Sinos do Alto Minho e de Fernando Pessoa, por António Manuel Couto Viana

 

Sinos do Alto Minho e de Fernando Pessoa, por António Manuel Couto Viana



António Manuel Couto Viana



Para celebrar condignamente o valor do sino, vou recorrer àquela glosa latina que Eça de Queiroz refere no seu romance O Crime do Padre Amaro:

“Laudo deum, populum evoco, congrego clerum, / Defunctum ploro, pestem fogo, festa decoro.”

O que quer dizer, em português:

“Louvo a Deus, chamo o povo, congrego o clero, / Choro os mortos, afugento a peste, alegro as festas.”

Passados séculos, as funções do sino continuam, praticamente, as mesmas.

Todavia, hoje, as pequenas e grandes metrópoles pouco ou nada o escutam, confundindo o seu badalar com a inumerável porção de ruídos que, dia e noite, as animam e perturbam.

É necessário o recolhimento de uma aldeia, perdida nas paisagens rústicas, para que ele se torne presente, no seu repique e no seu dobre, convidando à missa, às orações do angelus e das trindades (“Quando fecha a tenda a senhora Rosa / quando vem das sachas o senhor João” – musa de António Nobre) dos casórios e baptizados, da boa venda de rez em feira de gado, romarias de orago e falecimento de paroquiano.

Aldeia sem toque de sino é pássaro sem gorjeio, arvoredo sem rumorejar de folhas, fonte sem gorgolejos.

Meus campos do Alto Minho, chamais-me sempre à saudade, como um sino distante!

Poetas meus patrícios (evocarei alguns) não deixaram de escutar e acolher, na inspiração, a voz de um sino, vindo das torres das igrejas, capelas, ermidas, conventos, mosteiros, erguidos na altivez verde do monte, no aconchego do vale, junto à frescura de um rio remansado.

Assim os cita António Feijó em domingos de “Sol católicos, romanos”:

“Cantam os galos... Tocai sineiros!

É missa de alva, que lindo dia!

E como o rio se espreguiça entre os salgueiros

No seu lençol de areia aveludada e fria!”

 

Outro poeta pontelimês, António Ferreira, recorda dois deles da sua vila limiana:

“Das torres a voz feliz

estrondeia de alegria

desde o sino da Matriz

à sinetinha da Guia”.

 

E outro, ainda, que tão liricamente cantou o Lethes do esquecimento, que dir-se-ia haver herdado a lira de Diogo Bernardes, o poeta Teófilo Carneiro, também o inclui num soneto em que saúda, com aleluias, o Sábado de Aleluia:

“Meio dia de Abril. O Sol a pino

Abraça com volúpia a natureza...

Ouve-se rir ao longe a voz de um sino...

É mais alegre a gente portuguesa.”

 

Ali perto, em terras dos Arcos de Valdevez, Amândio César, ali nascido, vê a sua infância subir à torre sineira para abranger mais amplo horizonte, o deslizar manselinho do rio, outras torres e arvoredos, granitos de solares armoriados, na doçura da calma:

“Quando a gente subia à Torre

E ficava calada de espanto,

Ouvindo os sinos tilintar

E vendo o tocador

Cheio de gestos úteis

Dirigir tudo,

Como quem dirige a vida!”

 

Ali perto, em Viana do Castelo, Maria da Conceição Couto Viana, quadrista feliz, compara os sons do sino ao ritmo do seu coração apaixonado:

“O meu coração é um sino

Sempre, sempre, a badalar

Repica se estás presente.

Se partes, põe-se a dobrar.”

 

E o sobrinho, António Manuel, descreve-o num retrato comovido e exacto do compasso pascal:

“É tempo de Páscoa no Minho florido:

Já se ouvem os trinos dos sinos festeiros,

Na igreja vestida de branco vestido,

Entre o verde manso dos altos pinheiros.”

 

Ali perto, em Belinho, ao pé das Antas, o fecundo e admirável António Corrêa d’Oliveira, minhoto por adopção, interpreta-o numa quadra sua das mais conhecidas e belas:

“Sino, coração da aldeia.

Coração, sino da gente.

Um, a sentir quando bate.

Outro, a bater quando sente.”

 

E lá longe, em Lisboa, no aristocrático Largo do Chiado, ele embalou o berço de Fernando Pessoa, vindo-lhe a plangência da próxima igreja dos Mártires, em pleno Chiado, que, adulto, o autor da Mensagem lembra sensibilizado:

“Ó sino da minha aldeia,

Dolente na tarde calma,

Cada tua badalada

Soa dentro da minha alma.”

 

Quiçá para o escutar, em si, mais nítido e com maior prazer, o escritor genial situa-o numa aldeia (que eu desejo seja minhota!), pois só nelas o sino vibra mais alto e mais dolente.

Páscoa de 2008
Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 7, de Abril de 2008

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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