Culture may even be described simply as that which makes life worth living. (T. S. Eliot, Notes Towards a Definition of Culture)
1. Âmbito da “Cultura”
Sabemos bem que não é fácil definir o complexo conceito de “Cultura”. Porém, ao mesmo tempo, de modo quase intuitivo e pela evidência quotidiana, todos temos a noção bastante clara de que “Cultura” é tudo aquilo que o ser humano acrescenta à Natureza, ao longo da história. Na conhecida e pioneira lição do antropólogo Edward B. Tylor, Cultura é “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade.” Cultura como objecto compósito e híbrido, interligando o homem e a sua criação nas sucessivas etapas do seu desenvolvimento histórico.
Assim sendo, mais do que um discurso ou uma bandeira, enquanto capacidade criadora da humanidade, Cultura é uma vasta herança multissecular, um riquíssimo e diversificado património cultural comum, que abarca o essencial das criações humanas ao longo da História, não apenas o que tradicionalmente designamos como “cultura humanística”, mais letrada e erudita, mas todos os bens e manifestações da criatividade humana, numa ampla concepção antropológica de Cultura.
Ao mesmo tempo, enquanto património colectivo, Cultura é indissociável da ideia de pertença a uma comunidade, seja ela de âmbito local/regional ou nacional. Autodefinimo-nos como limianos ou como portugueses porque partilhamos uma identidade comum, feita de um passado histórico, de crenças e tradições, de figuras ilustres com as quais mantemos laços de afinidade, etc. O património cultural é um assunto tão relevante que tem merecido crescente atenção de organizações internacionais como a UNESCO ou o Conselho da Europa, no seu esforço de articular a preservação do passado com o presente, com o olhar posto no futuro(1).
Pelo referido se entende a amplitude de conteúdos de um Portal sobre a Cultura de uma região, desde a “cultura erudita” até à “cultura popular”. Com efeito, cabem neste espaço informações sobre todas as manifestações culturais, desde o território e a sua História de vários séculos, até às instituições e às pessoas que se têm destacado de vários modos e em diversos domínios. No que respeita ao património humano, merecem natural destaque quer os que nasceram em Ponte de Lima; quer os que, oriundos de outras localidades, aqui fixaram a sua residência; quer ainda os que desempenham alguma função ou tiveram alguma afinidade com esta região.
2. Áreas da Cultura e do Património
Diante do afirmado, a Cultura é essencialmente plural na variedade das suas criações, sendo frequente distribuir as suas manifestações pelas grandes dimensões do património cultural, de modo a agrupar a enorme multiplicidade cultural. Património como legado e bem-comum, pertença e responsabilidade de todos, transmitido de geração para geração.
Assim, não se pode fazer em Cultura sem destacar o património natural e paisagístico, isto é, o território que o ser humano herdou e foi transformando ao longo dos séculos, de acordo com as concepções, os instrumentos e as descobertas que moldaram as sucessivas civilizações que nos antecederam. Neste âmbito, o homem exerceu uma acção mais ou menos profunda sobre a geografia circundante, adaptando a terra às suas múltiplas necessidades (técnicas de cultivo, vias de comunicação, formas de comércio, etc.). Deste modo, não é possível falar da Cultura de Ponte de Lima sem destacar o modo como foi sendo moldado por mão humana o território desta região geográfica específica da Ribeira Lima e do rio que a atravessa e lhe dá nome de ressonância mítica (Lethes).
Interligadamente, ocupa um lugar fundamental o património edificado, composto por toda a variedade de construções materiais edificadas pelo homem ao longo da História, desde as mais remotas edificações arqueológicas dos tempos pré-históricos, até à época contemporânea. Por outras palavras, sobressaem aqui os bens imóveis, da arquitectura civil à arquitectura religiosa, em espaços urbanos e rurais: edifícios públicos, casas de habitação, igrejas, pontes, fortificações, etc. Com antiquíssimas origens e forte ligação ao território do noroeste peninsular (Galiza), o território do actual concelho de Ponte de Lima recebeu múltiplas influências de povos e civilizações que por aqui passaram, com destaque para a romanização. Essas sucessivas influências deixaram uma natural sedimentação de camadas culturais na região que hoje habitamos.
