Capela do Espírito Santo

 

Capela do Espírito Santo

Localização: Moreira do Lima
Classificada como Imóvel de Interesse Público, em 1961

 



José Velho Dantas



Os séculos que marcaram os alvores de Portugal assistiram a um surto construtivo assinalável, sobretudo no domínio da arquitectura religiosa, que foi também a que melhor resistiu à voragem do tempo. Reflexo do crescimento populacional e do alargamento da mancha agrícola, a paisagem de Entre-Douro-e-Minho foi das mais densamente salpicadas por igrejas e mosteiros, implantados quase sempre ao longo dos cursos fluviais, gozando de panorâmicas deslumbrantes, que ainda hoje podem ser apreciadas em alguns casos, apesar da transformação ambiental operada desde então.

Estes edifícios obedeciam a uma maneira idêntica de aparelhar as pedras, a um desenho semelhante e a elementos ornamentais familiares, com certas características comuns, facto que motivou a criação das expressões arte românica ou estilo românico, consagradas pelos historiadores. Trata-se de monumentos bem integrados no meio ambiente, até pelos materiais que empregam, sobretudo a pedra, arrancada à mãe natureza nos montes próximos.

Um dos exemplos mais felizes da Ribeira Lima é a Capela do Espírito Santo, em Moreira do Lima, situada à beira da estrada, junto de um fontanário de onde jorra um manancial de água inesgotável. Abrigada no fundo da encosta da Serra de Antelas, debruça a vista a Sul sobre as agras e, mais distante, sobre as veigas de Bertiandos, quase a desaparecer do horizonte.

Como impunha a regra litúrgica, o templo encontra-se orientado longitudinalmente para nascente. Destinado a uma pequena comunidade, apresenta um plano simples, cobertura de madeira, dois blocos com uma única nave e cabeceira mais estreita de uma só capela, sem transepto de permeio, ao contrário do que sucedia em igrejas de maior porte, como as catedrais, as colegiadas e algumas das monásticas. O corpo da sacristia, mais baixo, é posterior.

Carlos Alberto Ferreira de Almeida, no seu detalhado périplo pela “Geografia da Arquitectura Românica” menciona-a somente, colocando-a como um dos múltiplos exemplares da Ribeira Lima que testemunham essa maneira de construir, não referindo qualquer aspecto em particular.

Já Aguiar Barreiros se detivera nesta igreja com mais vagar, indicando algumas das suas propriedades e salientando, como principal elemento ornamental da estética românica, a cachorrada com figuração antropomórfica e zoomórfica, sobre a qual elaborou uma exegese depois retomada por António Matos Reis.

Mas a beleza e singularidade deste templo não se esgotam na componente arquitectónica. É necessário passar o umbral e contemplar a riqueza que o seu interior encerra, designadamente os três retábulos de fisionomia maneirista, hoje já não tão marcados pela refulgência do ouro e da policromia, que ajudaram outrora a combater a sombra que era apanágio destes espaços. São aparelhos notáveis, não propriamente pela dimensão, mas pelo equilíbrio do desenho. Esta obra de talha data da segunda metade de seiscentos e constitui, no seu todo, uma das empreitadas artísticas de mais subido valor do nosso concelho, revelando um programa iconográfico bastante peculiar.

O retábulo principal, apresentando no corpo central um painel esculpido em relevo com a Descida do Espírito Santo sobre a Virgem e os Apóstolos, faz jus ao orago da capela. O quadro é flanqueado por dois pares de colunas espiraladas, sob as quais figuram, ao nível da predela, os quatro evangelistas acompanhados pelo tetramorfo, que constitui o conjunto das suas representações simbólicas (o boi de Lucas, o leão de Marcos, a águia de João e o anjo de Mateus). No ático retabular surge um outro painel esculpido em relevo, patenteando a coroação de Nossa Senhora.

Junto ao retábulo principal, encontra-se actualmente uma notável escultura da Santíssima Trindade, também designada, por efeito metonímico, de Espírito Santo. Foram abundantemente reproduzidos exemplares integrados na tipologia da Trindade Vertical, apresentando o Pai com tiara papal sentado num trono de majestade, segurando com ambas as mãos o Filho crucificado, com a Terceira Pessoa a pairar sob a forma de pomba. Diversas igrejas do concelho de Ponte de Lima albergam um elevado número de exemplares deste tipo, sem atingir, no entanto, o calibre estético do de Moreira do Lima.

Os dois retábulos colaterais são marcados pelas representações escultóricas. As Memórias Paroquiais de 1758 indicam a Senhora do Pilar e Santo Ovídio como os titulares de cada um dos altares.

A Senhora do Pilar constitui uma invocação popular da Virgem, com arreigada tradição em Espanha e forte penetração nos países ibero-americanos. Anda historicamente ligada a uma aparição da Senhora sobre uma coluna (pilar) ao Apóstolo Santiago, evento que terá ocorrido nas margens do rio Ebro, onde hoje se ergue a capital de Aragão (Saragoça), no preciso solo de implantação da actual e imponente basílica do mesmo nome.

Santo Ovídio foi um cidadão romano que, ainda contemporâneo dos Apóstolos, demandou ao actual território bracarense com fins evangelizadores. Os relatos hagiográficos certificam-no como dono da cadeira episcopal ainda em finais do século I, tendo posteriormente conhecido a sorte dos mártires. A devoção popular associa-o, dada a semelhança fonética entre o seu nome e o órgão auditivo, à protecção contra as dores de ouvidos. É de certa forma natural e adquire um certo ar de família a presença deste santo neste templo, situado a poucos metros do monte e da capela com a sua invocação.

Não tão familiar é a imagem de São Cipriano, figura cimeira da hierarquia eclesiástica dos primeiros séculos, o primeiro bispo africano (Cartago) a sofrer o martírio. Escultura proveniente de uma ermida próxima, já desaparecida, colocada sob a mesma invocação, mostra o santo paramentado com casula e sem pluvial, fenómeno pouco comum na figuração de uma dignidade episcopal.

O esquema devocional da Capela do Espírito Santo é completado com duas outras esculturas. Uma delas, bem aparelhada a nível da indumentária apesar da reduzida dimensão, surge identificada através da inscrição na peanha. Representa Santa Apolónia, a virgem mártir padroeira dos dentistas. A outra imagem não exibe qualquer atributo específico ou inscrição que possibilite uma identificação isenta de dúvidas. No entanto, a simplicidade das vestes, apenas com capa e túnica, o facto de aparecer descalço, o livro aberto que sustém na mão esquerda e o rosto de aparência feminina constituem traços que permitem apontar para São João Evangelista.

Publicado na LIMIANA - Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 20, de Dezembro de 2010

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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