Padroeiro da freguesia de Moreira do Lima, São Julião foi mártir dos tempos dos imperadores Diocleciano e Maximiano, natural de Antioquia, na Síria, ou de Antínoe, no Egipto, consoante as várias lendas que circulam sobre a sua vida. Diversas versões, quando confrontadas, fazem admitir de resto a possibilidade de diferentes personagens com esse nome, fenómeno que de resto não é de todo invulgar nos meandros da hagiografia. É por vezes confundido com o homónimo São Julião Hospitaleiro (Julianus Hospitator), santo fabuloso com biografia demasiado imprecisa.
Certo é o culto atestado no norte de Portugal pelo menos desde o período visigótico, do mesmo modo que Santa Basilissa, sua mulher, à qual surge associado em diversos calendários litúrgicos e muitos altares. Em território de Ponte de Lima, São Julião é igualmente patrono em Freixo. Na capela-mor dessa igreja paroquial integra o retábulo principal, formando par com Santa Basilissa, algo que não sucede na paroquial de Moreira do Lima, onde o mártir forma parelha com uma imagem de Nossa Senhora. Não sabemos se sempre assim foi. O abade Pedro de Araújo Machado, que em 1758 redige as Memórias Paroquiais, não deixa qualquer dúvida quanto à identidade do mártir: “Hé orago desta igreja Sam Juliam virgem e mártir, esposo de Sancta Bazeliza.” Mas não menciona a presença da santa no retábulo nem hoje sobrevive no espólio da igreja qualquer imagem com esta invocação.
Um cotejo iconográfico entre as duas esculturas representando São Julião, a de Freixo e esta de Moreira do Lima, revela diferenças abismais. A de Freixo mostra um santo com indumentária de nobre, de capa e gibão, sapatos e chapéu emplumado, tendo pousado um falcão sobre a mão direita e uma espada (a espada do parricídio) embainhada sob a mão esquerda. Ora, este tipo de representação é típica das imagens de São Julião Hospitalário, cavaleiro e caçador, mas não de São Julião Mártir, o casto esposo de Santa Basilissa, o que significa estarmos na presença de uma clara contaminação iconográfica, o que não pode surpreender tendo em conta que certas narrativas hagiográficas assimilam um santo ao outro.
A escultura de Moreira do Lima, aqui registada, está bastante mais próxima das duas imagens de São Julião existentes na pequena capela da mesma invocação situada em Refóios do Lima. O santo, que terá ostentado na mão direita a palma do martírio, enverga capa e túnica e segura na mão esquerda um livro fechado.
(Publicado em “Limiana – Revista de Informação, Cultura e Turismo” n.º 37, de Abril de 2014)
