia 30, ainda em Ponte de Lima, assinava uma carta de privilégios aos lavradores reguengueiros do almoxarifado, pois se tinham queixado de que os juízes do concelho e do almoxarifado, a quem competia fazer a distribuição dos moços e serviçais de lavoura, os davam aos fidalgos e mosteiros, contribuindo para que as terras reguengas ficassem por cultivar, devido à falta de braços para o trabalho. E não se ficou apenas por Ponte de Lima, pois se deslocou pelo menos a Caminha, onde, em 11 de Julho, confirmou os foros, usos e costumes de Parada (talvez Parada de Ester, no actual concelho de Castro Daire). Regressado à vila limiana, o monarca aí assinou, no dia 27, uma carta a fixar a renda a pagar anualmente pelo concelho de Vilar de Vacas (actual freguesia de Ruivães, no concelho de Vieira do Minho). No dia seguinte estava em Valença, onde confirmou o foral de Vila Nova de Cerveira.
Regressado a Lisboa, o monarca ainda teve de se preocupar, no ano seguinte, com a resolução de problemas relacionados com os trabalhos em curso. De maneira semelhante ao que tinham feito em relação aos moradores da antiga Terra de S. Martinho, para obter os recursos necessários para levar a bom termos as custosas obras, o corregedor e o concelho exigiam que também os habitantes do pequeno município rural de Souto de Rebordões contribuíssem com dinheiro e com trabalho: “que paguem e servam na adua do lavor da cerca dessa villa e nas fintas e talhas que o concelho do dicto logo de Ponte de Lima antre ssy lança”. Valeu-lhes por certo a influência que na Corte tinha o donatário, D. Martinho de Albuquerque, graças a cuja intervenção foram libertados deste encargo.
Não viveu D. Pedro I os anos suficientes para ver a obra concluída. Tal viria a acontecer já no reinado de D. Fernando. Nascido em 8 de Abril de 1320, faleceu em 18 de Janeiro de 1867, com apenas 46 anos de idade, jazendo os seus restos no artístico sarcófago colocado a meio de um dos braços do transepto da monumental igreja do mosteiro de Alcobaça, onde o túmulo de Inês de Castro faz “pendant” com o d’ aquele que despois a fez rainha.
No exercício da governação, como acabamos de ver, passou nas margens do rio Lima alguns tempos, possivelmente agradáveis, esquecendo talvez as agruras e negrumes que lhe torturaram a vida. Como então foi delineado, o perfil da vila, envolvida pelo seu extenso muro, entremeado de altaneiras torres, manteve-se até ao fim do século XVIII e ainda hoje pode ser vislumbrado por quem observar o seu mais antigo núcleo de casario. A ponte reconstruída no reinado do seu avô, D. Dinis, ficou com uma torre em cada um dos extremos, embora a simetria não fosse perfeita, pois uma delas (a Torre Velha) assentava sobre a mesma ponte, enquanto a outra (a Torre dos Grilos) a flanqueava. A imagem da ponte com uma torre em cada um dos extremos perdurará durante séculos na memória visual dos transeuntes e reflectir-se-á na heráldica actual do município. Das muralhas restam algumas parcelas geralmente escondidas pelos edifícios, sendo visível um pequeno trecho junto ao monumento de homenagem a Teófilo Carneiro, ao fundo da Rua Cardeal Saraiva, e, pelo interior, o lanço encostado à Torre da Cadeia Velha, esta, como sabemos, obra do período manuelino. Das torres, com a sua velha imponência, mantém-se de pé a chamada Torre do Postigo e depois Torre da Expectação».
2. Muiguel Roque dos Reis Lemos
In: Anais Municipais de Ponte de Lima – 1936
«O Príncipe D. Pedro, filho de D. Afonso IV, quando em 1355 – por ocasião da vingança que, por causa do assassinato da infeliz D. Inês de Castro, andava tirando contra seu pai, pondo a ferro e sangue toda a província de Entre Douro e Minho – passou nestes sítios, observou por seus olhos a divisão em que se achava a vila, subsistindo no lugar primitivo alguns moradores e estando estabelecida a maior parte na Baldrufa, e notou a miséria que assoberbava uns e outros.
Confrangera-se, como era natural, o coração do pr&iacu
De feito, como palavra de Rei atrás não volta, quatro anos depois, no ano de 1359, o segundo de sua coroação, D. Pedro I, por intermédio do Corregedor Álvaro Pais, no dia 3 de Julho, lançou a primeira pedra fundamental de uma praça forte, no lugar em que hoje está a vila e por assim dizer defronte do primitivo assento, que foi senhoreado por Sancho Nunes. Traçou-lhe a cerca de muros dentados de ameias, cortados por seis portas, defendidas por barbacãs avançadas e reforçadas por frequentes cubelos e nove gigantescas torres ameiadas.
Todas estas fortificações estavam completas em 1370, havendo sido posto o remate nos primeiros três anos do reinado de D. Fernando.»
