Governador Militar de Ponte de Lima durante a 2.ª Invasão Francesa (1809)
Francisco Pereira Peixoto Ferraz Sarmento nasceu a 2 de Julho de 1771 em S. Gonçalo de Amarante, cidade portuguesa que pertence ao distrito do Porto, e morreu em Ponte de Lima, a 12 de Agosto de 1822, com o posto de Coronel.
Quanto à sua ascendência, é filho de Gaspar Pereira Ferraz Sarmento, Fidalgo da Casa Real, 6.º Administrador do Morgadio de Barreiros, situado no lugar que lhe deu o nome na freguesia da Correlhã em Ponte de Lima, e de sua mulher D. Joana Maria Peixoto de Andrade Pereira de Vasconcellos. Foi seu irmão o Dr. José Peixoto Sarmento de Queiroz, Desembargador Juiz da Coroa na Relação do Porto.
Pelo seu lado paterno era neto de Agostinho Pereira Ferraz, 5.º Senhor do Morgadio do Barreiros e de D. Maria Luiza de Sottomayor. Pelo lado materno descende de António Peixoto de Queiroz e Vasconcellos, 5.º Senhor do Morgadio do Real em Amarante e de D. Ignácia Josepha Machado de Andrade.
Casou com D. Martha Luiza (Martha Miquelina ou Marta Angélica em diversos documentos). Esta era filha de Manuel António da Cunha Sottomayor e de D. Vicência Luiza Malheiro Pereira Sottomayor. Neta paterna de Pedro da Cunha Sottomayor e de D. Martha Eugénia de Figueiredo e materna de António Pereira Malheiro de Távora, Senhor da Casa de Cartemil na freguesia da Gemieira em Ponte de Lima, e de D. Antónia Pereira Ferraz.
A D. Martha Luiza teve como irmãos o Dr. João da Cunha Sottomayor e Pedro Da Cunha Sottomayor foi Doutor em Leis da Universidade de Coimbra e exerceu funções de Juiz Desembargador. Foi Fidalgo da Casa Real e iniciou-se na maçonaria. Participou na Revolução Liberal do Porto a 24 de Agosto de 1820, fazendo Parte da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino que foi resultado desta. No ano de 1821 foi elevado a Cavaleiro Rosa Cruz. Exerceu funções de 7.º Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano entre 1821 e 1823. Foi Par do Reino entre 1834 e 1836.
O seu irmão Pedro da Cunha Sottomayor foi Sargento-Mor de Infantaria e ajudante do General Bernardino Freire de Andrade. Foi assassinado na época das Revoluções Francesas em Vila Fria por pessoas de Darque a 20 de Maio de 1809.
Francisco Sarmento decidiu abraçar a carreira militar, tendo sido Comandante de Regimento de Milícias de Vila do Conde e Coronel Comandante da 3.ª Brigada de Ordenanças do Minho. O seu nome aparece na lista geral dos Annaes das Sciencias, das Artes e das Letras – “Lista Geral das Pessoas que tem honrado, com a sua subscrição o Primeiro Anno da Empresa dos Annaes das Sciencias, das Artes e das Letras”.
No requerimento em que solicita à Mesa da Consciência e Ordens para poder usufruir da mercê do hábito da Ordem de Cristo, Francisco Sarmento faz muitas advertências ao Rei sobre a situação em que se encontrava o país:
“Tendo visto nos Diários haver-se nomeada hua Commissão PAC informar ao soberano Congresso sobre os que distinguirão nos acontecimentos de 24 de Agosto, e 25 de Setembro passados e sabendo que V. S.ª he Membro da d.ª Comissão, julgo do meu dever apressar-me a dizer-lhe o seguinte:
Alguns dos Autores da nossa regeneração fizerão-me saber antecipadamente seus intentos: que promoverião formar-se hum Governo Provisorio, que convocasse as Cortes da Nação, para que estes fizessem hua Constituição que nos tirasse do abismo em que hiamos ser submetido, segurando-nos p.ª o futuro que seria acclamado o nosso legitimo Monarcha, o Senhor D. João 6.º e sua Augusta Dinastia; e que de certo viriamos a ter o nosso soberano entre nós, e não estaríamos nunca mais em Orfandade.
