Tarquínio Vieira

Tarquínio Vieira


 

Actor dramático de teatro e de cinema nascido em Ponte de Lima, em 28 de Novembro de 1894, que integrou, entre outras, a prestigiada Companhia Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro, responsável pela gestão do Teatro Nacional D. Maria II, durante o período compreendido entre 1929 e 1964.

 



José Sousa Vieira



Terá sido orientado pelo Dr. Luís da Cunha Nogueira, “ilustre apaixonado da Arte de Representar” que “pacientemente ensaiava no 1.º período escolar os estudantes – e que bom ensaiador! – para as récitas do 1.º de Dezembro” (1), talvez no ano de 1908, em Ponte de Lima, o primeiro desempenho cénico de Tarquínio de Sousa Vieira.

Mais tarde, entre 1914 e 1916, frequentando o Liceu Central Sá de Miranda, em Braga, “evidenciou-se, (…) em virtude do belo desempenho no papel que lhe foi confiado", tendo-lhe “os jornais da capital da província e “O Primeiro de Janeiro” feito “a justiça devida, nas apreciações a respeito do seu trabalho”.(2)

Em Outubro de 1916, ingressou no Conservatório de Lisboa, na Escola da Arte de Representar, tendo como colegas, entre outros, Vasco Santana e Laura Costa. No início de 1918 abandonou o curso, quando seguia o 2.º dos 3 anos do mesmo, e teve a sua primitiva experiência em ambiente profissional: é o Luís António na peça O Conde Barão que a Companhia Aura Abranches-Chaby Pinheiro leva, em estreia, ao Teatro Politeama, de Lisboa, de 30 de Janeiro a 5 de Maio de 1918. No desempenho pontificavam, para além dos titulares, Estêvão Amarante, Luz Veloso, Luísa Satanela, Ribeiro Lopes e Araújo Pereira.

Antes, ainda na Escola da Arte de Representar, tinha participado na 1.ª Audição Pública Gratuita desse ano lectivo, a 30 de Dezembro de 1917, como Pessival, no Auto de Mofina Mendes, de Gil Vicente, ao lado de Hortense Luz (Mofina), Artur Duarte (Paio Vaz), Vasco Camelier (Andrel), e Afonso, no Auto Pastoril Português, também de Gil Vicente, acompanhado no desempenho por Marina Pereira, Vasco Camelier, Artur Duarte, João Nóbrega, Theófilo Corrêa, Maria Silva, Josefa Lloriente, Ofélia Brochado e Lucinda Pereira.

Depois, e durante mais de dois anos, a vida teatral parece não ter contado com o seu nome. Sabe-se que, em Lisboa, frequentou os cursos de letras e de direito, que foi professor do ensino livre (desconhecemos se por essa época) e que aquela sua passagem pela Companhia Aura Abranches-Chaby Pinheiro não faz parte dos registos teatrais com a sua assinatura.

Em Outubro de 1920 está na Companhia da Sociedade Teatral Limitada, Empresa António Macedo, então no Teatro da Trindade, de Lisboa, e participa na peça A Boneca Misteriosa, que o actor aponta como sua estreia profissional. Essa Companhia tinha como principais figuras Ângela Pinto e Ferreira da Silva.

Em 1921, no Teatro do Ginásio, em Lisboa, integra o elenco da peça O Célebre Pina, levada à cena pela Companhia de Alves da Cunha. Aquando do incêndio nessa sala de espectáculos, ocorrido na madrugada de 6 de Novembro, já Tarquínio Vieira estava admitido na Companhia de Maria Matos-Mendonça de Carvalho, então a actuar no Porto, no Teatro Sá da Bandeira. E é com Maria Matos que, entre Abril e Outubro de 1922, vai em digressão ao Brasil, e poderá ter participado, antes e nesse mesmo ano, na inauguração do Teatro de Vila Nova de Cerveira.

Em 1923, no Teatro de S. Carlos, em Lisboa, na Companhia de Palmira Bastos, entra nas peças A Chama e A Dama das Camélias. Depois é contratado pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, ainda em 1923, na qual permanece até meados de 1925 e onde o seu nome começa a ganhar alguma projecção.

