A personalidade de São Paulo, de pendor austero e intelectual, tornou-o pouco propenso a criar sementes na piedade popular. A atenção moderada que incidiu sobre si enquanto objecto de representação artística não é de modo algum consentânea com o seu papel histórico fundamental na difusão do cristianismo, desde sempre reconhecido pelas altas esferas eclesiásticas. Um meio de feição rural, como o de Ponte de Lima, sempre apelou com mais veemência a santos de comprovada capacidade intercessora e taumatúrgica, o que não constitui manifestamente o caso de São Paulo.
Há, no entanto, alguns testemunhos que comprovam o culto prestado ao Apóstolo dos Gentios, tendo até um deles deixado vestígios na toponímia da vila. Trata-se da Torre de São Paulo, assim denominada devido à presença de uma imagem com a mesma invocação num nicho situado por cima da Porta do Postigo, que existia contígua à torre. A escultura, que aí permaneceu até já entrada a segunda metade do século XIX, encontra-se hoje adossada a uma parede exterior de uma casa particular, em ambiente campestre.
Não existe no território de Ponte de Lima uma única paróquia que tenha São Paulo como orago. De um modo geral, as outras representações escultóricas de São Paulo surgem integradas em conjuntos mais vastos. É o caso da imagem que faz parte do cenográfico apostolado existente no Santuário da Senhora da Boa Morte, na Correlhã. Por outro lado, o facto de a Igreja celebrar os martírios de Pedro e Paulo numa única festa litúrgica contribuiu certamente para associar ambas as figuras, com o correspondente reflexo na arte. Pedro e Paulo figuram na igreja paroquial de São João da Queijada, literalmente como os Pilares da Igreja. Na separação da nave com o presbitério, eles sustentam o arco de pedra cujas aduelas servem de fundo à representação de outras figuras do panteão cristão: São Gonçalo, São Bento, Santo Amaro e São Gregório. Era também comum a representação de ambos os Apóstolos em retábulos, alinhados simetricamente. Assim sucedia, por exemplo, na Igreja Paroquial do Divino Salvador, em Estorãos, conforme nos revelam as Memórias Paroquiais de 1758. Infelizmente, parte significativa do acervo escultórico mais antigo desse templo desapareceu ou encontra-se descontextualizado.
O mesmo não sucedeu com o monumental retábulo maneirista que ainda hoje orna a capela-mor da igreja monástica dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, em Refóios do Lima. No seu patamar inferior, esta notável imagem de São Paulo forma parelha com uma outra de São Pedro. A grandiosidade e esplendor do retábulo acabam por ofuscar as representações escultóricas que o integram, pelo que é necessário um esforço de aproximação à gigantesca máquina retabular para que, libertas do encandeamento, as esculturas, pequenas pedras preciosas engastadas em suporte de maior brilho, adquiram um valor próprio, também ele digno de admiração.
Não estaremos a cair em exagero ao afirmar que se trata das mais belas esculturas de Ponte de Lima, nas quais melhor se combinaram a forma e a cor. De notar especialmente são as fímbrias, na parte inferior das túnicas, com finos lavores, aves, anjos e serafins.
Paulo, o homem que calcorreou toda a bacia do Mediterrâneo nas suas viagens missionárias, está descalço. Mas como ele próprio lembrava na Epístola aos Romanos, retomando uma mensagem do profeta Isaías: “que formosos são os pés dos que anunciam boas novas”. Segura em cada uma das mãos o livro e a espada. Homem do apostolado e da doutrina. Para isso viveu, por isso morreu.
