Mariana Júlia Vasconcelos

 
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Mariana Júlia Vasconcelos


Mariana Júlia Vasconcelos – Mariana Júlia da Silva Freitas Coelho de Menezes e Vasconcelos – nascida em 4 de Setembro de 1854, na Casa da Quinta do Cruzeiro, uma poetisa limiana pouco conhecida.

 



António Manuel Couto Viana



Mão amiga, a do meu conterrâneo Dr. Rui de Abreu e Lima, fez-me chegar ao conhecimento um volumezinho intitulado simplesmente Versos, incluindo vinte e sete sonetos (um deles, estranhamente repetido!), dois poemas em quintilhas e outros dois em quadras.

Contém cinquenta e seis páginas e dezassete fotografias, com paisagens e monumentos da Ribeira Lima. Em destaque, o retrato da autora, uma senhora de meia-idade, distinta, de linhas aristocráticas, envergando um luxuoso vestido dos fins do Século XIX, ou começos do seguinte, numa elegante pose.

Servindo de prefácio, esta meia-dúzia de linhas, assinadas por João Teixeira de Queiroz:

“Algumas pessoas bem amigas pretendiam cópia dos versos da minha querida mulherzinha. Resolvi imprimi-los para facilitar a tarefa. Como os amigos são em pequeno número, limitado é o número de exemplares desta edição que lhes consagro”.

Estão datadas de “Porto, Março de 1938.”

A raridade da obra foi editada no mesmo ano na portuense Litografia Nacional.

Em mais alguns comentários seus, no livro, o marido da poetisa continua a omitir-lhe o nome, referindo-a, apenas, como “a minha mulherzinha”. Assinalando, porém, no final (sob a fotografia de uma cadela, a “Fina”, companheira da autora, “de guarda aos versos produzidos pelo seu fulgurante espírito”) o dia do seu falecimento: 28 de Fevereiro de 1938.

Quem era João Teixeira de Queiroz? Quem era a sua mulher, a sua “mulherzinha”?

Por gentileza de um seu sobrinho, o Engenheiro José Teixeira de Queiroz, pude desvendar o mistério:

A poetisa chama-se Mariana Júlia da Silva Freitas de Menezes e Vasconcelos, fora viúva do Dr. Caetano Pereira do Couto Brandão, e casara, em segundas núpcias, com João Teixeira de Queiroz, irmão do ilustre pontelimês Dr. Francisco Teixeira de Queiroz.

Seus pais, segundo o seu registo de óbito, foram José Luís da Silva de Freitas e Vasconcelos, natural do Porto, e Maria José Coelho e Vasconcelos, natural da freguesia limiana de Arca.

A mãe de Mariana Júlia era prima direita de D. Francisca Rita Coelho de Castro Vasconcelos, senhora da Casa do Vale da Piedade, conhecida vulgarmente por Quinta do Cruzeiro, em São Mamede de Arca, que viria a ser sogra da poetisa.

O parentesco da proprietária do solar com a mãe de Mariana Júlia fez que esta nascesse, em 4 de Setembro de 1854, na Quinta do Cruzeiro, num quarto assinalado por João Teixeira de Queiroz, numa fotografia de Versos.

Após o segundo casamento, viveu na Quinta da Boa-Viagem, cerca de Viana do Castelo, onde compôs muitas poesias, de 1921 a 1928.

Mariana Júlia da Silva Freitas de Menezes e Vasconcelos é, pois, a autora de Versos, ignorada pela esmagadora maioria dos pontelimeses.

Qual o valor das suas composições?

Encontramo-nos perante uma personalidade sensível, inteligente e culta, possuidora de uma linguagem poética, naturalmente epocal, sem abusar, no entanto, do lugar-comum, capaz de algumas originalidades metafóricas e de temas singulares.

Logo no primeiro poema, As Criancinhas, escrito em Setembro de 1920, na vila limiana, surpreende-nos a frescura das quadras luminosas, onde a infância recebe metáforas de um doce bucolismo, confirmando a autora como poetisa autêntica:

 

“As criancinhas palreiras

A brincar pelas estradas,

Fazem lembrar chilreadas

De pardais nas laranjeiras.

 

Lembram as canções dos ninhos

Ao romper das madrugadas,

Lembram águas de levadas

A correr para os moinhos.

 

Lembram cabrinhas airosas

A saltar pelos valados,

Repiques de baptizados

Em sinos feitos de rosas.

 

Lembram a Páscoa n’aldeia

Com foguetes e bandeiras;

As desfolhadas nas eiras

Em noites de lua cheia.”

 

A forma é perfeita, o que não acontece em quase três dezenas de sonetos que se lhe seguem, onde os seus ouvidos (ou os seus dedos) não conseguiram distinguir os versos heróicos dos alexandrinos, dos de oito ou nove sílabas, para a construção clássica da difícil modalidade.

Um exemplo, entre muitos:

 

“Passam correndo, ligeiras, fugidias

Beijando as fragas escalvadas

Ao sabor das doces melodias

Dos rouxinóis à beira das levadas.”