Convidado por Gil Ferreira, seu colega na Companhia de Amélia Rey Colaço, é um dos elementos que se instala no reconstruído Teatro do Ginásio, em Lisboa, cuja reinauguração ocorre a 27 de Novembro, com a Guerra ao Vinho. À Companhia pertence, também, Palmira Bastos.

Com esta Companhia, Palmira Bastos-Gil Ferreira, vai trabalhar até Setembro de 1926, e é nela que realiza os seus primeiros espectáculos profissionais na sua terra natal, Ponte de Lima. No Teatro Diogo Bernardes, entra nas peças O Rosário, a 8 de Julho de 1926, e, no dia seguinte, Vida e Doçura.

Em Janeiro de 1927, no S. Carlos, de Lisboa, entra na peça Mulher…, na Companhia Palmira Bastos-Clemente Pinto. Sai, logo no início do mês seguinte, desta Companhia, ingressando, de seguida, na de Nascimento Fernandes, instalada no Teatro Politeama, de Lisboa. Aqui debutou como actriz Conchita Ulia, famosa cantante espanhola, em O Turco do Kalhariz (opereta sem música), que com Tarquínio Vieira formou um dueto de amor “primorosamente realizado.”(3)

Em Novembro de 1927, na Companhia Palmira Bastos-Alexandre de Azevedo, está no Teatro do Ginásio, em Lisboa. Com esta direcção trabalha até Janeiro de 1929, e com ela visita novamente Ponte de Lima, onde, no Teatro Diogo Bernardes, entra no desempenho de três peças, em Novembro de 1928: a 28 é D. José, em A Severa, a 29 é Simão Botelho, do Amor de Perdição, a 30, Pedro Medeiros, de A Noite de Casino.

Em Fevereiro de 1929, ingressa na Companhia Ester Leão-Alexandre de Azevedo, de início no Teatro Apolo, em Lisboa, depois no Nacional, na mesma cidade, regressando posteriormente ao Apolo, após estadia no Porto, no Sá da Bandeira. É nesta Companhia que faz a última visita profissional a Ponte de Lima, onde, a 7 e 8 de Junho de 1930, são apresentadas as peças O Processo de Mary Dugan e A Ameaça.

Em Maio de 1929, no Politeama, com Maria Matos, Aura Abranches, Raul de Carvalho, e outros, vai dar um pé de “Charleston”, em ligeira diversão ao seu trabalho na Companhia de Ester Leão-Alexandre de Azevedo.

Em finais de 1930, sedeada no Teatro do Ginásio, de Lisboa, está em nova companhia, tutelada por Palmira Bastos e onde, em 25 de Janeiro de 1931, é apresentada a peça A Dama do Sud, estreia como dramaturgo do talentoso Reinaldo Ferreira, Repórter X, homem de vida curta e trágica.

Em Março de 1931, integra o elenco da Companhia Adelina-Aura Abranches e, nela, coopera na interpretação da peça P.S.P. No mesmo mês, no Teatro do Ginásio, em Lisboa, inicia a participação na Companhia Artistas Socializados, como protagonista na peça A Vida de Cristo. Nesta companhia estão, entre outros, Cremilda de Oliveira, Silvestre Alegrim, Irene Gomes.

Depois, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, é um dos elementos do comprido elenco da oratória Santo António, organizado pelo Grémio dos Artistas Teatrais e em benefício dos actores desempregados. Posteriormente, no Politeama, faz A Missa do Galo, de Amadeu do Vale.

Durante algum tempo, em 1932, em Vila Nova de Ourém, ensaia o grupo dramático local. Nesse ano, a partir de Outubro, e prolongando-se pelo ano seguinte, faz parte dos Profissionais de Teatro Associados que, no Teatro Maria Vitória, em Lisboa, levam à cena a opereta Fonte Santa, a farsa musicada O Grande Salvador e a revista Feijão Frade. Neste grupo estão, por exemplo, Maria Cristina, Maria Sampaio, Teresa Gomes, Álvaro de Almeida, Barroso Lopes, Joaquim Prata, e inicia-se, nas lides teatrais, a fadista Hermínia Silva.

