“No dia seguinte, João viu Jesus, que vinha ter com ele, e disse: «Aí está o Cordeiro de Deus que vai tirar o pecado do mundo. Este é Aquele de quem eu disse: ‘Depois de mim virá Alguém que passou à minha frente, porque era antes de mim.’ Eu não O conhecia, mas para Ele se manifestar a Israel é que eu vim baptizar em água».
E João testemunhou, dizendo: «Vi o Espírito Santo a descer do Céu como uma pomba e a permanecer sobre Ele.»”
Evangelho Segundo São João, 1: 29-32.
Quem acedia pela porta principal à antiga igreja monástica de Santa Maria de Refóios do Lima, podia observar, do lado do Evangelho, uma pintura ilustrando o Baptismo de Jesus. Era nesse espaço dos templos, chamado baptistério (por vezes, em tempos remotos, um pequeno edifício erguido fora, mas próximo da igreja), que as rubricas litúrgicas prescreviam a colocação de um quadro representando a célebre cena no rio Jordão. O painel aqui apresentado constitui um dos exemplares pictóricos de maior valia estética no espaço territorial de Ponte de Lima, onde, para sermos sinceros, temos de admitir que não abunda a pintura religiosa de qualidade, em oposição ao que sucede, por exemplo, no domínio da escultura. Mais um motivo então para divulgarmos o raro espólio de valor existente.
Assinalando o início da vida pública de Jesus, este significativo episódio é narrado nos quatro Evangelhos canónicos: no de João, em que o Precursor o aponta como o Cordeiro de Deus, e também nos três Evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas), onde o episódio antecede as tentações no deserto.
A representação artística das cenas do Baptismo é devedora da liturgia sacramental, cujos ritos assumiam a forma de imersão, na arte paleocristã e bizantina, ou de infusão, mais tarde mas ainda desde a Idade Média até ao presente, como acontece neste quadro. Na pintura, atendendo à capacidade financeira de quem encomendava, ao local a que se destinava, ou até à fantasia e perícia do pintor, a cena variou entre extremos, desde um acontecimento quase sigiloso, só testemunhado em terra por João, até um momento como que de apoteose, grandiloquente, desenrolado sob o olhar de centenas de personagens, como sucede na conhecida representação quatrocentista de Perugino, que decora a Capela Sistina.
No quadro de Refóios, João, de pés descalços numa das margens, vestindo túnica curta de pele de animal e manto vermelho, derrama a água lustral que recolheu do rio Jordão numa concha sobre a cabeça de Jesus, apenas coberto com o tradicional cendal (perizonium). João Baptista segura na outra mão a cruz com a filactera e a típica inscrição anunciadora Ecce Agnus Dei. A referência à remissão dos pecados encontra aí a sua plena tradução, bem como na cena que ocorre, mais distante, ao fundo da representação, no lado esquerdo, com Adão e Eva a comerem o fruto da Árvore da Vida, que o Senhor lhes tinha vedado, consumando assim o Pecado Original e lançando a semente da morte aos vindouros. A associação ao episódio do Genesis, não muito habitual na iconografia do tema, está legitimada por motivos teológicos e doutrinários. O baptismo, acto purificador, tem o condão de apagar o Pecado Original. Cristo tem os pés no leito de água transparente e sobre a sua cabeça surge a pomba. É a manifestação divina, ou teofania, na forma da descida do Espírito Santo, forma também de apontar a condição messiânica de Jesus.