Disseram-me mais; que era de toda a necessidade; que logo que na cidade do Porto se soltasse o grito, esta Provincia a seguisse sem demora; para que, ganhando Corpo, não apparecessem partidos e se evitassem das ordens, e talvez sangue que era portanto muito preciso estar bem prevenido o Comandante da 9ª Brigada de Infª., Coronel do Regimento 9º Antonio Lobo Teixeira de Barros, o qual já tinha sido procurado pelo Jose Maria Xavier de Araújo, que era sua missão se recolhera mui receoso, deixando a todos em cuidado; o que se me fazia saber redobrar as diligências . (…)
Instei e lhe disse claramente quaes erão os fins, e que não era hua coisa simplesmente popular, como elle suponha, que era muito seria, e lhe indiquei alguns dos Autores. A este ponto mudou de semblante, e depois de me fazer alguas perguntas, exigindo que lhe respondesse em franquesa de Amigo o satisfiz. Apresentou-me a mão, dizendo-me, pouco mais ou menos, as seguintes palavras = Acredito o que me dizes; e se José Maria me tivesse fallado o teria acreditado: eu quero que me fallem rasgado: eu passo já a fazer disposições, e a Nação conhecerá quem he o Coronel Barros. =
(…) Nessa mesma noute de 25 pelas duas horas recebeu o Capitão Meneses a Ordem do Brigadeiro Barros, e antes de ser dia estavão suspensos todos os officiaes Ingleses, e na madrugada, o Batalhão na Praça publica deu os vivas ao nosso Monarcha, e foi proclamado o nosso governo, estando presente immenso Povo, e a Camara falo Capitão Meneses convidada.
(…) Tendo dito o que se passou comigo, o que presenciei. - Para se dar o verdadeiro valor ao Serviço do Brigadº peço que se note alem do seu enthusiasmo de rapidez de tudo o que praticou/antes de ter ordem/q.em sua mão estava a maior força de Prov.ª qdo. Traz os Montes, e Beira tinhão desvairado – Deos gde a Vª m.tos annos.
Ponte de Lima 3 de Abril de 1821
Francisco Pereira Peixoto Ferraz Sarmento.”(1)
Como forma de podermos ver o seu carácter assertivo e frontal, numa carta escrita a uma primo conta o que passou e pôde observar durante a eleição da Junta da Companhia. Encarregue de granjear os votos no Minho a favor de Pedro Gomes da Silva, Alcaide-Mor de Braga, e Joaquim José Fernandes da Silva, manteve conversas com Cristovão Guerner acerca da legitimidade da posse das procurações dos votantes do Minho. Acusa os vogais da Junta de fazerem "clandestinos conventiculos, e ajustes" onde abundam "intrigas, chicanas, e trapassas, mui podres". Refere-se à ignorância de muitos accionistas que dão as suas procurações ao primeiro que aparecer "ignorando o que dão", acusando alguns de se apropriarem de forma inapropriada de apólices para serem habilitados a uma eleição corrupta e à margem da lei. Defende a permanência de Domingos Morais Sarmento. Acusa Domingos Martins Gonçalves, membro da Junta há 37 anos, de só "impôr, contar, e encher o papo". Fala ainda do papel decisivo do Conservador Sebastião António de Carvalho, que durante a eleição enfrentou os deputados. Refere-se ainda aos deputados da lista de Manuel José Sarmento, e diz que se surgirem nomes mais votados que estes foram "extorquidos por traça, por fraude, por ameaças, por dependências jogadas". Informa o seu primo de que o seu melhor amigo e também amigo dele disse que lhe faria chegar uma relação de todos os factos, mesmo que estivesse sujeito a um grande perigo.(2)
Num excerto de um outro documento daquela época podemos constatar a forma como Francisco Sarmento era visto pelos seus pares:
“Convidou toda a Nobreza de hum e outro sexo da villa de Vianna para assistir no dia 13 de Junho a hum divertimento nas casas da sua habitação em que o gosto, a delicadeza, a pompa, e a boa ordem se disputassem a preferência. (…)
(…) Seguiu-se a dança, huma Oração (…) Gratulatoria, que recitou o Ilustrissimo Francisco Pereira Peixoto Ferraz Sarmento, Cavalleiro da Ordem de Christo, coronel de Milicias Reformado, e Commandante da 3º Brigada de Ordenanças desta Provincia, a qual mereceo os maiores aplausos não só pela elegência de estilo; mas também por lisonjear os desejos, as esperanças dos Portugueses, augurando-lhes a suspirada ventura de verem restituido a este Reino o melhor e o mais amável de todos os Principes.”
