Capela de Santo Abdão

 

Capela de Santo Abdão

Localização: freguesia da Correlhã
Classificada como Imóvel de Interesse Público, em 1957

 



António Matos Reis



Na freguesia da Correlhã, a caminho do parque e do templo de Nossa Senhora da Boa Morte, encontram-se a velha igreja de S. Tomé e, a alguns passos, a capela de Santo Abdão, ambas construídas no estilo a que se chama românico, embora num período tardio, quando já se fazia sentir a influência do gótico. À primeira vista, causa estranheza a coexistência de dois templos, em tal proximidade, mas de facto, embora edificados em datas muito próximas – um será da primeira metade do século XIII e o outro à volta de cinquenta anos posterior – cabiam-lhes funções diferentes: a igreja de S. Tomé cumpriu a missão de sede da paróquia desde a Idade Média até ao início do século XXI, e, por isso, foi sofrendo algumas alterações no correr dos tempos; a capela de S. Abdão teve como finalidade abrigar a sepultura de Santo Abdão e acolher os devotos que a visitavam em piedosa romagem.

Abdão, cujo nome aparece também com as grafias de Adom, Eudom e Oudom, terá sido um peregrino que, no ano de 1130, saiu da Itália a caminho de Santiago. A sua história é contada no manuscrito “Os miragres de Santiago”, escrito do século XIV, que em grande parte reproduz matérias constantes do segundo livro do “Codex Calixtinus”, obra do século XII, fundamental na divulgação do culto a Santiago de Compostela. Segundo a narrativa medieval, quando chegou à Correlhã, o devoto peregrino achava-se estropiado e doente, e, por não trazer dinheiro nem recursos para ser tratado de outro modo, foi necessário que um milagre fizesse aparecer um asno à porta do lavrador que o acolheu, para o levar à igreja paroquial, onde recebeu o Corpo de Deus, prostrado em terra, com grande devoção, ali permaneceu, a lutar sozinho com a morte, até que expirou, à meia-noite, voltado para o Oriente. Era o dia dos Santos Inocentes (27 de Dezembro). As crianças puseram-se a clamar: "Oudom, Santo de Deus, ajuda-nos!". Na cerração da noite, Mendo, um bom clérigo, e Ega, piedosa mulher, viram luzes a brilhar sobre o túmulo, e depois aconteceram muitos milagres, que contribuíram para que, sobre o lugar da sua sepultura, a devoção popular erigisse a capela, que ainda hoje se conserva junto à antiga igreja paroquial de S. Tomé, na freguesia de Correlhã.

Embora esta capela fosse construída mais tarde, a proximidade da igreja paroquial explica também as semelhanças de estilo, que se observa no que respeita à ornamentação dos dois templos, embora as proporções volumétricas correspondam a outra sensibilidade. As semelhanças começam no pórtico axial, de um só par de colunas, com bases e fustes lisos e capiteis de singelo ornato vegetalista, e arquivoltas em aresta viva, de ponto ligeiramente subido. Sobre os capiteis apoiam-se impostas assimétricas, uma sem ornatos e a outra com uma rudimentar decoração de esferas.

Embora mutilado, subsiste ainda o tímpano original, isto é, aquela peça de granito que preenche o meio arco sobre a porta. Tem ao meio uma parcela escavada, mais funda, que resulta do exagerado puritanismo de um visitador diocesano que, em 1750, mandou picar e arrasar a parte central porque, no seu entender, exarado no livro das visitações, se tratava de «um simulacro de pedra que terá 4 grandes palmos de alto, todo absolutamente nu [...], o que é obsceno, indecentíssimo e intolerável em qualquer parte quanto mais nos lugares dedicados a Deus»(1). A imagem «indecente» não devia ser mais do que uma escultura de feição popular, tão ingénua que nunca podia considerar-se escandalosa, e provavelmente representaria o próprio Salvador no acto da sua Ressurreição ou da sua Ascensão, expoente máximo do triunfo da vida sobre a morte, a que aludem os elementos decorativos e simbólicos que o rodeavam e ainda se mantêm: do lado esquerdo de quem olha, uma palmeta enlaçada e, do lado direito, uma cruz grega, vazada dentro de um círculo perlado, idêntico ao da porta travessa da igreja de S. Tomé, mas desta vez com uma pomba sobre ele, símbolo nitidamente cristão, frequente nas igrejas galegas.

Acima do pórtico abre-se uma pequena rosácea, cuja moldura externa está ornada com pares de esferas, enquanto a parte central é vazada em nove óculos, aberto o espaço que liga os do centro e os que o prolongam na vertical e na horizontal, a formar uma cruz.

A porta lateral norte, em que se não vislumbra qualquer ornato, foi tapada com um muro; a do lado sul, sem mais ornato, apresenta no tímpano, rodeado por molduras lisas, uma cruz grega vazada, dentro de um círculo.

Também as estreitas janelas ou frestas laterais são constituídas por simples aberturas rasgadas nas paredes e apenas as do fundo da nave e da ábside apresentavam colunelos e capiteis decorados com ornatos vegetalistas rudimentares, tendo-se perdido os fustes e as bases dos colunelos que existiram na que se abre no topo da ábside.

Sob a cornija que suporta o beiral do telhado, correm, de ambos os lados, fiadas de modilhões ora lisos, ora de simples recorte geométrico, ora historiados com símbolos da tradição cristã: o peixe, o cordeiro, o touro, a cruz de Santo André...

Já não existem as cruzes que rematavam as empenas, nos extremos do telhado.

No interior mantém-se o arco de comunicação entre a nave e a abside (capela-mor), duplo e de ponto subido, apoiado em colunas, de bases decoradas com relevos nos ângulos do plinto, fustes lisos e capiteis historiados. Um poial – banco liso, de pedra – circunda o pavimento ao longo dos muros.

De um modo geral, pode afirmar-se que este pequeno templo chegou em bom de estado de conservação até aos nossos dias, constituindo uma pequena jóia da nossa arte românica. E por aqui nos detemos, deixando para outra oportunidade as visitas à antiga igreja paroquial e ao santuário da Senhora da Boa Morte.

(1) Manuel d’Aguiar Barreiros, Egrejas e Capelas Românicas da Ribeira Lima, Porto, 1926, p. 28-29. O Livro das Visitações também já não existe, porque foi queimado na primeira metade do século XX por outro personagem boçal.

 

Publicado na LIMIANA - Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 3, de Maio/Junho de 2007

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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