Para quem teve o prazer de acompanhar a copiosa actividade intelectual de Luís Dantas (1943-2011), visível no apreciável número de títulos publicados – sem esquecer a colaboração dispersa (poesia e prosa) por vários jornais e revistas –, não é surpresa o acentuado ecletismo dos seus interesses temáticos.
Sem preocupação de exaustividade, enumeremos apenas alguns títulos mais recentes do autor: A Vaca das Cordas em Ponte de Lima, 2006; A Arte da Guerra (1914-1918), 2007; Os Limianos na Grande Guerra, 2007; António Feijó, a boémia estudantil e os primeiros versos, 2008; O Circo em Ponte de Lima, 2009; As Figuras Populares de Ponte de Lima, 2009; A Geração Coimbrã de 62, 2009; Geração Beat, 2010; Retratos Galegos, 2010; Gomes Leal: o Anjo Rebelde, 2011; e João Penha, Vida e Obra, 2011. A que se poderão somar ainda brevemente alguns inéditos, por exemplo sobre o prosador Mário Domingues e o poeta brasileiro Gonçalves Dias.
Licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, e tendo exercido a docência nessa área, este limiano precocemente desaparecido legou-nos várias obras onde sobressaem horizontes interdisciplinares ou pontes entre a perspectiva histórica e outras formas de conhecimento, como as artes ou a literatura. Afinal, esta é a marca distintiva de um homem ilustrado, que sabia bem que a cultura não tem compartimentos estanques.
Na óbvia impossibilidade de aqui comentarmos as várias obras referidas (isso daria um merecido livro), é oportuno – em jeito de simples homenagem póstuma – apreciarmos, de modo muito sucinto, a vertente de crítico literário de Luís Dantas, a partir do derradeiro título mencionado: João Penha, Vida e Obra.
A obra em questão apresenta uma estrutura clara, ao longo de cerca de 120 páginas: num primeiro momento, de carácter introdutório, contextualiza “O tempo de Coimbra” vivido por João Penha (Braga, 1838–1919), formado em Direito, mas com reconhecida vocação poética. Numa segunda parte, compreensivelmente mais alongada, traça-nos uma panorâmica crítica da obra poética do poeta responsável pela introdução do movimento do Parnasianismo em Portugal. Finalmente, remata com uma terceira parte sobre o final da vida do poeta em Braga.
Como se contasse uma história, Luís Dantas recria, com arte e conhecimento seguro, com documentação e até com graça, a atmosfera de uma época rica de orientações estético-culturais. Tem igualmente a qualidade de alicerçar as suas considerações numa alongada e pertinente bibliografia; o cuidado de ilustrar o seu juízo crítico com a transcrição de pertinentes excertos textuais de João Penha; e ainda a curiosidade de enriquecer a sua obra com adequadas ilustrações.
Com efeito, como realçado por Luís Dantas, o nome de João Penha deixou ecos significativos na lusa Atenas do seu tempo, relacionando-se com alguns dos mais importantes espíritos da sua época: Gonçalves Crespo, Cândido de Figueiredo, José Simões Dias, Guerra Junqueiro, Antero de Quental, Eça de Queirós, Teixeira de Queirós (Bento Moreno). No fervilhar intelectual e boémio de Coimbra, o director e doutrinador do jornal literário A Folha (1868-1873) contribui para a superação de certa retórica romântico-sentimental na poesia, sobretudo “dos metrificadores do ai” da escola de Lisboa; ao mesmo tempo que se distancia dos “sacerdotes da ideia vaga” do ambiente coimbrão.
À sombra de certos poetas franceses (a influente “arte pela arte” de Théophile Gautier, Leconte de Lisle, Théodore de Banville e da obra colectiva Parnasse Contemporain, 1866-76), João Penha distingue-se na afirmação de uma “nova poética pós-romântica”, valorizadora de certo gosto classicizante e da relevância da forma lapidar – de certos subgéneros poéticos, da escolha vocabular, do efeito musical. Em A Folha, colaborou um número muito diverso de autores, incluindo a limiana Amélia Janny; e o parnasianismo, com a importância concedida ao apuro formal, não deixou de influenciar consabidamente a escrita poética do nosso António Feijó.
Nas sumárias considerações judicativas sobre a obra poética de João Penha, o crítico segue uma perspectiva cronológica: Rimas (1882), Viagem por terra ao país dos sonhos (1898), As Novas Rimas (1905), Ecos do Passado (1914), Últimas Rimas (1919) e O Canto do Cisne (1923). Entre outras pertinentes notas de análise, Luís Dantas sublinha a renovadora “atitude de repulsa contra o lirismo chorão e delambido”, típico do epigonal legado do ultra-romantismo.
Em contraponto, a poesia de João Penha destaca-se pelas apreciáveis qualidades formais, pelo humour do verso gracioso e burlesco, pela descrição epicurista, pela inspiração em outras formas literárias e artísticas; mas sempre em “busca do belo e da mestria”, numa demanda do rigor e da precisão, a que não eram alheios valores estéticos da antiguidade grega. Ao mesmo tempo, o crítico elucida o leitor sobre a recepção crítica mais ou menos entusiasta que os livros do poeta foram conhecendo na imprensa do tempo.
Com este ensaio crítico, Luís Dantas presta assim homenagem a um poeta relevante da transição finissecular para o séc. XX, injustamente esquecido mesmo na terra que o viu nascer, por um lado; e, por outro, demonstra a sua capacidade de crítico informado e sensível, que tem a arte de saber ler e convidar à leitura.
Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 27, de Abril de 2012
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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