Durante o tempo em que Francisco Sarmento governou Ponte de Lima escreveu um livro a que deu o nome de “História Porca, ou breve resumo das asneiras, e disparates, praticados no meu governo de Ponte de Lima desde 17 de Março até 7 de Abril do presente anno de 1809”, obra foi integralmente publicada pelo seu bisneto Francisco Malheiro Pereira Peixoto.
Em 1974, esta obra surge na bibliografia de Belisário Maria Bustorf da Silva Pinto Pimenta, militar de profissão, inicidada pelo próprio e concluída pela filha no número 579 – Janeiro: 21-22 – Para a história das Invasões Francesas. Manuscrito inédito da autoria do Coronel de Milícias Francisco Pereira Peixoto Ferraz Sarmento; Governador Militar em Ponte de Lima em 1809 – Anotações e publicação do Coronel Alberto de Sousa Machado – 1. Vol. De 95, pág.ª do Rev.º Militar, publicada nas pág.ª 163/164 do fasc.º 2/3 (Fevereiro – Março) do vol. n.º 115 (1961).
Francisco Sarmento utiliza um tipo de escrita quotidiano com um tom confessional, parecendo mais um diário onde vai descrevendo o que sente em relação à situação que estava a viver. Por outro lado, a escrita que utiliza é informal, uma característica que parecia fazer parte da sua personalidade. Apesar disto esta obra é sem dúvida um documento fundamental para uma análise histórica mais aprofundada em relação à forma como aconteceram as Invasões Francesas nesta zona e até que ponto perturbaram a vida dos habitantes desta região.
Começa a obra dizendo:
“Comecei a governar Ponte de Lima com susto, e receio: affectando o contrario. Porque nada com dous Regimentos de Milicias, que tinha, e tive, por algum tempo, ás minhas Ordens, fiz por conservar authoridade, e respeito, mais por trêtas que á força de Armas. Athe 19 de Março pude palliar: nesse dia, entre temíveis, e horrosos motins, espirei. Bem á maneira d'hum Corpo humano, que atacádo de hua terrivel gangrena, rapida, e inseparádamente se desfaz, e acaba, por hua putrida dissolução.
Daquelle dia em diante, Sapateiros, Alfaiates, Officiais de Ordenanças, Clerigos, Frades, todos mandavão, todos davão ordens: deixando-me sómente, illezo o direito de escrever, e sanccionar tudo o que elles querião: trabalho este, a que por necessidade, e com gosto me entregava por ter ocasião de lhes fallar amiudadas vezes, e moderar os mais furiosos a fim de evitar casos funéstos, como evitei.
Não tardarão a haver Authoridades constituídas por si mesmas, que mandavão a mim.
Finalmente, hum negocio tão serio se tornou, em extremo, ridiculo: esse o motivo por que escrevi esta Historia, ou resumo, num estilo menos grave.”(3)
Como podemos ver através deste excerto da obra, Ponte de Lima estava em alvoroço com a chegada do exército de Soult - o general marchal francês que guiou as suas tropas, durante a revolução francesa; roubou 1,5 milhões de francos em obras de arte, levando a que um historiador o chamasse de “saqueador de classe mundial”-, em 1809, a Salamonde, freguesia do concelho de Vieira do Minho, distrito de Braga.
