Formada pelo Conservatório Nacional, Cecília Guimarães foi uma das mais destacadas actrizes portuguesas, que manteve fortes vínculos afectivos com o Alto Minho, especialmente com Ponte de Lima.
Cecília Guimarães – Cecília Rosa Monteiro Guimarães – nasceu em Lisboa, a 28 de Maio de 1927. Com vocação identificada desde tenra idade, quando, por volta dos cinco anos, começou a frequentar, aos domingos, as sessões de teatro infantil do Teatro Nacional D. Maria II, Cecília Guimarães viria a ingressar no Conservatório Nacional em 1944, depois de aprovada no respectivo exame de admissão por um júri que integrava a actriz Maria Matos.
Tendo concluído o Curso de Teatro em 25 de Julho de 1948, com a classificação de 15 valores, estreou-se em 1951, no Teatro da Rua da Fé, em A qualquer hora o diabo vem, de Pedro Bom, iniciando uma notável carreira na arte de representar, que se prolongou por cerca de 70 anos.
Ao longo da sua carreira colaborou com quinze companhias de teatro, com destaque para a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, o Teatro Experimental de Lisboa, o Teatro Experimental do Porto, o Teatro Experimental de Cascais, a Companhia de Teatro de Almada, o Teatro do Gerifalto, o Teatro d’Arte de Lisboa, o Teatro da Cornucópia, a Companhia de Teatro de Braga, a Companhia dos Artistas Unidos e a Companhia Repertório, tendo interpretado grandes dramaturgos como Shakespeare, Bertolt Brecht, Tennessee Williams, Edward Albee, Valle-Inclán, Anton Tchékhov, Romeu Correia, Eduardo De Filippo e Frederico Garcia Lorca.
A sua participação no filme O Primo Basílio (1959), de António Lopes Ribeiro, baseado no romance de Eça de Queiroz com o mesmo título, em que interpretou a odiosa figura de “Juliana” e de cujo elenco também fizeram parte Eunice Muñoz e João Villaret, constituiu um dos pontos mais altos da sua carreira, tendo obtido nesse ano o prémio do SNI – Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo para a Melhor Actriz, por essa interpretação.
Em 1970, a convite do Governo Português, Cecília Guimarães integrou a delegação do nosso país na Exposição Universal e Internacional de Osaka, no Japão, certame que teve por tema “Progresso e Harmonia para a Humanidade”, pondo em evidência a contribuição de cada povo para a realização daqueles objectivos.
Em 1990, foi-lhe atribuído o Prémio Garrett de interpretação feminina por ter sido considerada a melhor intérprete desse ano, pelo seu trabalho em Felicidade e Erva-Doce, de Peter Shaffer.
Em reconhecimento da sua longa e notável carreira profissional, Cecília Guimarães foi privilegiada com uma grandiosa exposição sobre a sua vida e obra, organizada no âmbito do 29.º Festival Internacional de Teatro de Almada, que decorreu em Almada de 4 a 18 de Julho de 2012. O Festival Internacional de Teatro de Almada, referência incontornável no panorama das artes cénicas e do teatro português e internacional, é fruto da cooperação entre a Câmara Municipal de Almada e a Companhia de Teatro de Almada fundada e dirigida pelo Encenador Joaquim Benite, que viria a falecer a 5 de Dezembro desse ano.
Em 15 de Abril de 2013, Cecília Guimarães foi igualmente homenageada pela SPA – Sociedade Portuguesa de Autores, numa cerimónia realizada no Auditório Maestro Frederico de Freitas, em que foi evocada e enaltecida a sua longa carreira profissional. O auditório apresentava-se repleto de amigos, admiradores e companheiros de palco e plateau, que aplaudiram as intervenções de Jorge Leitão Ramos, Fernanda Neves, Tiago Torres da Silva e do Presidente da SPA, José Jorge Letria, que entregou à Actriz uma placa comemorativa desta homenagem. No seu breve e lúcido discurso de agradecimento, Cecília Guimarães fez questão de assinalar que, pelos quatro cantos do mundo por onde passou, nunca deixou de sentir a responsabilidade da profissão, bem como o respeito pelos seus “compagnons de route” – os espectadores, os seus companheiros da arte e da técnica do espectáculo, a comunicação social, em especial os críticos de teatro, cinema e televisão, e ainda os autores, cujo contributo considerou indispensável para os milhares de anos de arte e cultura de que o mundo beneficiou.
