João Apolinário

 

João Apolinário


Poeta, Teatrólogo e Jornalista

 



Cláudio Lima



O nome de João Apolinário pouco ou nada dirá às gentes de Ponte de Lima de hoje. E no entanto este importante poeta, teatrólogo e jornalista, nascido em Belas (Sintra) a 18 de janeiro de 1924, está intimamente ligado a esta terra, tendo contraído matrimónio em 1949 com a nossa conterrânea Maria Fernanda Gonçalves Talline Carneiro, de Arcozelo, localidade onde o casal passou a viver durante cerca de 8 anos e onde viu nascer os seus dois filhos, João Ricardo e Maria Gabriela.

De seu nome completo João Apolinário Teixeira Pinto, oriundo de uma família tradicional e de desafogada situação económica, frequentou a escola primária em Trás-os-Montes, de onde eram originários os avós maternos, e alguns dos melhores estabelecimentos de ensino secundário da capital, bem como as universidades de Coimbra e Lisboa, tendo concluindo a licenciatura em direito com apenas 21 anos. Espírito inquieto e inconformado com os rumos da política nacional, profundamente repressiva e retrógrada, envereda pelo jornalismo de combate, demanda Paris como correspondente de uma agência espanhola; relaciona-se com grandes figuras da cultura e da arte: Sartre, Simone de Beauvoir, Marcel Marceau, Édith Piaf. Chega a frequentar a Sorbonne.

Dessa sua experiência parisiense, ainda sob as cinzas fumegantes da 2.ª grande guerra, mas já em clima de cívicas liberdades e efervescências ideológicas, com os mentores do existencialismo em franca ascensão, mais se agudizou nele o sentimento de inconformismo e rejeição perante o status quo da realidade portuguesa. No limite do insustentável, renuncia a uma vida relativamente estável e resolve partir para o Brasil, “numa noite tenebrosa de 1963”, decisão a que ele chama de “exílio voluntário”. (in “25 de Abril/ Portugal Revolução Modelo” - ed. Nórdica, Rio de Janeiro, 1974). Fixa-se na cidade de S. Paulo, entra para a redação do jornal Última Hora, onde se evidencia como cronista e crítico teatral.

Por via dessa revolução modelo, fenómeno político-social que concitou a atenção e a admiração de todo o mundo, o jornal envia-o a Lisboa, com a incumbência de observar e relatar os acontecimentos que precederam, ocorreram durante e posteriormente ao levantamento militar e à massiva adesão popular que lhe conferiu respaldo e legitimidade. Chega à capital portuguesa 11 anos depois de a ter deixado, mas agora com o coração em festa e ansioso por comungar o júbilo com velhos companheiros de luta e o povo anónimo. “Para redescobrir o país em vagas de alegria triunfante”, como escreve seu amigo e protegido Serafim Ferreira, em artigo publicado no jornal mensal a página da educação de junho de 2008. É esse sentimento eufórico, irreprimível, que as 10 crónicas e as longas 13 notas que as complementam exuberantemente registam.

“Tenhamos esperança que uma Nova Sociedade, mais justa, mais humana e mais livre, compense os portugueses dos anos sombrios de ditadura que viveram e que, ao lado dos povos africanos descolonizados, realizem esse espírito de expressão lusíada de uma comunidade à qual um dia o Brasil se juntará” –  assim remata a 10.ª e última reportagem.

Ao estudo e fomento das artes cénicas dedicou João Apolinário grande parte da sua atividade cultural, tanto em Portugal como no Brasil. No Porto, sob sugestão de Breda Simões e sob liderança de António Pedro, torna-se co-fundador do Teatro Experimental do Porto (TEP), no ano de 1950 e, com Alexandre Babo, do Grupo de Teatro Moderno, em 1960. Publica, entretanto, Esboço de Orientação ou o Início de uma Prática de Teatro, (em colaboração, 1960) e Arte de Dizer, (1963). Em S. Paulo, além da intensa atividade jornalística, torna-se presidente da Associação Paulista de Críticos de Artes.