A dada altura Francisco Sarmento descreve na sua obra uma manifestação em que participou:
“Não hezitei no partido, que devia tomár. Ficando, ou occultando-me, a minha perdição era certa, indo com o barulho, podia escapar deste primeiro assalto: e em taes termos, fiz tocar logo a rebate, em todas as Igrejas; armar as gentes, apromptar archotes, e recuzei ir a cavalo, como alguns me aconcelhavão: marchei no meio das mais temíveis, fallando, e animando a todos segundo a próza me ajudava. Nesta bambuchata, e outras fadigas, passei até pela manham.”(4)
Ao longo da obra vai fazendo algumas críticas ao governo das armas como podemos ver através deste excerto:
“Tornára saber em que livros achou o governo da Armas, ser útil entregar a Povos rústicos, a direcção de hum ataque? Valha-me Deus! Não sei, para onde me volte. (…) Sei sim, que hum tal procedimento deu lugar a que alguns mal intencionados dissessem, que, no Governo da Província figuravão indivíduos, que, por este medo, querião atear mais o incêndio para nos abrazar de todo. Ao ouvir tal blasfémia contra os meus superiores, enchi-me de colera, fui a oppôr-me, balbuciei, e não proferi palavras. A falar com sinceridade; não foi a colera quem me tolheu a articulação; foi o não saber, o que havia de dizer. Finalmente, conféço, que a unica a razão, que encontro, para achar tudo bom, há aquella = de que mais sabe o Dezembargador, que o Corregedor; o corregedor, que o Juiz de Fora.”(5)”
Quando faltava material para as armas:
“Como, realmente, passavão de poucos cartuchos, que elles tinhão, e eu sabia, que num Armazem de Artilharia existião alguns Barris de Pólvora, (Inda que isto não estava a meu cargo), sem examinár, se tinha, ou não authoridade, no conflicto, fiz hum officio ao Almoxarife para me apromptar logo, hum Barril, e, depois, toda a mais, que se precizásse. Mandei tão bem comprár chumbo e, em poucas horas, por curiózos, forão feitas 18600 ballas, que immediatamente, entrárão em outros tantos cartuchos. Distribui-os, recebendo muitos aplauzos, pela minha didligencia e liberdade.”(6)
Francisco vai também demonstrando ao longo da obra o seu poder e astucidade:
“Erão dous aquelles, de quem desconfiava, sobretudo de hum, que antes da invazão, principiou a sublevar a sua Companhia contra mim. Derão hua conta, fui ouvido, mostrei a minha razão, e depois, elles forão mandados castigar; o que não veio a ter efeito, por eu assim o querer. Neste entretando, sempre procurei mostrár, que me queixáva só do comandante, e tratei bem os Póvos, o que muito me veio a servir. Aquele infáme nem mão sabe ter, por tollo. Tenho na minha mão todos os originaes documentos da dita accuzação.”(7)
Para mostrar a situação de Ponte de Lima na altura apresentamos o seguinte excerto:
“Hum dos meus principaes objectos era concervár aquelles milhares de indomitos fóra do vício do saque, dos insultos, e dos assassinios. De tal modo os contive, que deliberando-se, com tudo, a hirem, hum dia, a Calheiros, e Faldejaens, onde roubárão alfaias, mantimento e dinheiro; os occulttárão, muito, isto de mim, que só vim a saber passados quatro dias, e muito por acazo. Soube igualmente, que o Ajudante Souza Dias, e o pequeno, e Ruivo João de Freitas, concorrêrão para a obra, e que fôrão dos taes 40 vellerózos. (i)
(i)O tal Ajudante trouxe para si, entre outras coisas, que ignoro, hua magnífica espingarda, goarnecida de prata, que mostrou aos Amigos. Mandou arrombar alguns Armarios de D. Angela Jácome, e elle, e a toda a infame catérva comêrão o doce que havia, esgotárão os licôres, quebrávão vidros, roubarão roupas, e hua bolsa de prata com 7 peças, e huns miudos. Na Caza não havia homens: as senhoras se refugiárão para os Montes e alguas, com a préssa descalsas. Na Caza de Faldejaens, pertencente tão bem á de Calheiros, foi maior o estrago, por que, não tendo quem lhe désse chave algua, arrombárão tudo; e como achássem generos em grosso, e roupas de camas, roubárão, estragárão á sua vontade, e se forão, deixando a Caza expósta a todos.
