José Lopes Martins

 

José Lopes Martins


Símbolo da indústria, do comércio e da renovação das instituições limianas

 



Maria Francisca Silva Martins



A 28 de Fevereiro de 1910 nasceu José Lopes Martins, filho de Domingas Silva Lopes, natural da freguesia da Correlhã, e de Manuel Gonçalves Martins, da freguesia de Arcozelo, sendo este escrivão judicial. José Lopes Martins, vulgarmente conhecido como Zé Bonitinho ou Martins Chapeleiro, nasceu na freguesia da Ribeira, lugar de Crasto. Foi fruto de uma relação secundária, facto que não o impediu de ascender socialmente. Além disso nunca ocultou e até procurou ajudar sempre os seus irmãos (meios-irmãos) e sobrinhos.

Na sua infância fez parte dos turcos de Crasto, um “simulacro de combate”(1) cuja representação acontecia no segundo fim-de-semana de Agosto, na Festa do Senhor da Cruz de Pedra. Nesta representação, os turcos expressam-se num castelhano macarrónico. Este castelhano mistura-se com o português. No fim os turcos são derrotados pelos lusitanos e a conversão é assumida pelos infiéis – os turcos, terminando o confronto a comunicar em português.

Casou aos 31 anos com Justina Morgado de Morais, no dia 8 de Maio de 1941, sendo esta natural da vila de Ponte de Lima, filha de António Pereira Malheiro de Morais e de Rosa de Jesus Morgado, ambos nascidos na freguesia de Arcozelo, sendo ele filho do Reverendo Padre António Malheiro Pereira da Cunha Sottomayor(2) e de Maria das Dores de Morais, costureira, e ela filha do Regedor Manuel Custódio Martins de Morgado e de Luísa Maria de Jesus, ocupada do governo de sua casa.

Os pais de Justina Morgado de Morais eram os proprietários do antigo Hotel Morais, a primeira casa a ter canalização interna em Ponte de Lima devido ao facto de serem proprietários de um campo na atual Av. António Feijó, que tinha um poço de água que abastecia o Hotel.

Alguns dos traços da sua maneira de ser, como o espírito de liderança, levaram a que José Lopes Martins cedo se estabelecesse, mais concretamente a 10 de Dezembro de 1929, no seu prédio antigo na Rua Inácio Perestrelo (onde agora se encontra o BPI), tendo a idade de 19 anos, com o ofício de chapeleiro, nascendo aqui a alcunha de Martins Chapeleiro.

Neste mesmo prédio situavam-se os Armazéns Limienses, um local onde podíamos encontrar todo o tipo de roupa, sapatos, tecidos, roupa de cama, miudezas, chapéus, guarda-chuvas, guarda-sóis, sombrinhas e muitas outras coisas. Posteriormente, os Armazéns Limienses passaram para o prédio em frente, sendo o anterior demolido. Nesse local foi construído um outro prédio, também propriedade de José Lopes Martins, cujo projeto arquitetónico é da autoria da famosa dupla Vinagre e Côrte-Real, sendo um dos primeiros prédios com assinatura de arquiteto no centro histórico. Assim sendo, José Lopes Martins, detentor destes e outros prédios, revolucionou um pouco a paisagem do centro histórico de Ponte de Lima.

Além dos Armazéns Limienses fundou uma fábrica de guarda-chuvas, guarda-sóis e sombrinhas, situando-se inicialmente na Rua do Souto, onde atualmente se encontra o Agra Oculista. Nesse mesmo edifício funcionou também uma funerária, propriedade de José Lopes Martins. Esta fábrica foi posteriormente transferida para a Rua Formosa, onde agora se encontra o Xusso Bar e a Hamburgaria da Vila. No Xusso Bar está exposta uma pequena amostra do recheio da antiga fábrica.

Participou juntamente com outros sócios na indústria da serração, onde atualmente se situam os armazéns de ferro – Ferrolimiana – em Além da Ponte.

A agricultura e o vinho ocuparam também um lugar de destaque na sua vida profissional, sendo detentor de três quintas onde se produziam entre outras coisas maçãs, peras e uvas que posteriormente eram entregues na Adega Cooperativa de Ponte de Lima. Nas vindimas juntavam-se lá os jornaleiros, caseiros e funcionários da loja e da fábrica. Fazia-se o tradicional lanche com presunto, broa, cerveja/vinho e, à medida que iam cortando os cachos das uvas, cantavam.