De modo complementar, cumpre ainda acrescentar o património imaterial, abarcando uma multiplicidade muito grande de manifestações culturais intangíveis: lendas, tradições, cultos, costumes, saberes, ritos, etc., incluindo práticas e saberes que se estendem deste o folclore à gastronomia. Esta área tem merecido particular atenção por parte de diversas entidades, com realce para a UNESCO e a importante Convenção para a Salvaguarda do Património Imaterial, naturalmente ratificada pelo Estado português.
Apesar de exposto de forma muito esquemática, temos assim uma noção alargada de Património, enquanto legado comum que a todos pertence e a todos diz respeito, em termos de conhecimento e fruição, de conservação e de divulgação. A nível internacional, existem importantes instituições vocacionadas para proteger e promover o património cultural, fomentando a ratificação de tratados e de convenções sobre este tema, documentos subscritos por imensos países2.
A nível local, regional e nacional, dispomos hoje de enquadramento legal e de instrumentos, bem como de programas de financiamento nacionais e europeus, vocacionados para a captação de apoios para a área da Cultura, nomeadamente no quadro do presente Programa Portugal 2020 (com vigência de 2014 a 2020), aplicáveis em diversas áreas, deste acções de reabilitação até à valorização de capital humano3. Ora, é justamente destas diversas e interligadas dimensões do património cultural que se fala nas várias rubricas do portal “Ponte de Lima Cultural”.
3. Cultura e sociedade em rede
Face ao afirmado, é ainda oportuna uma brevíssima reflexão sobre novos modos de divulgar o conhecimento cultural, partindo deste exemplo do Portal Ponte de Lima Cultural, que, pelos conteúdos apresentados, pelas rubricas selecionadas, pela facilidade de interação e pela tecnologia usada, articula modelarmente tradição e modernidade. Esta é uma forma adequada à sociedade em que vivemos, em que se procura informação fiável com rapidez e através de múltiplas ligações entre conteúdos disponíveis on-line.
Na actual sociedade em rede em que vivemos, assente na nova galáxia da internet (M. Castels), é absolutamente essencial disponibilizar conteúdos de qualidade sobre os temas mais diversos, através de suportes de comunicação como a internet. Estas novas formas de comunicar informação cultural apresentam enormes e indiscutíveis vantagens, com destaque para as seguintes, algumas das grandes virtudes de um projecto desta natureza:
4. Ponte de Lima Cultural
Sobriamente intitulado Ponte de Lima Cultural, este Portal digital é um digno exemplo do que se pode fazer hoje para potenciar o conhecimento sobre uma região. Para isso, não é sequer necessário um apoio formal do poder político ou institucional (autárquico ou outro), preservando-se assim toda a independência do projecto na área da Cultura e, sobretudo, a natureza supra-partidária ou supra-ideológica de um verdadeiro empreendimento cultural. De facto, indispensável à nossa identidade e mesmo à nossa qualidade de vida, enquanto cidadãos do séc. XXI, a Cultura é um preciso bem-comum, um direito e um dever que a todos diz respeito, independentemente da raça, crença religiosa ou opção política. Aliás, a área da Cultura potencia manifestamente uma capacidade de iniciativa típica do chamado terceiro sector, iniciativas privadas de utilidade pública, tendo origem na sociedade civil, e como impulso decisivo o dinamismo e o empenhamento cívicos.
Dentro deste enquadramento, abarcando de modo fundamentado a multiplicidade do nosso património cultural, este Portal Ponte de Lima Cultural cumpre objectivos absolutamente essenciais na dinâmica sociedade da informação em que vivemos, tais como:
Definitivamente, o sentimento de pertença a uma terra materializa-se pelo conhecimento do seu património cultural. Falecido há 100 anos, António Feijó (1859 -1917) expressou com intensidade e lirismo o seu amor à terra natal (Ponte de Lima), amando a sua paisagem limiana e as suas tradições, trazendo à vila limiana a esposa sueca para lhe mostrar a beleza da sua terra e a riqueza do nosso património. Numa palavra, amar implica sempre conhecer. Por isso, auto-exilado na longínqua e fria Suécia, não surpreende que em muitos dos seus versos nostálgicos o poeta evoque o mágico sortilégio exercido pelo rio Lima e pela sua ensolarada paisagem envolvente:
Nasci à beira do Rio Lima,
Rio saudoso, todo cristal;
Daí a angústia que me vitima,
Daí deriva todo o meu mal.