3. Pedro Miguel D. Brochado de Almeida
In: Ponte de Lima – uma vila histórica do Minho, Município de Ponte de Lima – 2007
«…quando D. Pedro I passou por Ponte de Lima em meados do século XIV percebeu que aquele espaço, mercê da sua localização estratégica e da sua expansão urbana, reunia as condições para ser protegida por uma muralha.
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A construção da muralha de Ponte de Lima criou um estaleiro de obra gigantesco que acomodou todos os segmentos de trabalho, que transformou desde a matéria-prima até ao produto final. Foi necessário criar de raiz diversas carpintarias, provavelmente especializadas, para construírem os guindastes, as escadas provisórias, as abóbadas dos tectos das torres e os arcos das portas. Ergueram-se diversas bancadas para aparelhar a pedra, divididas por oficinas de pedreiro. Construíram-se múltiplas forjas para produção e reparação de instrumentos de trabalho. Deslocaram-se diversas parelhas de gado e os seus respectivos carros para fazer o transporte de matérias-primas e de produtos finais.
A tudo isto é necessário juntar toda a logística envolvida na alimentação de todos os trabalhadores, desde a angariação de alimentos, passando pelo seu transporte, pela sua confecção e terminando na sua distribuição. Um outro trabalho seria o de criar, manter e tratar da alimentação dos animais envolvidos na obra.
A presença de todas estas pessoas externas a Ponte de Lima criou outros desafios, como o do alojamento ou o de vestir a totalidade dos trabalhadores.
A aglomeração e o acrescimento populacional criou oportunidades de negócios que obrigaram à deslocação de comerciantes para o seu redor, ajudando a incrementar o fervilhar de vida da Vila.»
4. Amélia Aguiar Andrade
In: Um Espaço Urbano Medieval: Ponte de Lima, Livros Horizonte – 1990
«Para o homem medieval as muralhas e fortificações associavam-se naturalmente a momentos de risco, de lutas e de conflitos em que era necessário e urgente pensar numa forma de defesa.
E a cerca limiana não podia deixar de transmitir uma impressão de força e segurança. Compacta na solidez dos blocos de granito que a constituíam era, juntamente com as casas-torres que nela se incrustavam, o espaço de defesa da vila. Em caso de perigo, cerradas as portas, era nos adarves da muralha ou no alto das casas-torres que os limianos se entrincheiravam e onde decorriam os combates. Nessas alturas, todo o perímetro urbano era um arraial militar, uma vez que a premente necessidade conjuntural de protecção remetia para segundo plano qualquer uma das outras actividades urbanas. Espaço fortificado, espaço defendido, Ponte de Lima podia então acolher, nas suas áreas livres, as populações da zona peri-urbana.
Terminados os combates, regressada a paz, a muralha continuava, no entanto, a proteger os que habitavam no seu interior. Dos ares da peste quando andavam alevantados pelo reino. A cerca era, então, a barreira que repelia os forasteiros outrora bem-vindos mas agora possíveis transmissores da morte. Para se defender, a vila fechava-se sobre si própria, tornava-se mais opressiva, recusando temporariamente a sua função primeira de espaço de passagem.
Obstáculo à difusão da doença, o muro, como lhe chamavam os limianos de quatrocentos, era também o dique que refreava a progressão desordenada das águas do rio Lima, quando um Inverno de chuvas copiosas fazia transbordar o seu leito.»
5. Ramalho Ortigão
In: As Farpas – Entre Minho e Douro – 1885
«Em Ponte de Lima, a ponte que deu o nome à vila é um dos mais antigos monumentos do seu género em Portugal. Assenta em vinte e quatro arcos, dos quais dezasseis em ogiva.
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Era entestada por duas belas torres, uma do lado de Arcozelo, outra do lado da vila, a que dava entrada por uma porta ogival. As guardas da ponte, assim como as duas torres, eram guarnecidas de ameias.
Com essa forma se conservou este curioso monumento até 1834. Depois, com o regime liberal, veio uma vereação que mandou arrasar as duas torres; e outra vereação, não querendo ficar atrás da primeira, mandou serrar as ameias que coroavam as guardas! O cinto de muralhas, com as suas cinco portas, as suas torres e as suas barbacãs, com que D. Pedro I fortificou a vila reedificada no século XIV, não caiu também inteiramente de per si, foram ainda as vereações municipais que sucessivamente se encarregaram de o fazer desaparecer.
O poder central, em sua alta e suprema indiferença pelos mais estúpidos atentados de que são objecto os monumentos mais veneráveis da arte e da história nacional, aprovou a uma por uma todas as marradas de preto-capoeira com que à municipalidade de Ponte de Lima aprouve derribar e destruir os mais belos vestígios arquitectónicos da gloriosa história da antiga vila e o próprio sentido heráldico das suas armas, nas quais em escudo de prata figura uma ponte entre duas torres.»
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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