Nas quintas chegaram também a produzir leite, sendo detentor de dezenas de cabeças de gado, entre raças portuguesas e estrangeiras. Essas cabeças de gado eram alojadas numa vacaria (na Quinta da Fernandeira, Arcozelo) cuja ideia foi dada pelo seu filho António José Morais Martins, que foi desde sempre o seu braço-direito em todos os negócios, tendo sido projetada pelo seu sobrinho Avelino Pereira de Barros (Pensão de S. João). Esse leite aqui produzido era recolhido pela Agros todas as manhãs.

Por falar em vinho não podemos deixar de salientar a sua longa participação na Adega Cooperativa de Ponte de Lima, da qual foi diretor durante algumas décadas. Entre os principais acontecimentos enquanto diretor está a construção e inauguração do segundo edifício da Adega.

Devemos ainda destacar a sua participação na direção de outras instituições, nomeadamente da Associação dos Comerciantes e da Associação de Socorros Mútuos.

Foi correspondente de alguns bancos, nomeadamente da Caixa de Crédito Agrícola e do Banco Borges & Irmão, entre outros, que depois se viria a instalar numa das suas lojas da Rua Inácio Perestrelo, como já mencionámos.

Destacou-se ainda na política, participando ativamente na candidatura à Presidência da República do General José Maria Mendes Ribeiro Norton de Matos, em 1949, e do General Humberto da Silva Delgado, em 1958, tendo sido o escolhido para fiscalizar as urnas de voto deste último. Manifestou publicamente o seu descontentamento em relação ao regime de então e apoiou sempre a causa socialista, tendo feito parte do MDP/CDE – Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral, organização política que se destacou pela oposição ao regime político anterior ao 25 de Abril.

No ano de 1963, participou no filme realizado por Reinaldo Varela, um grande amigo seu, acerca de Ponte de Lima e seus costumes, mostrando a população nos seus afazeres tanto domésticos (as lavadeiras no rio) quanto profissionais e agrícolas ou religiosos (os sinos e as orações). José Lopes Martins surge num contexto bucólico (Monte de N. Sra. da Madalena), representando a inovação e a intelectualidade.

Abordemos, finalmente, a sua intervenção social na Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima, onde ocupou o cargo de Presidente da Comissão Administrativa/Provedor, como podemos ver pelo excerto da ata de 9 de Janeiro de 1976:

“Aos nove dias do mês de Janeiro do ano de 1976, nesta vila de Ponte de Lima e Consistório da Santa Casa da Misericórdia e logo após a tomada de posse da Comissão Administrativa (cerca das doze horas) compareceram os excelentíssimos Senhores José Lopes Martins, Dr. Manuel Joaquim Alves de Araújo e António Sampaio de Morais os quais constituem a supra citada Comissão Administrativa desta Instituição, nomeada por despacho de sete de Janeiro do ano em curso de Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social, a fim de realizarem esta primeira sessão destinada a designar os membros da mesma comissão para os cargos de Presidente, Secretário e Tesoureiro.

Assumiu a Presidência o Senhor José Lopes Martins (o membro mais velho) realizando-se de imediato a eleição para a distribuição dos cargos, tendo sido escolhidos por escrutínio secreto a que se procedeu para Presidente o Senhor José Lopes Martins, com quatro votos, para Secretário o Senhor Dr. Manuel Joaquim Alves de Araújo, também com quatro votos, e para Tesoureiro o Senhor António Sampaio de Morais, ainda com quatro votos. Aos dois restantes membros cabe-lhes o cargo de vogais (...) ”(3).

Ao longo do mandato de José Lopes Martins foram implementadas algumas medidas relativas à admissão e despedimento de pessoal, aquisição de novas máquinas – por exemplo, a primeira fotocopiadora, com a finalidade de poupar trabalho –, aos pagamentos à e da Santa Casa da Misericórdia, aos horários e custos das visitas do Hospital, a questões religiosas, ao aluguer e venda de bens desta instituição, ao funcionamento do Jardim de Infância.