Importa ressalvar, não obstante quanto fica dito, que a dimensão poética de João Apolinário sobreleva, em volume e relevância, todos os demais domínios em que se notabilizou. Com efeito, desde Morse de Sangue (Ed. de Autor, Porto, 1955) até Eco, Húmus, Homem, Lógico (1981), deparamos com uma lírica assumidamente interventiva, debatendo-se por causas humanistas e democráticas. Em O Poeta Descalço, (Coleção Poesia e Revolução / Ed. Fronteira, Amadora, 1978), onde recolhe, segundo o percurso criativo e o ritmo editorial, a maioria da sua obra até aquela data, num curto “Epigraminha” ele assim define a sua poesia:

«Minha poesia tão imediata

simples   directa   concisa

 

Carne que se faz ternura

só quando é precisa»

(pág. 60)

 

E logo na pág. 64, noutro “Epigraminha”, confessa:

 

«A poesia me basta

com ela dentro de mim

nem a vida se gasta

nem a alma tem fim»

 

Obviamente que se trata de uma poesia algo rotulada e datada. Mas, no caso de João Apolinário, isso em nada reduz o seu intrínseco e inquestionável valor. O circunspecto e competente Óscar Lopes assim o entende ao situá-la entre a poesia experimental e o realismo social. E Jorge de Sena, em sintonia, afirma que a sua poesia estabelece um vínculo entre o neorrealismo e o surrealismo. Tanto impacto provocou na nossa sociedade, que poemas seus, a par de alguns outros, sobretudo de José Carlos Ary dos Santos, musicados e interpretados por grandes figuras da composição e da canção, se tornaram bandeira percursora ou comemorativa do 25 de abril. Quem não se lembra de «É preciso avisar toda a gente» composto e interpretado por Luís Cília e pelo então Padre Fanhais?

João Apolinário viveu seus últimos anos na vila de Marvão, o Ninho da Águia, passando por internamentos no hospital de Portalegre. Faleceu a 22 de outubro de 1988 e seus restos mortais repousam no cemitério daquela vila alentejana.

Para mais e melhor conhecimento deste autor, veja-se o excelente e extenso trabalho que José Pereira Fernandes publicou no Anunciador das Feiras Novas/2018.

 

Bibliografia

1 – Morse de Sangue

Ed. de Autor, Porto, 1955

Livro de estreia do autor, com tiragem limitada a 500 exemplares, onde foi publicado pela primeira vez o poema de intervenção “É preciso avisar toda a gente”, musicado e cantado por Luís Cília, pelo então Padre Fanhais e por João Ricardo (filho de João Apolinário), compositor, cantor e fundador dos Secos & Molhados, grupo brasileiro de grande sucesso na música popular daquele país, de que Ney Matogrosso – um dos maiores cantores do Brasil – foi o primeiro vocalista.


2 – O Poeta Descalço

Coleção Poesia e Revolução / Ed. Fronteira, Amadora, 1978

Livro que reúne num só volume a obra poética de João Apolinário produzida até 1978, incluindo poemas inéditos escritos em São Paulo, entre 1963 e 1975, e que obedece a uma trajectória autobiográfica configurada na seguinte cronologia:

I - Adolescência (Os Anos 30 / 40): 16 anos;
II - Juventude (Os Anos 40 / 50): 26 anos;
III - O Homem (Os Anos 50 / 60): 36 anos;
IV - Exílio (Os Anos 60 / 70): 46 anos;
V - Maturidade (Os Anos 60 / 70): 51 anos.


 

Vídeos

É preciso avisar toda a gente
Poema musicado e cantado por Luís Cília


É preciso avisar toda a gente
Poema musicado e cantado por Francisco Fanhais


É preciso avisar toda a gente
Poema musicado e cantado por João Ricardo


É preciso avisar toda a gente – Apresentação de António Macedo no programa “Os Dias Cantados”, da Antena 1 – para ouvir clique  AQUI

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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