João de Sá Coutinho

 

João de Sá Coutinho


Embaixador Dr. João de Sá Coutinho Rebelo Sotto Maior – Conde d’Aurora – para os amigos simplesmente João Aurora

 



Francisco de Abreu de Lima



Voz amiga anunciou-me: morreu o João Aurora. Não fiquei surpreendido. Fiquei, sim, entristecido.

Sabia que tinha tido um acidente na visita ao Paço da Glória, que estava internado numa unidade hospitalar, que o seu estado de saúde inspirava sérios cuidados e que era de esperar um desfecho triste.

Recordo, com saudade, os tempos em que – ainda muito miúdos – brincávamos, em grandes correrias, na mata da Casa de Nossa Senhora d’Aurora. Éramos muitos, mas os Auroras eram muitos mais!

A fase escolar separou-nos um pouco. O João Aurora ia para o Porto – onde os seus Pais tinham casa – e eu fui para Coimbra.

Nas férias os encontros eram menos frequentes que em anos anteriores, pois – naquele tempo – o bairrismo de Além da Ponte não se enquadrava muito bem com a Vila! Quero dizer: eu ficava mais com o meu novo grupo e frequentava menos os amigos de além-rio.

Os tempos da Universidade de Coimbra – que ambos frequentámos, embora em anos diferentes do Curso de Direito – não deram azo a um convívio frequente. Aliás, na Coimbra do meu tempo, o relacionamento fazia-se, sobretudo, no mesmo curso da faculdade, no mesmo café de convívio, na mesma zona de residência, ou na mesma “república”. Ora, o João Aurora e eu morávamos em pontos opostos daquela cidade.

Os nossos encontros e reforço de amizade passaram a ser então mais frequentes nas férias, mas sobretudo na realização da tão saudosa e prestigiada Verbena de Ponte de Lima. Era um baile – realizado em meados de Setembro – organizado por um grupo de estudantes limianos e a ele acorriam pessoas de todo o Alto Minho. Era uma iniciativa que dava muito trabalho a concretizar, mas que se compensava com o gratificante gesto de entrega da receita a uma instituição de beneficência local.

O João Aurora foi “forcado” numa célebre garraiada em Ponte de Lima e cujos participantes foram, mais uma vez, estudantes da terra. O João não foi, nessa garraiada, um “forcado” brilhante! Tal facto não o impediu de comigo ser figurante – sempre como “pegador” – noutro espectáculo taurino em Viana do Castelo. Também aí não alcançou – não alcançámos – a glória, nem um simples aplauso!

Ambos tomámos parte no Cortejo Histórico de Viana do Castelo na comemoração do centésimo aniversário da elevação de Viana do Castelo a cidade, pela Rainha D. Maria II. Foi um espectáculo memorável organizado pelo saudoso Manuel Couto Viana (Pai do Poeta) e no qual tomaram parte vários estudantes de Ponte de Lima, porque os de Viana do Castelo não responderam à chamada. O João Aurora foi – nesse cortejo – o Cardeal D. Henrique e recordo-me bem do seu porte, montado numa bem ajaezada jumenta a distribuir a bênção aos espectadores que o aplaudiam. Que magnífico cardeal!

Terminado o Curso de Direito, seguimos caminhos opostos. O João Aurora abraçou a carreira diplomática; eu quedei-me por Lisboa, mais ligado a uma carreira na área social da Administração Pública.

O João Aurora foi um diplomata de excelência. Teve um percurso profissional que se pode considerar de excepção. Foi Cônsul no Canadá e – salvo erro – no Brasil (Belo Horizonte). Exercia o cargo de Secretário na Embaixada de Portugal em Londres aquando do “25 de Abril”.

Sei que teve de enfrentar momentos muito difíceis para conter a multidão desorganizada que saudava, à porta da Embaixada, o Dr. Mário Soares, na altura Ministro dos Negócios Estrangeiros. Foi o primeiro embaixador na Guiné – que acumulou com a representação na Mauritânia. Daí passou para a Embaixada em Angola onde teve que suportar alguns agravos e sérias dificuldades com as autoridades locais. Passou daí para a Embaixada em Madrid, a que se seguiu a nossa representação na Santa Sé. Desempenhou ainda altas funções no Ministério dos Negócios Estrangeiros onde atingiu o alto cargo de Secretário-geral. Não parou por aqui a sua actividade: exerceu ainda o cargo de chanceler das Ordens Honoríficas Portuguesas. Pode, portanto, considerar-se de muito relevo a vida diplomática de João Aurora. Toda esta carreira justifica que merecesse a aposentação que o trouxe de regresso à origem: Ponte de Lima.

Esta nova situação possibilitou-nos nova fase de relacionamento, sobretudo nas “cortesias” – como dizia dos encontros depois da missa dominical.

Talvez porque o novo esquema de vida não o obrigasse a gestos de diplomacia ou porque a aposentação se traduzisse em menor paciência, a verdade é que, por vezes, manifestou uma certa irreverência no convívio, quando não mesmo um azedume nas apreciações e comentários. Os amigos – entre si – queixavam-se. Outros retorquiam com igual “vinagre”. A verdade é que ele reconsiderava e logo corrigia.

A morte da mulher – a Teresa – retirou-o, praticamente, do convívio – até então habitual – com amigos e conhecidos. Recebia os mais íntimos em sua casa, mas as suas aparições em público passaram a ser cada vez mais raras.

Não foi mais o mesmo João Aurora!

Para mim – com raros lapsos de tempo – foi sempre um bom e espirituoso amigo e por isso me deixou saudades.

A forte formação cristã do João Aurora levou-o – repetidas vezes – a tomar parte activa, por altura da Páscoa, na Procissão do Senhor aos Enfermos e Reclusos. A Conferência de S. Vicente de Paulo constituiu também outra actividade que desempenhou com o maior empenho.

Formou – comigo e com o Sr. Amândio de Sousa Vieira – a Comissão Promotora da Homenagem à rainha D. Teresa, da qual resultou o monumento que hoje tanto embeleza a nossa Vila.

Repicaram os sinos da Capela de S. João no dia em que nasceu o João Aurora. Os mesmos sinos voltaram a tocar, mas não para anunciar o nascimento de alguém.

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 29, de Outubro de 2012

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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