Isto he verdade pura.”(8)
No seguinte excerto é-nos narrada a chegada das tropas francesas ao Porto:
“No dia quinta-feita sancta, /30/ pelas 3 horas da tarde, hum Emissário do Commandante das Ordenanças dos Arcos/que não deixei demorár na villa/me deu a notícia de que os Francezes, na vespera, tinhão entrado no Porto. Fiquei afflictissimo, e fóra de mim, vendo que se nos aproximava a ruína. Não tardou a fazer-se publica esta fatal cathastrofe, pelos muitos extraviados, e fugitivos, que começárão a passar. O terror foi geral, todos ficarão assombrados, mas no dia seguinte, promptos à peleja, sobretudo, quando virão chegar o general Botelho, com o seu desavergonhado, e indómito Exercito, composto de differentes corpos forte de 18300 homens.”(9)
Francisco Sarmento fala acerca da exaustão física que sentiu face a toda a situação que envolveu o cenário das Invasões Francesas:
“Como trabalho de Corpo e espírito era excessivo, com facilidade entrei a adoeçer, e por que isto me interessáva, para mover a compaixão; longe e tratar de mim, mais trabalháva, não me despia, mal dormia, fazia poucas vezes a barba de noute, e mal feita, para aparecer com má cára. Quasi todos os que entravão, me achavão encostado, ou deitado, de carapuça, e cheirando a agoa ardente: gemendo, mas despachando, e aviando tudo. Aos que se mostravão compadecidos da minha situação, eu dizia, que havia de teimár, até não mais poder; e que em tal estado, iria descançár, por alguns dias, a hua Aldeia perto, donde podésse voltar á primeira voz.”(10)
Já quase no final da obra é descrita a invasão de Ponte de Lima pelas tropas francesas:
“No mesmo dia de tarde, houve algum fogo, escaramuças na Portela de Cavaços, em Santo Amaro, e Ponte de Trovéla, o que fêz desaparecer rapidamente, toda a tropa da bicha, e, á noute, se começou o ataque da villa, tendo chegado Botelho pouco antes, com o seu exército muito diminuto; pois tendo-lhe reunido algua gente, apenas constou estar o Inimigo perto; as deserçoens forão aos bandos, de sorte, que em Acção se veio a achar com 600 homens, e nada mais. Deffendeu-se até ao dia seguinte; e só se retirou, depois que os Franceses colocarão hua Péça na Capéla das Pereiras, que domináva a Torre Velha, de modo todas as ballas erão aproveitadas, em nosso damno.”(11)
Perante esta situação das Invasões Francesas, Francisco Sarmento caracteriza Ponte de Lima e os limianos, dizendo:
“O que posso segurár aos meus Leitores, he, que Ponte do Lima, apezár de ser hua pequena villa, sem Collegios, sem Aulas e sem individuos que tenhão viajado; tem dentro de si, e nos seus contornos, muitos homens hábeis para várias coisas, e com hum Patriotismo, quasi semelhante aos Habitantes das grandes Cidades; como se vio antes do ataque; no ataque, e depois do ataque.”(12)
Francisco Sarmento refere-se à forma como se sentiu quando governou Ponte de Lima, nos seguintes termos:
“Devo confeçar, que fui muito feliz em estar, n'ua tal epoca, governador de Ponte do Lima. Alguns meus Amigos pensavão pelo contrário, chegando a dizer-mo e até a lembrarem-me meios indiscretos de me separár do governo. Dava-lhes respostas vagas, e indifferentes, e nada me irritava/o que em outro tempo/ao ouvir taes destemperos; pois a experiencia me tem mostrádo, que não tem cura o habito quazi geral, que passou a hua especie de mania, de sentenciar e decidir tudo, sem ouvir as partes interessádas e ás vezes, só por apparências.”(13)
É também referido o sentimento em relação aos franceses:
“Nas Províncias não se faziam discursos, todos comentárão, e muitos com lágrimas a ausencia de S. A. e mais Família Real, e nunca olhárão para hum Francêz sem raiva; e rancôr; e grandes desejos de o fazer em pedaços.
