Igreja Paroquial de São Julião de Freixo - Século XVIII/XIX
“Segundo a graça que Deus me deu, como bom arquitecto, lancei o fundamento; outro constrói por cima. Mas cada um veja como constrói. Quanto ao fundamento, ninguém pode colocar outro diverso do que foi posto: Jesus Cristo. Se alguém sobre esse fundamento constrói com ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, a obra de cada um será posta em evidência. O Dia torná-la-á conhecida, pois ele se manifestará pelo fogo e o fogo provará o que vale a obra de cada um.”
São Paulo, 1 Coríntios 3, 10-13.
A história do nascimento e evolução da ideia do Purgatório é uma das mais apaixonantes da história da civilização e mentalidade no Ocidente. De conceito metafórico foi passando a um lugar físico. Mas não um lugar qualquer. Emerge como um espaço intermédio, situado, na geografia do Além, entre o terrível Inferno e o doce Paraíso. Entre a morte individual e o Julgamento Universal há um lugar para as Almas poderem ser resgatadas mediante uma regeneração pelo fogo purificador, enquanto os vivos, solidários, através das suas preces, contribuem para abreviar a dor dos que assim penam depois da morte. Esse lugar do fogo é o Purgatório. A crença firme nele, que vem desde a Idade Média e que foi posteriormente cimentada também por questões doutrinárias, sobretudo depois da Reforma Católica, motivou a sua afirmação enquanto tema artístico.
O reflexo disto encontra-se, no nosso território, ao longo dos caminhos e também, como é natural, no interior dos recintos sagrados. A Igreja Paroquial de São Julião de Freixo é apenas mais um exemplo. Este templo, que se distingue também pelos já raros tectos setecentistas em tábuas pintadas que cobrem toda a nave, exibe ao crente, com grandes ensinamentos, o Altar das Almas aqui documentado. As Memórias Paroquiais de 1758 fazem eco de uma Capela das Almas e de uma Irmandade da mesma invocação já erecta. O retábulo actual parece já de fábrica posterior, de linhas neoclássicas, ainda que a escultura do Arcanjo assuma traços nitidamente barrocos.
A pintura retabular, em forma de arco, é preenchida no nível inferior, como habitual, pelas Almas envoltas em chamas, personagens de diferentes condições, uma delas já com a proverbial coroa real, pois de pecados veniais, já para não falar dos capitais, ninguém está imune. As figuras agitam e levantam os braços, implorando, em direcção aos anjos intercessores, que surgem já no nível intermédio da representação, fazendo a ligação à Santíssima Trindade, no remate da composição, “protegida” por uma densa barreira de nuvens, que demarca a atmosfera celestial. Dominando o retábulo, surge, ao centro, sobre um pedestal, a imagem esculpida de São Miguel.
O culto a São Miguel Arcanjo, com origem no Oriente cristão, difundiu-se depois por todo o Ocidente. Mais tarde, já no século XVII, sob influência da Contra-Reforma, a sua devoção ensaia um novo ímpeto: Miguel, que triunfa sobre Lúcifer e sobre o Dragão, simboliza, para os doutrinários Jesuítas, o triunfo da Igreja Católica sobre o dragão da heresia protestante.
São Miguel é aqui apresentado de duas maneiras distintas, que remetem para facetas diferentes da sua acção. Por um lado, é o guerreiro, o Príncipe das Milícias Celestes, cujo reflexo perdura ainda nos dias de hoje, ao ser adoptado como santo patrono da Polícia de Segurança Pública, que invoca o Arcanjo na sua oração. Ele dirigiu o combate contra os anjos rebeldes, lançando-os no abismo, e salvou a Mulher do Apocalipse, identificada com a Imaculada Conceição, combatendo o dragão de sete cabeças. Por outro lado, surge como o Santo Psicopompo, uma vez que, à semelhança do deus Hermes/Mercúrio da Antiguidade, conduz os mortos cuja alma pesa no dia do Juízo Final. É a versão de São Miguel como o Senhor das Almas, detentor de um poder que lhe valeu a veneração tão alargada junto dos crentes católicos.
A sua iconografia reflecte o carácter militar e intercessor do santo. O Arcanjo está esculpido de pé, de feições serenas, com o braço direito erguido a segurar uma lança na diagonal cuja ponta está cravada no peito de um pequeno diabo chifrudo retorcido sob os seus pés. A indumentária e os adereços seguem o equipamento de um soldado romano. Enverga clâmide (capa) e uma túnica curta, em forma de sino, com corpo superior a sugerir couraça. Exibe penacho sobre a cabeça e calça sandálias militares, que apoiam sobre a figura demoníaca. Na mão esquerda segura a balança cujo fiel vai poder separar os justos dos injustos.
(Publicado em “Limiana – Revista de Informação, Cultura e Turismo” n.º 27, de Abril de 2012)
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
Sugestões