Entre muitas outras peças de teatro que a marcaram, destaca-se a sua participação em:
– Duas Causas, de Ramada Curto (1953);
– Não, Clarim! Sim, Clarão, de António Manuel Couto Viana (1957);
– Antígona, de Jean Anouilh (1957);
– O Crime da Aldeia Velha, de Bernardo Santareno (1959);
– Oito Mulheres, de Robert Thomas (1962);
– Auto da Festa, de Gil Vicente (1965);
– Equilíbrio Instável, de Edward Albee (1968);
– Ivone, Princesa de Borgonha, de Witold Gombrowicz (1971);
– O Duelo, de Bernardo Santareno (1971);
– Guerras do Alecrim e Manjerona – Ópera cómica em 3 actos apresentada no Teatro Nacional de S. Carlos (1972);
– Sábado, Domingo e Segunda, de De Filippo (1974);
– O Terror e a Miséria no III Reich, de Bertolt Brecht (1974);
– O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz (1978);
– Aurora da minha vida (1984);
– Galileu Galilei, de Bertolt Brecht (1986);
– Dias Inteiros nas Árvores, de Marguerite Duras 1991);
– A Paixão do Jardineiro, de Jean Pierre Sarrazac (1994);
– Três Mulheres Altas, de Edward Albee (1996);
– Fidelidades, de Maria do Céu Ricardo (2004);
– Vozes de Trabalho, de Tiago Torres Silva (2010).
Para além da interpretação da figura de “Juliana” no filme O Primo Basílio, destaca-se igualmente a sua participação, entre outros, nos seguintes filmes:
– A Ribeira da Saudade, de João Mendes (1963);
– Retalhos da Vida de um Médico, de Jorge Brum do Canto (1963);
– As Horas de Maria, de António de Macedo (1976);
– Francisca, de Manoel de Oliveira (1981);
– O Lugar do Morto, de António-Pedro Vasconcelos (1984);
– A Mala de Cartão, de Michel Wyn (1986);
– O Princípio da Incerteza, de Manoel de Oliveira (2002);
– A Canção de Lisboa, de Pedro Varela (2016).
Participou também em várias produções televisivas, com destaque para:
– O Caminho da Sombra – RTP (1957);
– Suave Milagre – RTP (1961);
– Ivone, a Faz Tudo – RTP (1978);
– A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis – RTP (1989);
– Cluedo – TVI (1995);
– Filhos do Vento, de Durval Lucena e Francisco Moita Flores – TVI (1997);
– Casa da Saudade – RTP (2000);
– Estação da Minha Vida – RTP (2001);
– Hotel Cinco Estrelas – RTP (2013);
– A Única Mulher – TVI (2016).
Em 2018, já com mais de 90 anos de idade, Cecília Guimarães desempenhou o seu último papel ao lado de Eunice Muñoz, Ruy de Carvalho, Lurdes Norberto, Manuela Maria, Rita Salema e Patrícia Tavares em Olga Drummond, primeira produção cinematográfica de Diogo Infante, rodada na Casa da Ínsua, em Penalva do Castelo, que pretende homenagear os actores portugueses do Teatro, do Cinema e da Televisão.
Vínculos de Cecília Guimarães a Viana do Castelo, Ponte de Lima e Arcos de Valdevez
A génese da afinidade de Cecília Guimarães com o Alto Minho e a Ribeira Lima remonta a 1957, ano em que participou nas peças Não, Clarim! Sim, Clarão e O Primeiro Natal da Bruxa Carpidim apresentadas pelo Teatro do Gerifalto, companhia de teatro infantil e juvenil dirigida por António Manuel Couto Viana, natural de Viana do Castelo. Desta relação profissional nasceu uma sólida amizade pessoal que se prolongou até aos últimos anos de vida de Couto Viana, passados na Casa do Artista, em Lisboa, onde Cecília Guimarães e sua irmã Natália Guimarães o visitavam regularmente.
Tendo sido distinguida, em 1987, como convidada de honra no Festival de Cinema de Expressão Ibérica (FICEI) – um dos mais relevantes acontecimentos culturais que juntou Arcos de Valdevez e a Galiza, só possível graças ao dinamismo e carolice de um grupo de arcuenses liderados por Mário de Barros Pinto e Benjamim Falcão –, Cecília Guimarães, que também integrou o respectivo júri, ficou instalada durante o período do festival numa das casas de turismo de habitação de Ponte de Lima, onde conheceu Maria do Céu Sá Lima, Directora de Marketing na TURIHAB – Associação do Turismo de Habitação, a mais antiga associação do sector em Portugal, detentora das marcas “Solares de Portugal” e “Casas no Campo”.
A sua presença em Ponte de Lima, bem como o programa cultural e gastronómico então organizado para os participantes do Festival, fortaleceram os laços de amizade de Cecília Guimarães com esta vila histórica do Alto Minho e com Maria do Céu Sá Lima, que perduraram durante mais de trinta anos. Entre os múltiplos exemplos dessa afinidade recordamos as visitas que Cecília Guimarães fazia habitualmente ao stand da TURIHAB na BTL – Bolsa de Turismo de Lisboa, acompanhada por sua irmã Natália, especialmente para se encontrar com a amiga Maria do Céu.
A ligação da actriz Cecília Guimarães a Ponte de Lima ganharia novo impulso com a sua participação na homenagem promovida no auditório do CITEFORMA, em Lisboa, em 17 de Abril de 2010, a António Manuel Couto Viana pela Casa do Concelho de Ponte de Lima (CCPL) e pela LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo, cerimónia presidida pelo Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Ponte de Lima, Franclim Castro Sousa, em que intervieram Cláudio Lima, João Bigotte Chorão e Artur Anselmo, profundos conhecedores da vida e obra do homenageado, e em que foram interpretados por Cecília Guimarães e Victor de Sousa alguns poemas representativos da sua vasta obra poética.