Tornando à capital: logo que os Francezes começárão a roubar por todos os modos, e manhas; e a deixar-se-lhe perceber os seus intentos para com a Família Real, voltarão-se as vózes a bem dizer o Príncipe, pela sua sabia deliberação.
(…) A raiva, e natural rancôr de maior parte de Nação, para com os Francezes; o insulto de imprevista, e inesperada invasão; os horrôres, que se praticarão nas marchas, sendo recebidos, como Amigos, por ordem de S. A.; a conduta de Junot, e dos seus Satellites, logo desde o principio do seu governo; o Decreto datádo em Milão, pelo qual Buonaparte trata a todos por escravos; a terrivel execução de formidável; o celebre, suposto perdão; que mais opprimia e offendia; e violência com que arrancou, deste reino, hua deputação, e hum exército, a falta de sustento em que se achavão innumeráveis pessoas, em poucos mezes; os receios de um funestíssimo futuro; a estranheza que causava a anunciada mudança de leis e de costumes, sem ninguém pedir, nem querer, nem ser ouvido; o ódio universal a Napoleão, o ladrão maior que tem pizado a terra, origem de tantos malles; e sobre tudo a grande ancia de ver restituído o Principe ao seu antigo Trono; todas estas, mais que sobejas, queixas agitavão os animos Portuguezes, suspirando pelo momento de poderem desenvolver os seus sentimentos.”(14)
Francisco menciona também as traições cometidas pelos seus compatriotas:
“Não tardou o Inimigo a aproximar-se das nossas Fronteiras, nem o governo a dár as providências para o repellir, mas ellas se frustavão; por que o povo dizia que os maos sucessos de Hespanha provinhão de entregas, e traiçoens, e que cá havia de acontecer o mesmo; murmurava de todos os chefes, inda antes de os vêr praticar, de sorte que ninguém podia fazer o que entender, receando os assassínios, cujos não fizérão demóra, e atrás de hum imensos, especialmente, quando se espalhou que os Francezes tinhão tocádo no nosso território, ou por fallar mais certo, começárão então.”(15)
Continuando, Francisco Sarmento menciona aqueles que por mais honrados que fossem atraiçoaram:
“Na chegada dos Francezes a Salamonde, cresceu o furor dos Póvos, mas pouco fizérão, até que elles deliberárão accometer Braga: então porem se dezenfreárão, como quem queria perder tempo. Forão infinitas as cazas suspeitozas a que passárão a dár buscas, e que roubárão. Não houve hua só Brigada de Ordenanças, que não viésse a ser comandada, pelo immediato, ou por outro; Muito à pressa; por serem reputados traidores, e atacádos, todos os comandantes. Não houve hum só Chefe, hum só Proprietário, inde o mais sizudo, e honrado, que deixásse de ser accuzado de inconfidente; e para todos tinhão provas certas, que dár, e que provas!”(16)
Finalizamos assim este texto com uma perspectiva mais próxima de quem foi Francisco Pereira Peixoto Ferraz Sarmento e qual o seu papel perante esta calamidade que foram as Invasões Francesas. Além disso pudemos, também, ficar a conhecer qual o seu impacto e como a população se comportou perante tanta atrocidade.
Notas
(1) Requerimento de Francisco Pereira Peixoto Ferraz Sarmento, solicitando aviso à Mesa da Consciência e Ordens para poder usufruir da mercê do hábito da Ordem de Cristo – Arquivo Nacional da Torre do Tombo – DigitArq (arquivos.pt);
(2) Carta de Francisco Pereira Peixoto Ferraz Sarmento – Arquivo Distrital de Braga – Archeevo (uminho.pt);
(3) FERRAZ SARMENTO, F. P. P. - História Porca, “Ao leitor”;
(4) Ibidem (Ibid.), p. 3
(5) Ibid., p. 24;
(6) Ibid., p. 26;
(7) Ibid., p. 27;
(8) Ibid., p.29;
(9) Ibid., pp. 42, 43;
(10) Ibid., p.58;
(11) Ibid., p. 68;
(12) Ibid., pp. 74 e 75;
(13) Ibid., pp. 82 e 85;
(14) Ibid., pp. 88 a 91;
(15) Ibid., pp 95, 96;
(16) Ibid., p. 91.
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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