Adelina Maria Barros de Sá Lima

 

Adelina Maria Barros de Sá Lima


A Nocas, paraquedista limiana



Mário Leitão



Há famílias limianas que deixaram marcas profundas no tecido social do concelho, as quais se vão perpetuando ao longo de muitas gerações. Por razões demográficas, laborais ou intelectuais, muitas delas impuseram-se no quotidiano do século passado e algumas dessas dinastias ainda hoje se afirmam na história local. São exemplos disso os Caçadores, os Sarameleiros, os Marinhos, as Cunhas, as Feijós, os Hortas, os Sarranhas, os Morais, os Sonos, os Platas, os Corinheiras, os Pintos, os Côtas, os Lobatos,  os Sacas,  os Pimentas, os Taretas, os Gaios, os Vieiras, os Serenos e muitas outras famílias, que espero poder abordar em crónicas futuras. Hoje quero falar-vos de uma filha ilustre do clã dos Encanadas, essa instituição familiar criada por Rosa de Sá Encanada na primeira metade do século passado, que deu origem a um dos baluartes da gastronomia limiana.

Adelina Maria Barros de Sá Lima – a Nocas – nasceu no dia 24 de Novembro de 1943, filha de António Emílio de Sá Lima  e de Maria Adelina Penha Rocha Barros (1), e fez  o curso liceal no Colégio D. Maria Pia. Era uma rapariga alegre e extrovertida, líder do seu grupo de amigas e que nunca mostrava tristeza. No dizer das suas antigas colegas do Colégio D. Maria Pia, nem as rigorosas freirinhas lhe metiam medo! Era brincalhona por natureza e contava as anedotas com um estilo muito pessoal, que fazia juntar as amigas à sua roda. Onde estivesse a Adelina, reinava a boa disposição e a alegria.

Quando completou os 18 anos, já possuidora do curso de secretariado, emancipou-se e foi levada pelo Dr. Francisco Abreu Lima para o Ministério das Corporações, no Terreiro do Paço. Nesse tempo já namorava com o Júlio de Lemos, cuja morte prematura na Guiné, no dia 2 de Agosto de 1965, causou profunda comoção na comunidade limiana (2). Eu tinha 16 anos, e ainda recordo a emoção que a sua morte me causou, ele que foi um dos velhinhos que me baptizou na pia do Externato Cardeal Saraiva, quando lá ingressei para fazer a 4.ª classe e a admissão aos liceus.

A morte de Júlio de Lemos foi uma devastação para a jovem Nocas, que só arranjou forças para se erguer das cinzas do seu luto quando em 1966 foi viver para Luanda, onde o seu irmão Abílio trabalhava com o tio Adelino Vieira de Barros, despachante oficial. Tinha 23 anos e o calor de África ajudou-a a encontrar a alegria de viver que a caracterizava. A sua personalidade e o seu carácter, moldados numa vontade forte orientada para o triunfo, levaram-na a encontrar de novo a felicidade. Um dos factores determinantes foi o curso de paraquedismo que frequentou com o Capitão Rocha Vieira  e o jovem sargento comando Hélder Diniz de Almeida Neves, que viria a ser seu namorado e com quem constituiu família (3).

A sua formação de paraquedismo iniciou-se em 15 de Outubro de 1966, no Aero-Clube de Luanda, naquele que foi o segundo curso de paraquedismo civil para senhoras jamais realizado em território nacional. O seu diploma foi-lhe entregue pelo Governador-Geral de Angola, General Rebocho Vaz, no dia 22 de Janeiro de 1967. Esse acontecimento teve grande repercussão na vila e, para um jovem de 18 anos como eu, revestiu-se de excepcional admiração, tendo transformado a Nocas na grande heroína da minha juventude.

Profissionalmente, deu um grande salto qualitativo quando foi convidada para secretária da administração da fábrica da Cerveja CUCA, onde permaneceu até à revolução de 1974.

Regressada à Metrópole, ingressou nos serviços administrativos da Rádio Renascença, onde permaneceu muitos anos. A sua ligação à família e à terra natal trouxe-a várias vezes a Ponte de Lima. Numa dessas viagens, em 1982, veio propositadamente matar saudades das suas grandes amigas e companheiras de infância e juventude, encontrando-se com a Rosa Maria Lemos e a Luísa Brito. Noutra ocasião, na década de 90, participou no memorável jantar de confraternização dos antigos alunos do Externato Cardeal Saraiva e do Colégio D. Maria Pia, que reuniu no Restaurante S. Nicolau cerca de 420 convivas.