Cinquenta e quatro dias mais tarde, as vozes dos actores Cecília Guimarães e Victor de Sousa, a que se juntou a da actriz Manuela Maria, voltariam a dizer poemas de Couto Viana nas cerimónias fúnebres que decorreram na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, no dia 10 de Junho de 2010, momentos antes do início da última viagem do Poeta para a sua terra natal, entre prolongados aplausos dos presentes.
Depois da participação na homenagem a Couto Viana, Cecília Guimarães voltou a honrar a Casa do Concelho de Ponte de Lima com a “vibração da sua voz límpida” no magnífico espectáculo intercultural comemorativo das Bodas de Prata desta Associação, que teve lugar no Auditório da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, a 25 de Fevereiro de 2012, apresentado por Tânia Ribas de Oliveira e José Relvas, prestigiados profissionais da RTP e da Rádio Renascença, espectáculo que contou também com a participação dos actores Juan Carlos Soutullo e Juan Gabriel Soutullo – filho e neto de Couto Viana –, dos fadistas Rodrigo Costa Félix e Teresa Tapadas, da Banda de Música de Ponte de Lima e do Grupo de Cavaquinhos e do Rancho Folclórico da CCPL.
Nos anos que se seguiram, Cecília Guimarães continuou a marcar presença regular nos eventos culturais organizados pela Casa do Concelho de Ponte de Lima, nomeadamente em sessões de apresentação de obras literárias, lendo poesia e textos em prosa com entrega total, num estilo cativante, só ao alcance dos melhores divulgadores da palavra.
Foi o que aconteceu a 14 de Junho de 2014, na apresentação do livro Memórias de uma Guerra – Moçambique 1970/72, obra notável do limiano João Hilário Lima que relata em verso a participação do autor na Guerra do Ultramar, apresentada por António Salavessa da Costa, licenciado em Ciências Militares, que, entre outras funções de relevo, se distinguiu como membro do Governo de Macau de 1991 a 1999, onde exerceu o cargo de Secretário-Adjunto para a Comunicação, Turismo e Cultura.
Depois de ter distinguido a Casa do Concelho de Ponte de Lima como diseur de poesia nos eventos culturais referidos, Cecília Guimarães aceitou o desafio de participar na apresentação do romance A Bruxa de Grade, de Paula Teixeira de Queiroz, natural de Arcos de Valdevez, bisneta do Escritor Teixeira de Queiroz, também conhecido pelo pseudónimo de Bento Moreno, e filha de Mário de Barros Pinto, impulsionador do FICEI. Na apresentação deste livro, realizada na sede da CCPL a 11 de Abril de 2015, participaram ainda Manuel de Sá Coutinho, sócio fundador desta Associação, e a Artista Plástica Clara Vaz Guedes, tendo Cecília Guimarães lido um capítulo da obra, com mestria e sentido de humor refinado.
Exemplo significativo da sua ligação afectiva à Ribeira Lima é também o facto de Cecília Guimarães ter escolhido Ponte de Lima, em Maio de 2016, para comemorar a passagem do seu 89.º aniversário e revisitar, com a sua irmã Natália, alguns dos lugares mais emblemáticos e históricos desta vila centenária, fundada em 4 de Março de 1125 pela Rainha D. Teresa. Nos passeios que deu pela vila e arredores, acompanhada pela amiga Maria do Céu, que a surpreendeu com um soberbo ramo de 89 rosas, tantas quantos os anos que fazia, Cecília Guimarães acabaria por criar novas amigas e amigos em Ponte de Lima, como aconteceu com Maria Fernanda Carvalho Martins, proprietária da Confeitaria Havaneza e da Quinta da Aldeia (associada da TURIHAB), que também celebrava o seu aniversário a 28 de Maio.
Cecília Guimarães aproveitou ainda esta estadia por alguns dias no Alto Minho para visitar o amigo Mário de Barros Pinto, em Cortinhas – Arcos de Valdevez, novamente na companhia da amiga Maria do Céu, encontro que permitiu recordar com saudade a sua participação no FICEI – Festival de Cinema de Expressão Ibérica, de 1987.
Vítima da Covid-19, Cecília Guimarães, a Actriz que casou com o Teatro, como ela própria costumava dizer, e que nos últimos anos passara a residir na Casa do Artista, faleceu a 1 de Fevereiro de 2021 no Hospital de Santa Maria, de onde partiu para o Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, na tarde do dia 4 de Fevereiro, com breves paragens junto à casa em que viveu durante a maior parte da sua vida, na Rua Francisco Tomás da Costa, e à Igreja de Nossa Senhora de Fátima.
Apesar do confinamento imposto por força da grave crise sanitária que o país atravessava por esses dias, que impediu a realização de cerimónias fúnebres, Cecília Guimarães pôde contar com a presença, no Alto de São João, de um reduzido número de amigos e familiares, que se despediram da Actriz com uma calorosa salva de palmas.
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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