Passa pela Companhia de Ilda Stichini, instalada no Teatro de S. Carlos, em Lisboa, e vê-se atingido pelo acidente rodoviário que esta sofreu, a 18 de Setembro de 1933, no Alentejo e que levou à interrupção da digressão que estava a ser efectuada por terras do sul.

Chamado novamente pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, ao Teatro Nacional, em Lisboa, de 9 de Dezembro de 1933 a 10 de Janeiro de 1934, é um dos principais intérpretes da peça Aquela noite!

Entra, no Teatro do Ginásio, em Lisboa, no Chalet das Aflições, que não tira a novel Companhia de Comédia e Farsa Musicada, organizada por iniciativa de Gil Ferreira, dos apertos que a fariam soçobrar de imediato.

Convidado, creio que por Alexandre de Azevedo, é um dos actores que na Emissora Nacional, ainda na sua fase experimental, declamam teatro. Existem apontamentos da sua participação em teatro radiofónico em 1934 e 1935, pelo menos.

Em 1934 e em 1935, ao serviço da Companhia Lucília Simões-Erico Braga, no Teatro do Ginásio, em Lisboa, actua em diversas peças. É um dos actores que faz parte do elenco da peça Deus lhe Pague, de Joracy Camargo, que Procópio Ferreira trouxe a Lisboa.

Passa, ainda em 1935, por outros grupos, nos Teatros de S. Luiz e Apolo, de Lisboa.

Em 1936, no Teatro Variedades, entra no João Ninguém, com Mirita Casimiro, e na Morena-Clara, com essa actriz, Vasco Santana e António Silva. Participa, ainda, nas filmagens de Bocage, de Leitão de Barros, e inicia a sua colaboração com a Companhia do Teatro da Trindade, de Lisboa, onde estavam Palmira Bastos, Erico Braga, Ribeirinho e um naipe de artistas de grande talento. E nesta Companhia permanece até 1938, ano em que, no Maria Vitória, entra em Os Garotos, com Dina Teresa, Maria Cristina e outros.

Ainda em 1938, tem problemas de saúde que o levam ao internamento, com necessidade de intervenção cirúrgica, no Hospital de Arroios. Daí sai para, com Brunilde Júdice e Nascimento Fernandes, ser um dos Artistas Unidos que, no Teatro Politeama, em Lisboa, representa a Rosa de Alfama.

1939 e 1940 não foram fáceis para Tarquínio Vieira. Envolveu-se em vários projectos não concretizados, participou em digressões reunindo actores de primeiro plano, mas sem vedetas para atrair o público, e a “neutralidade” portuguesa perante o conflito mundial impediu, depois de a ter autorizado, a exibição da peça Os Aliados, de Fernando Santos e Almeida Amaral, que um grupo de actrizes e actores estava a ensaiar no Teatro Variedades, de Lisboa. Eram, elas e eles, para que conste, Adelina Abranches, Maria das Neves, Maria Florinda, Zeca Fernandes, António Silva, Alberto Reis, José Amaro, Álvaro de Almeida, Ricardo Santos Carvalho, Tarquínio Vieira, António Gomes, Carlos Viana e Agostinho Lopes.

Nos finais de 1940, prolongando-se para 1941, é contratado por António Macedo para a Companhia do Teatro Avenida, em Lisboa. São seus colegas Erico Braga, Clemente Pinto, Ribeirinho, Aura Abranches, Madalena Sotto, Laura Alves, entre outros.

Em 1941, Josephine Baker vem dar uma série de espectáculos em Lisboa (no Teatro da Trindade) e no Porto (no Teatro Sá da Bandeira). Tarquínio Vieira é um dos portugueses contratados para participar nessa exibição. Curiosamente, sabe-se hoje que, durante esses espectáculos, Josephine Baker aproveitava para transmitir mensagens codificadas aos Aliados.

Parece que, apesar dos tempos difíceis da Grande Guerra, a ventura tinha mudado para Tarquínio Vieira. Ainda em 1941 intervém na fugaz comédia-farsa A Casa da Sorte, no Teatro Variedades, em Lisboa, com Lucília Simões, António Silva, Costinha, Laura Alves e outros actores.

