Capela de Santa Eulália, Refóios do Lima - Século XVII
Vale a pena visitar a Capela de Santa Eulália, em Refóios do Lima. Trata-se de um dos exemplares melhor preservados da arquitetura românica no concelho de Ponte de Lima, apesar do “estado de sítio” em que se encontra, envolvida, quase sem respirar, entre o casario do lugar. Impressiona, uma vez franqueado o umbral da porta principal, o conjunto harmonioso, ainda que algo distanciado no tempo, formado pela talha que adorna o interior. Os retábulos laterais e o sanefão, peças já barrocas de boa qualidade, derramam-se de modo absorvente por todo o espaço em volta do arco cruzeiro, formando uma espécie de moldura avançada, que faz ressaltar ainda mais a presença, ao fundo, de uma outra máquina retabular, de feição ainda maneirista.
Resquício de outras eras, este retábulo deve ser assumido, apesar das suas exíguas dimensões, como um dos mais valiosos do nosso território sob o duplo ponto de vista da história da arte e da iconografia. Dele se aproxima estruturalmente o que existe na Capela de São Gonçalo, em Arcozelo. Apresenta o corpo principal dividido em três tramos, mais largo o central, sobrepujado pelo ático ao centro. É rematado por uma espécie de dossel, solução não muito vulgar. As representações escultóricas que hoje ajudam a preenchê-lo não apresentam qualquer ligação à peça original, cuja leitura iconográfica, apesar destes “estorvos” e do seu já delicado estado de conservação, ainda pode ser tentada.
Era um daqueles retábulos em que ainda predominavam as representações pintadas. O painel central parecia ser alusivo, pelo menos parcialmente, às Almas do Purgatório, pois no terço inferior ainda é possível observar seis figuras, simetricamente expostas, enredadas nas chamas. O resto da representação pictórica, a ter existido, talvez com a figura do intercessor, sumiu-se já no vórtice do tempo. Este painel é flanqueado por dois outros, menos largos. Do lado do Evangelho surge, de túnica e manto avermelhados, cabeleira farta, rosto imberbe, o apóstolo e evangelista João. Segura, na sua mão esquerda, um cálice, de onde parece emergir um dragão, alusão à taça de veneno que um sacerdote do templo de Diana, em Éfeso, o fizera ingerir, sem grandes males para o evangelista (que o exorciza, fazendo o sinal da cruz), e que serve aqui de elemento identificador da personagem. Do lado da Epístola aparece um santo não identificado, com a indumentária e insígnias próprias da dignidade episcopal: pluvial preso à frente com firmal, mitra sobre a cabeça e báculo na mão esquerda. Na mão direita segura um livro aberto, no qual medita. Será Santo Agostinho, bispo de Hipona, figura cimeira da história da Igreja, doutrinário influente e de culto arreigado em Refóios, onde, ali mesmo ao lado, se erguia o mosteiro de uma ordem religiosa que o assumia como pai fundador? Uma mísula colocada mais tarde em frente à pintura, para servir de base a uma escultura, impede a visão da parte inferior do painel, onde poderá estar representado algum atributo ou elemento mais específico que autorize uma identificação cabal do santo.
No ático do retábulo desponta um santo dominicano, figurado com bordão de remate superior curvo, segurando com ambas as mãos um livro aberto. Bem poderá ser São Domingos de Gusmão, o patriarca da Ordem. O dossel, de formato triangular, revela na face inferior, sob um fundo estrelado, um cordeiro pousado em cima de um livro, visão narrada por São João no Livro do Apocalipse (faltam os setes selos que fecham o livro), símbolo de Jesus Cristo, aqui no seu estado de glória, uma vez que o cordeiro segura a cruz e o estandarte da Ressurreição.
A necessitar de intervenção prudente, este retábulo, apeado e desmontado, poderá revelar surpresas interessantes e possibilitar uma decifração mais acertada.
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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