Adelina Maria deixou-nos no dia 16 de Junho de 2002 e está sepultada em jazigo da família, no Cemitério Municipal de Ponte de Lima. Aqui fica este breve registo da sua vida, que motivará certamente saudosas recordações nos limianos que a conheceram e admiraram.

Para mim foi uma honra recordar e aceder a imensas fotos da vida cheia de aventuras e emoções desta grande mulher limiana, que tive o privilégio de conhecer pessoalmente.

 

A geração da Nocas

 As novas gerações (adolescentes e jovens deste admirável mundo novo dos telemóveis, da Internet e dos computadores) não imaginam o que foi a experiência de vida dos seus pais e avós na magia dos anos 50 e 60 do século passado. Apesar da nostalgia me invadir, não é possível abordar agora esses tempos maravilhosos da minha infância e juventude, que me trazem à memória algumas das amigas e colegas da Nocas e alguns dos rapazes que com ela conviveram nos anos dourados do Externato Cardeal Saraiva e do Colégio D. Maria Pia. Por isso, apenas vou referir alguns deles, consoante a memória me permite, esquivando-me à emoção de contar muitas das histórias por eles vividas nesses tempos fantásticos, em que as pessoas da Vila se conheciam umas às outras. Eis algumas das colegas e amigos  da infância e da juventude da Adelina Maria:

Rosa Maria Sá Lima Lemos (sua prima, filha de Manuel Gaio e de Emília Encanada, do Restaurante GAIO, irmã do célebre Mando Gaio, jogador da Académica, do Beira-Mar e do Boavista, casada com José Martins Costa Lima, que foi chefe do C. de Saúde de Ponte de Lima);

Luísa Brito (casada com Reinaldo Varela, jornalista da TV Globo);

Fátima Melo e Adelaide Melo (irmãs do Nanau, da casa das velas e da cera, da Rua Vasco da Gama);

Idalina Brito (a Belga, professora e poetisa, sobrinha de Manuel de Sá Costa Brito, armazenista de bacalhau e outros víveres);

Gabriela Carneiro (que casou com o Dr. Jorge Manso Gigante, delegado de saúde e ex-governador civil de Viana);

Silvina Miranda de Sá (que veio a casar com Querubim Paínhas);

Raquel Costa Lima (irmã de José Costa Lima, esposa de Luís Morais);

Glória Guerra (a Mariínha, filha de Rogério Guerra, casada com Manuel Luís Pinto Morais);

Ilda Lima Novo e Alice Lima Novo (da padaria Lima Novo, do Largo de São João);

Júlio Vilar (da Pastelaria Vilar);

António Correia (o Juca, filho do Correia da Lapa);

Henrique Ramalho (filho único do Dr. Henrique Ramalho, médico-veterinário municipal);

João Carvalho (da Inspecção do Trabalho de Braga, filho do Prof. Carvalho);

Teresa Fiúza (irmã de José Álvaro Fiúza, filha do Fiúza da loja de tecidos do largo de Além-da-Ponte);

José Moreira Brandão (de Brandara, irmão do Rúben Brandão e eterno enamorado das meninas do Colégio);

Luís Ramiro Dantas de Amorim (Electrodomésticos Ramiro, do Largo de Camões);

Henrique Amorim (filho de Aleixo Barros, da Quinta da Baldrufa).

 

Notas:

(1) Proprietários e gerentes do RESTAURANTE ENCANADA. Adelina Maria era a mais velha dos seus seis filhos: Abílio Sá Lima, Maria Emília, Maria do Céu, Ana Maria e Belozinda.

(2) O Furriel Miliciano Júlio de Lemos Pereira Martins era filho de Francisco Pereira Martins (o célebre Xico Laipum, que tinha uma taverna na Rua Cardeal Saraiva, casado com Maria da Conceição Lemos, os quais tiveram 5 filhos: Maria de Fátima de Lemos Pereira Martins, Júlio, Maria Rosa, João e Maria Antonieta. É um dos 36 heróis limianos que tombaram na guerra colonial e o seu nome está gravado na placa de homenagem que o Município lhes dedicou, junto à muralha dos Paços do Marquês.

(3) Casaram no dia 9 de Setembro de 1967, na Igreja da Sagrada Família, em Luanda. O seu filho único, Miguel Jorge Barros de Sá Lima Almeida Neves (engenheiro electrónico e de telecomunicações, e também licenciado em Gestão) é casado com Diana Fernandes Gonzalez Rey (designer de joalharia).

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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