À TONA DA MARÉ
Vim à luz em Covadonga.
Morro em Alcácer-Quibir.
Vou sepulto à flor da onda:
Onda que vai volta a vir.
O meu nome é Portugal
Trago a alma baptizada
Pela Távola Redonda.
Vim demandar o Graal,
Vim à luz erguendo a espada.
Vim à luz em Covadonga.
Fiz-me ao mar à descoberta,
A bordo da caravela,
Dos mundos por descobrir.
Mas perdi a rota certa.
Deu-me no peito a procela:
Morro em Alcácer-Quibir.
Nos tempos d’El-Rei Diniz,
Perguntei: – “Ai Deus i u é?”
Sem que ninguém me responda.
Sempre quis a quem me quis.
A rimar fé com maré,
Vou sepulto à flor da onda.
Diz-me El-Rei Sebastião,
Que a bruma oculta de véus,
Se peço pra me acudir:
– “Aguarda a ressurreição.
Jamais te direi adeus.”
Onda que vai volta a vir.
Vim à luz em Covadonga.
Morro em Alcácer-Quibir.
Vou sepulto à flor da onda:
Onda que vai volta a vir.
António Manuel Couto Viana
3.5.2009
“À Tona da Maré” ou à superfície da maré é composto de 4 estrofes de 6 versos cada – 4 sextilhas – com introdução e conclusão de uma quadra comum de rima cruzada, cujos versos, cada um de per si, serão o estribilho de cada estrofe.
Esta quadra de abertura e fecho do poema é de profunda sugestividade nacionalista, ideia chave da obra poética e dramática de Couto Viana.
O lirismo aflora para nos relembrar a poesia trovadoresca, também esta impregnada de sentimento patriótico.
A quadra considera Portugal nascido em Covadonga, vale asturiano onde se desenrolou uma onda de glória visigótico-cristã. As hostes cristãs chefiadas por Pelágio derrotaram os agarenos em 718, iniciando-se a reconquista cristã da Península. Sobre a peleja se haviam de escrever as mais melodramáticas e heróicas cenas de amor pátrio peninsular e humano, que Herculano, severamente histórico e romântico, nos transmite na sua obra Eurico o Presbítero.
Couto Viana alude à morte de Portugal em Alcácer-Quibir, fatal batalha ocorrida nos areais africanos engolidores de D. Sebastião, fonte inesgotável de profecias e quimeras que haviam de perdurar nos agourentos memoriais populares até quase ao século XIX. Deste choque entre a realidade e fantasia, a pátria sofreu golpes tão dilacerantes que a levaram à perda da independência. O autor, contrariando o rei moço, preferia a política expansionista a caminho do império afro-asiático a tudo quanto a conquista norte africana pudesse dar para além do trigo e combate à política de corso. Vê-se esta ideia nos últimos dois versos da quadra – Vou sepulto à flor da onda / onda que vai volta a vir. As ondas levam mas também trazem… O areal petrificado é inerte. O mar é um vaivém. Esta ideia, em nossa interpretação, é desenvolvida, de resto, no corpo do poema:
1. Na primeira sextilha, faz-se a apologética das novelas de cavalaria derivadas da demanda do Graal (taça que teria servido para recolha do sangue do Cristo jorrado na Última Ceia e recolhido por José de Arimateia), que forma a trama dos romances da Távola Redonda, do ciclo do Rei Artur, ciclo bretão ou ciclo da Távola Redonda. Escreveu em revistas académico-culturais, exactamente designadas de “Távola Redonda e Graal”.
Revolucionário pelas suas causas, extrai-se do verso, Vim à Luz erguendo a espada, (…) em Covadonga.
2. Na segunda, toda ela comprovativa do seu pensamento ideopolítico, releva a expansão marítima já, porventura, a partir de 1415, em caravelas primeiro, depois em naus. Era o começo das descobertas portuguesas que o autor sempre aplaudira.
Perdida a rota por D. Sebastião, deu-lhe no peito a porcela, matando-o em Alcácer-Quibir, ele que desejava ser sepulto à flor da onda na viva esperança de que onda que vai volta a vir!
3. Recorre ao rei D. Dinis, “o pai da Pátria” pela sua cultura, seus dotes poéticos, conhecimentos agro-silvícolas, e pergunta-lhe em jeito do mais puro lirismo trovadoresco – ai Deus i u é? Isto é, onde está o futuro desta Pátria, fruto de Covadonga?
Sem resposta, o autor volta à ideia central da expansão, condenando o erro da conquista – Sempre quis a quem me quis / A rimar fé com maré. Fé e maré, dualismo filosoficamente entrelaçado, rima definidora da alma marítima de Couto Viana, ou, digamos de outro modo: do império marítimo português tão do afecto de Couto Viana.
4. Finalmente, interpela angustiado D. Sebastião, fala-lhe nos véus que ocultam o denso nevoeiro marítimo, que o emocionam… precisando que lhe acudam… Sebastião tranquiliza-o: -Aguarda a ressurreição. Jamais te direi adeus, isto é, havemos de nos encontrar e mudar o rumo da Pátria, após 1 de Dezembro de 1640. Aguarda a Restauração…
O autor de formação nacionalista, arguto na metáfora, cultor de teatro, encenador de excelência, dirigiu nos anos 70 o nado morto TUC (Teatro da Universidade de Coimbra). Chamado por Miranda Barbosa, a quintessência da filosofia coimbrã, membro da causa monárquica, ex vice-reitor da universidade, viu nele uma tábua de salvação para o promissor primeiro organismo académico de direita radical (vd. Ricardo Marchi). O CR (Conselho de Repúblicas) continuava organizado e era o esteio de uma esquerda dominadora da vida académica durante as décadas 60 e 70 do Séc. XX.
Três notas soltas sobre Couto Viana, extraídas da Biblos, vol. 5, pág. 798, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, da autoria da biógrafa Virgínia de Carvalho Nunes:
- “Confessa expressamente a sua rejeição do social e afirma: Falo de mim – só falo / daquilo que conheço – linha que aponta para certo tradicionalismo que irá marcar de uma maneira geral a Távola Redonda (…)”;
- “O eu domina o seu poetar e com a mestria assinalada que vai ao encontro das realidades que o cercam. A sua voz perpassada de emoção é a do coerente poeta nacionalista”;
“O Avestruz Lírico surge (…) ao arrepio da poesia neo-realista dominante, quer na perfeição e rigor clássicos da técnica, quer no lirismo desencantado com que exprime as suas preocupações existenciais introspectivamente analisadas”.
Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 23, de Junho de 2011
Rui Delgado (1942 – 2016)
Rui Delgado, natural do concelho da Covilhã, licenciou-se em Coimbra, entre 1962 e 1967, em Ciências Históricas, e foi docente do ensino secundário público durante 33 anos. Cumpriu o serviço militar com o posto de Alferes Miliciano, tendo participado na Guerra do Ultramar em Moçambique, de 1970 a 1972. Amante do fazer história, com 7 livros publicados sobre o seu concelho e sobre Coimbra, tem publicada a sua tese de licenciatura na revista Stientia Iuridica – Livraria Cruz, Braga. Foi leitor e colaborador da revista Limiana.
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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