É que nas terras que tenho visto,
Por toda a parte por onde andei,
Nunca achei nada mais imprevisto,
Terra mais linda nunca encontrei.
(Ilha dos Amores, 1897)
5. Cultura e horizontes de futuro
Ponte de Lima, com quase 900 anos de História, um passado bem visível num património cultural muito rico e diversificado, e um grande potencial de desenvolvimento e de qualidade de vida, é um concelho que bem merece todas as iniciativas que potenciem um maior conhecimento do território e das suas gentes, ao longo de vários séculos, mas com natural destaque para os tempos mais modernos.
Definitivamente, pelas suas articulações com as áreas do Turismo e da Economia, mas também pela sua importância para a qualidade de vida das populações, a Cultura não é algo secundário e marginal à sociedade, que fica bem em discursos de mera circunstância. Como hoje se reconhece, os diversos setores da Cultura e das indústrias criativas, potenciadoras de crescente inovação, conjugando diversos conhecimentos científicos especializados (nomeadamente com o contributo das novas tecnologias da informação e da comunicação), são hoje responsáveis, a nível local, regional e nacional, por uma impressionante percentagem no PIB4, sendo uma das forças criadoras de riqueza para a nossa economia. A Cultura ajuda a fixar riqueza de uma forma única – fixação de quadros, competências, empresas –, ao serviço dos cidadãos, fomentando coesão e crescimento.
Por outro lado, a riqueza de uma sociedade depende em grande medida da consideração dada aos valores culturais. Também neste domínio, Ponte de Lima tem o dever ético de pugnar por ser um concelho exemplar ao nível de uma política cultural integrada, fazendo a ligação entre o Passado, o Presente e o Futuro. Porque a Cultura tem de se considerar, hoje mais do que nunca, um verdadeiro eixo estratégico do desenvolvimento, desde a Administração Central à Local5. Porque não há políticas de verdadeiro crescimento sem Cultura. Porque a Cultura é também uma chave de leitura do próprio homem e do mundo.
Face ao afirmado, a Cultura é um assunto transversal a toda a sociedade e, por conseguinte, demasiado importante e sério para não ser tomado como algo acessório e supérfluo; e ainda pior, para ser visto com horizontes limitados. Definitivamente, como demonstrado por grandes pensadores actuais (de T. S. Eliot, Edgar Morin, George Steiner e, entre nós, Eduardo Lourenço e Guilherme d’Oliveira Martins), a Cultura tem de ser uma realidade abrangente, orgânica e vital no quotidiano das pessoas, não sendo possível preparar a construção das renovadas sociedades do Séc. XXI sem conferir à Cultura um lugar absolutamente central, numa visão integradora e humanista.
Em Ponte de Lima, os seus munícipes e responsáveis autárquicos, mercê desta referida herança cultural, todos temos de ser conscientes desse rico passado multissecular, com uma atitude de natural orgulho, mas também de respeito e de dignidade por tão abundante memória histórico-cultural, transmitindo esse legado às novas gerações. Cultura é, em suma, condição sine qua non de diversidade e de tolerância, de liberdade e de paz, de espírito crítico e de qualidade de vida.
Ponte de Lima, 1 de Maio de 2017
Notas
1 Cf. a Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural da Sociedade, assinada em Portugal (Faro), em 2005.
2 Com destaque para as orientações da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), em matéria de preservação do património material e imaterial, de acordo com a política da Comissão Nacional da UNESCO (cf. sobretudo a Lei de Bases do Património Cultural Português).
3 Por exemplo, ao nível do Sub-Programa Cultura – Europa Criativa, programa da União Europeia de apoio aos sectores cultural e criativo, dirigido a entidades públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos. Também ao nível do POCH (Programa Operacional Capital Humano); ou ainda do Norte 2020 (Programa Operacional Regional do Norte).
4 Cf. os dados publicados periodicamente por vários organismos nacionais ou europeus sobre a economia da Cultura, como a Direção Geral da Educação e Cultura da Comissão da União Europeia ou, no caso português, o Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC). No caso nacional, a Cultura atinge 1,7% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da economia portuguesa, ultrapassando as indústrias alimentares, agricultura e seguros, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
5 Cf. Jorge Barreto Xavier, A Cultura na vida de todos os dias, Porto Editora, 2016, p. 29 ss.
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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