 

O primeiro verso é de onze sílabas; o segundo, de oito; o terceiro, de nove; o quarto, de dez.

Faltou-lhe um Guido Batteli que lhe fizesse aprender técnica por um Tratado de Versificação, emendando-lhe os erros, como fez às primícias de Florbela Espanca.

A propósito, direi que a poesia de Mariana Júlia não apresenta qualquer veemência passional como a da cantora de “Soror Saudade”, salvo no amor à mãe, várias ocasiões manifestado, ocultando o amor àquele que tão ternamente a trata por “querida mulherzinha.”

Embora sem respeitar totalmente a igualdade da métrica, vale a pena citar o soneto Uma Luzinha ao Longe, para que se avalie a boa qualidade lírica da autora, na escolha do tema e no seu desenvolvimento e agradável e sábia iteração.

 

“Uma luzinha ao longe, a quem por noite escura

Vai pela estrada fora, sozinha, a caminhar,

Afaga o coração que a julga n’algum lar

Onde se reza o terço com fé e com ternura.

 

Uma luzinha ao longe pode ser d’agrura

Se a fantasia nos leva a imaginar

Misérias sem alívio, crianças a chorar,

Arcas sem bragal e mesas sem fartura.

 

Uma luzinha ao longe, coada por folhagens,

Tem p’ra nós mistérios, faz-nos ver imagens,

Vigílias dos Ascetas ou cela d’algum monge,

 

Que, na evocação ideal da mocidade,

Tivesse a ilusão da doce claridade

Que ele via então numa luzinha ao longe...”

 

Embora Mariana Júlia não respeite (repito) as regras clássicas do soneto, tal facto não lhe rouba espontaneidade, inspiração. Leva-nos, mesmo, a aceitar-lhe esta traição às leis talhadas por Guido Cavalcanti, genialmente seguidas por Petrarca. Leva-nos, mesmo, a aceitar-lhe os sonetos como poemas, como meros poemas de catorze versos, sem outra classificação. Porque a sua evidente condição de poetisa o justifica.

A autora escreveu, também, versos de circunstância, como aquelas três graciosas quadras, assinadas por “(M. J.)”, dedicadas à fidalga proprietária da Quinta do Prado, devolvendo-lhe um copo de cristal que esta lhe havia enviado cheio de mel:

 

“Uma senhora fidalga

Dona da Quinta do Prado

Mandou-me um belo presente

Que recebi com agrado.

 

Era um copo de mel puro

Feito de forma engenhosa

Que abelhinhas roubaram

Ao coração d’uma rosa.

 

Volta o copo de cristal

Ao castelo da Morgada

Cheio de palavras doces

A dizer… «Muito obrigada».”

 

Estas “bagatelas”, como lhes chamou Hipólito Raposo, a propósito dos versos de circunstância de Afonso Lopes Vieira, remetidos a amigos, servem para avaliar “a perfeição cristalina” do autor. O mesmo digo eu da “bagatela” da poetisa limiana.

Terminemos esta simples nota a respeito da riqueza da vocação de Mariana Júlia, reproduzindo uma das suas quintilhas, Chuviscos, de 1924, onde continua a vir à tona o dom de adaptar a sua linguagem à simplicidade ou à complexidade dos temas. Aqui, graciosa e delicada, como a chuvinha que observa da vidraça:

 

“Bate a chuva na vidraça

Bate, bate com tal graça

Com tanta graça e leveza,

Como pérolas caindo

Sobre um cristal de Veneza.

 

Sobe o fumo em rolinhos,

Sobe, sobe em novelinhos

Que se desfazem no ar.

Ardem urzes nas lareiras,

Sobe o fumo a branquejar.

 

Chora o vento na devesa,

Chora, chora com tristeza

Na ramagem dos pinheiros;

Vem cansadinho de longe,

Batido por aguaceiros.

 

E a chuvinha ao de leve

Fria, fria como a neve,

Vai batendo na vidraça;

Bata, bate de mansinho

Com leveza e tanta graça!

 

Bate com delicadeza

Como as contas de quem reza

E vai passando de manso.

É… sempre a mesma chuvinha

Tic… tic… sem descanso…”

 

Creio, por quanto se disse, e por quanto, ainda, ficou por dizer, que Mariana Júlia da Silva Freitas de Menezes e Vasconcelos merecia lugar entre as páginas de Figuras Limianas, onde se recolhem grandes personalidades da Ribeira Lima, como o cunhado, Dr. Francisco Teixeira de Queiroz, que, no seu trabalho António Feijó e os Poetas Contemporâneos da Ribeira-Lima (onde integra os primeiros versos da minha irmã Maria Manuela, escritos aos 13/14 anos de idade), esquece o estro da cunhada. A obra é de 1936. Mariana Júlia só morreria dois anos depois, com 83 anos de idade.

(28.4.2009)

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 13, de Junho de 2009

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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