Adelina Rodrigues Alves

Adelina Rodrigues Alves

A Lininha da CASALINA

 



Franclim Castro Sousa



Recordar a Lininha, decorridas algumas décadas sobre o fim da sua atividade, ainda nos faz subir às narinas o aroma inesquecível do seu apetitoso arroz de sarrabulho.

Adelina Rodrigues Alves, filha de mãe pontelimense, nasceu em 17 de dezembro de 1914, em Esmoriz, concelho de Ovar. A sua mãe ficou viúva muito cedo, com quatro filhos de tenra idade e regressou a Ponte de Lima, onde presumia reunir melhores condições para poder educar e alimentar os seus rebentos.

A Lininha foi limiana, pelo lado da sua mãe Adelina da Conceição Alves, por ter vivido quase toda a sua vida na vila teresiana e por a ter assumido como o seu verdadeiro torrão natal. Faleceu em 20 de dezembro de 2009, em Ponte de Lima.

Depreendem-se os obstáculos que a família, perdido prematuramente o seu principal sustentáculo, enfrentou, para subsistir com dignidade. Adelina, com dez anos apenas, andou a carregar baldes de areia para a construção do mercado municipal de Ponte de Lima. Frequentou a instrução primária, mas devido às dificuldades familiares viu-se sujeita a ir “servir” para a casa de pasto de Corina Barros, no Largo da Feira, da vila limiana. Entre as panelas e a ida para casa no lugar de Crasto, freguesia da Ribeira, surgiu a paixão pelo jovem Augusto Castro e Sousa.

Esta sua passagem pela casa de pasto de Corina, e pelas lições que recebia de sua mãe, fez com que a culinária ganhasse primazia na sua vida. A paixão pela cozinha começou a moldar a sua personalidade. Entretanto dá-se o casamento com Augusto, tipógrafo de profissão. O seu percurso culinário é interrompido, por ter que seguir o seu par, de malas aviadas para Lisboa, onde o emprego numa conceituada gráfica da capital esperava Augusto.

Nasce em breve o seu primeiro filho, em época extraordinariamente difícil, devido às atribulações e restrições impostas pela Segunda Guerra Mundial. Dizia ela que para arranjar leite e pão para o menino tinha que ir pelas 3 h da madrugada para as filas do racionamento. Valia-se do apoio familiar que o seu marido tinha em Lisboa. Apesar de tudo a vida ia decorrendo e cada dificuldade ia-se vencendo.

Alguns anos passados, chega de Ponte de Lima a notícia dada pela mãe do marido, Laura Amorim, de que o seu pai Eduardo Castro Sousa pretendia fechar a tipografia de que era proprietário, dado o avançar da idade. A Laurinha viu então a oportunidade de trazer o filho para perto de si, propondo-lhe a aquisição da tipografia do pai. Estava-se no ano de 1947. Nasceu, assim, a tipografia Augusto Castro Sousa, após acordadas as condições de trespasse com o seu pai.

Instalada na rua Formosa, na vila de Ponte, onde hoje é o restaurante Brasão, tinha como concorrente principal a tipografia Guimarães.

Adelina, com o marido e o filho (Fernando Castro Sousa) foram viver para Crasto, lugar do Senhor da Cruz de Pedra, na freguesia da Ribeira. Aqui a família foi crescendo e vieram mais dois filhos, Fernanda e Franclim. Este facto levou a que se reacendesse no espírito da Adelina a sua vocação culinária, em que se alicerçou para conquistar uma situação mais desafogada que proporcionasse melhores condições de futuro aos seus filhos.

Por isso, em 1951 toma de trespasse uma casa de pasto situada na rua Gaspar Malheiro (atual rua Manuel Morais), por detrás da igreja Matriz, em Ponte de Lima, a que deu o nome de CASALINA – Vinhos e Petiscos. Inicia-se a sua peregrinação na promoção da gastronomia regional e do prato mais emblemático de Ponte de Lima, o sarrabulho. Os seus petiscos afamaram-se simultaneamente de tal forma, que de Viana do Castelo, pelos sábados à tarde, deslocava-se um grupo numeroso de pessoas, que degustavam com prazer as maravilhas produzidas pelas mãos delicadas da Adelina.

Os vianenses denotavam grande curiosidade pelos bifes à Xico Ferreira (capitão da equipa de futebol do Sport Lisboa e Benfica, e defesa central dos melhores do mundo) e o caldo verde à Barrigana (guarda-redes do Futebol Clube do Porto, o homem das mãos de ferro), que a Casalina propagandeara numas animadas festas de marchas sanjoaninas.

Nas atividades normais, a matança do porco fazia-se no Matadouro Municipal, à sexta-feira de cada semana. O desmancho era processado à noite na casa de pasto, após o horário de fecho.

Ao sábado de manhã era um corridinho de pessoas a comprar os “molhinhos” (farinhota, chouriça de cebola, buxo, as belouras, o verde e os rojões).

Adelina preparava com mestria estes “molhinhos”, deixando para a casa o suficiente, para no domingo confecionar um dos melhores sarrabulhos de Ponte de Lima, no dizer dos mais reputados apreciadores deste maravilhoso prato.

O sarrabulho na Casalina fazia-se apenas ao domingo e vendia-se para fora. A procura era tanta que raramente conseguia satisfazer todas as encomendas. Era uma romaria de gente carregando as cestinhas com as panelas, para de volta levar para casa mais essa preciosidade da genial Adelina. Os mais pobres também levavam a sua cesta e beneficiavam sempre de alguma atenção especial, porque para além de exímia cozinheira, Adelina era um enorme ser humano.

Devido ao seu caráter, jamais vendeu “gato por lebre”, o seu sarrabulho obedecia fielmente aos princípios das receitas originais. Teve a seu favor não ter vivido numa sociedade consumista, mas fazia questão de não confecionar mais que um panelão de sarrabulho para fora e outro para os clientes da casa. Por isso, quem viesse mais tarde teria que esperar pelo domingo seguinte porque para aquele dia já não havia hipótese.

Os rojões tinham que ser pequenos, se fossem grandes mais pareceriam batatas e a carne mostrava-se mais seca, a beloura tinha que ser cortada fininha para ficar estaladiça e as batatas tinham que receber o aconchego do forno. Pelo menos estas eram as três dicas que nos deixou. O tempero e os condimentos do arroz era o seu grande segredo.

Mas também não escondia que nos enchidos era fundamental usar as tripas do próprio porco, proceder à sua lavagem nas águas do rio com o maior esmero e utilizar muito limão para lhes extrair completamente os gostos e os cheiros que pudessem prejudicar a confeção.

Eis o registo duma pessoa simples, que enriqueceu o rol das melhores cozinheiras do afamado sarrabulho à moda de Ponte de Lima e deixou enormes saudades da mais genuína gastronomia local.

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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