No início de 1942, passa a ser um dos elementos da Companhia Francisco Ribeiro (Ribeirinho), de cujo rol fazem parte vários actores como Hortense Luz, Laura Alves, Luís Filipe, Barroso Lopes, Cremilda de Oliveira, etc.

Em 1943, surge na Companhia Erico Braga-Ribeirinho, reforçada com Irene Isidro e Alberto Ghira, dela saindo alguns nomes, como o de Laura Alves.

Nos finais de 1943, entra para a Companhia do Apolo, onde está Ribeirinho, Madalena Sotto e Hortense Luz. É praticamente esta companhia que, ainda no Apolo, em Abril de 1944, vai levar à cena a opereta popular A Rosa Cantadeira, com Amália Rodrigues e Hermínia Silva. Tarquínio Vieira sai do elenco em plena exibição da peça para integrar, na Empresa António de Macedo, a Companhia Portuguesa de Comédias, onde avultam Aura Abranches, Madalena Sotto e José Gamboa. Também nesse ano, participa, no Teatro Variedades, em Lisboa, na peça Testa de Ponte, acompanhando um grupo onde estão Erico Braga, Raúl de Carvalho, Alfredo Ruas, Maria Helena, Eunice Muñoz. Com Madalena Sotto e Alves da Cunha, agora no Teatro Avenida, de Lisboa, é um dos componentes para a interpretação de Liberdade Provisória. Ainda em 1944, incorpora-se na Companhia do Teatro Maria Vitória, onde sobressaem Mirita Casimiro e Vasco Santana. Termina o seu contrato com esta companhia em Março de 1945 e, de imediato, admite-o a de Maria Matos, onde estão, na altura, Eunice Muñoz e Erico Braga.

Trabalha, em 1946, na Companhia Os Cómicos Populares, radicados no Teatro Apolo, de Lisboa. A essa companhia pertencem Maria Matos, Costinha e Eunice Muñoz. Nesse ano é estreado o filme O Cais do Sodré, de Alejandro Perla, sendo Tarquínio Vieira um dos actores.

Faz, entre 19 de Junho e 27 de Setembro, uma digressão na Companhia do Teatro do Povo, dirigida por Alberto Ghira, tendo por colegas Emília de Oliveira, Margarida de Almeida, Beatriz de Almeida, Paiva Raposo e Henrique Santos. Em Outubro, é anunciado como pertencendo à companhia que vai trabalhar no Teatro Variedades, ao lado de Vasco Santana, mas a doença não o vai permitir.

Regressa aos palcos em Dezembro, no Teatro Avenida, com Irene Isidro e António Silva, primeiro, depois, já em 1947, com Costinha e Luísa Durão.

Entre Junho e Setembro de 1947, segue na viagem do Teatro do Povo, com o mesmo elenco do ano anterior, naquelas que foram, possivelmente, as últimas aparições em palco de Tarquínio Vieira. Em Março de 1948 a doença afastou-o de cena. Já não conseguiu efectuar a digressão do Teatro do Povo e, um ano mais tarde, a imprensa refere que “o actor Tarquínio Vieira não ingressa no elenco deste ano do Teatro do Povo em vista do seu estado de saúde não lho permitir.”(4)

Este actor, nascido em Ponte de Lima a 28 de Novembro de 1894, faleceu em Lisboa a 14 de Agosto de 1960. Não ficou famoso, embora o seu nome não esteja completamente olvidado. Ainda na actualidade, um dos maiores actores portugueses, Ruy de Carvalho, o refere como uma das suas primitivas memórias cénicas.

 

Notas

(1) Mário Gonçalves Ferreira, jornal “Cardeal Saraiva”, n.º 2091, 8 de Maio de 1964

(2) Jornal “Rio Lima”, Ano 3, n.º 31, 21 de Março de 1926

(3) “Diário de Lisboa”, n.º 1.863, de 7 de Maio de 1927

(4) “Diário de Lisboa”, n.º 9.504, de 16 de Maio de 1949

 

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 21, de Fevereiro de 2011

 

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Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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