Transcrevemos igualmente alguns excertos das atas do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia, relativamente a alguns destes assuntos:

 

Ata da Sessão Ordinária do dia quinze de Janeiro de 1976

“(…) conceder poderes ao excelentíssimo Presidente da Comissão Administrativa desta Instituição, Senhor José Lopes Martins, casado, comerciante, morador na Rua Inácio Perestrelo, desta vila de Ponte de Lima, para assinar as escrituras de venda dos seguintes prédios cuja venda foi superiormente autorizada por despacho da Direção Geral da Assistência Social de doze de Novembro de 1975, conforme ofício número 1101, datado de vinte e quatro de Novembro de 1975 e emanado daquela Direção Geral em arquivo na Secretaria desta instituição, prédios esses a seguir discriminados por compradores: a José António Barbosa (…) e a António Pereira de Melo (…) ”(4).

Na seguinte ata a Comissão Administrativa toma conhecimento da nacionalização do Hospital:

 

Ata da Sessão Ordinária do dia vinte e seis de Fevereiro de 1976

“Chegou ao conhecimento da Comissão Administrativa o conteúdo do Decreto-Lei número 618/75 de onze de Novembro, segundo o qual o Hospital da Misericórdia é oficializado (nacionalizado) ”(5)

No seguinte excerto a Comissão Administrativa toma conhecimento de que havia algumas crianças que estavam ao cuidado das Freiras do Colégio D. Maria Pia e que não frequentavam a praia há uns anos:

 

Sessão Ordinária do dia vinte e nove de Junho de 1976

“Tendo chegado ao conhecimento da Comissão Administrativa desta Instituição que as crianças desprotegidas do Colégio D. Maria Pia não têm podido frequentar a praia de há uns anos a esta parte, por carências materiais, esta Comissão delibera conceder um subsídio de dez mil escudos para financiar a ida do maior número possível de crianças na época corrente.”(6)

Finalmente, na última ata do mandato de José Lopes Martins é mencionado o funcionamento do Jardim de Infância:

 

Ata da não constituição da Comissão Administrativa para a sessão do dia dez de Agosto de 1976

“A Comissão chamou a si a manutenção de toda a actividade do Jardim de Infância, delibera oficiar à Excelentíssima Direção do Colégio D. Maria Pia no sentido de lhe solicitar a continuação da cedência das instalações onde o Jardim de Infância vem funcionando, mediante condições que oportunamente serão negociadas. Esta cedência verificar-se-ia até à criação de um edifício novo a construir em propriedade da Oficina de S. José.”

 

A sua esclarecida acção como Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima é ainda reconhecida pela sua louvável iniciativa de chamar médicos oncologistas da cidade do Porto para introduzir tratamentos cirúrgicos e de radioterapia contra o cancro no Hospital da vila.

Como pudemos ver ao longo desta breve abordagem, José Lopes Martins teve uma vida muito preenchida, afirmando-se por uma permanente atitude de integridade, culto do trabalho, empenho pessoal, respeito pela palavra dada, finura do trato e exaltação da família.

Faleceu no dia 19 de Março de 1996, com 86 anos de idade, no Hospital Santos Silva, em Gaia, acompanhado pela mulher e filhos, acenando-lhes antes de entrar para a sala de operações. A operação de substituição de válvula cardíaca acabou por não se concretizar, pois faleceu mal entrou na sala.

 

Notas

(1) RODRIGUES DE MORAES, A. – A “Guerra” entre Turcos e Cristãos. Ed. manuscrita: Ponte de Lima;

(2) MARTINS, Maria Francisca – “Uma Breve Abordagem à “Casa-Chefe” dos Araújo Cerveira”; “A Linhagem dos Primeiros Senhores do Prazo e Quinta da Pena na Minha Ascendência Paterna”. In: Raízes & Memórias. Lisboa: ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GENEALOGIA, 2014, nº. 31, pp. 131-148;

(3) Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima;

(4) Idem (Id.);

(5) Id.;

(6) Id..

 

Para ver o filme sobre Ponte de Lima realizado em 1963 por Reinaldo Varela, para a RTP, no qual participa José Lopes Martins, clique AQUI

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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