Num dos seus poemas, a escritora Adília Lopes equiparou a arte poética com o esforço, a persistência e a técnica que serão necessários para apanhar um peixe à mão: nem tudo o que vem às mãos é peixe… o peixe debate-se, tenta escapar-se… eu persisto, luto corpo a corpo… para chegar ao fim e livrar-se do peixe com um alívio que não sabe descrever.
Compreendo e aceito esta visão redutora da autora, porque também eu, atrevido praticante de prosas memorialistas, sinto manifesto alívio quando termino um texto e nego a mim mesmo a possibilidade de o reler de novo, evitando contínuas e intermináveis hesitações, alterações e outros medos. O mesmo se passa com o pintor quando dá mais uma e outra pincelada na tela há muito tempo terminada, mas que hesita dar a conhecer, expor ou vender.
Creio que Júlio Vilar (conheci-o com esse nome no dia do meu baptismo no Externato Cardeal Saraiva, em Outubro de 1958) não terá passado por estas hesitações. Cada vez que escreveu um destes versos, fê-lo certamente pela voz da sua alma. Não titubeou, não andou para trás e para a frente, escrevendo e apagando palavras, tirando medidas à métrica ou ouvindo a sonoridade das rimas. Escreveu estes versos com o coração nas mãos, sem rodeios linguísticos, sem figuras de estilo e sem metáforas rebuscadas. Fez este livro, simplesmente porque tem alma de poeta.
Esta é a primeira leitura que faço da sua poesia, que venho conhecendo desce 24 de Agosto de 2013, quando ele se atreveu a ler um poema dedicado aos seus camaradas limianos mortos ao serviço da Pátria durante a Guerra do Ultramar. Bem me lembro da emoção que as suas palavras e a sua poderosa voz provocaram na assistência!
O seu convite para prefaciar este livro foi uma grande surpresa e é uma enorme honra. Ele sabe que a minha competência literária é nula, mas tenho a certeza que o fez por via da grande amizade que nos une e pela sua admiração pelas minhas crónicas no semanário “Cardeal Saraiva”. E eu aceitei o convite por causa da mesma amizade e porque reconheço a espontaneidade com que escreve os seus versos. Sinto a sua poesia como uma entidade que me é extremamente familiar, tanto pelo seu conteúdo como pela forma como a deixa fluir. Quase diria que Júlio Vilar se limita a ouvir a voz da alma, passando ao papel aquilo que ouve, sem modificações estilísticas. Por isso é poeta. Um poeta puro!
Alguns críticos poderão comparar a poesia do Autor com a obra naïf de um pintor que não passou pelos bancos das Belas Artes, ou que simplesmente pôs de parte as regras académicas, e que cria os seus quadros à base de elementos simplistas, cores primárias e genuína espontaneidade. Se essa comparação for possível, estaremos na presença de um artista que usa de forma superior as imagens do quotidiano, pintadas com as vibrações da sua alma, numa arte primitiva que é directamente proporcional à sua sensibilidade lírica. A sua poesia é criatividade autêntica, consequência dos gritos da sua alma, carregada de inquietação, de incerteza e de solidão. Sob o ponto de vista estético é pura expressão de liberdade, porque não segue cânones académicos. É poesia bruta, pura, não contaminada por exigências melódicas que as sílabas poéticas determinam, mas que os versos da alma nem sempre toleram. Por isso considero a poesia do Autor como a expressão espontânea da sua sensibilidade, verdadeiramente a voz da sua alma.
Em diversos poemas deparamos com o seu amor à esposa, descrito no pranto em que a sua vida se transformou por não poder ver no seu rosto a alegria e o sorriso de outrora.
Noutros fala do seu amor ao pai que não conheceu e da tristeza por nunca ter ouvido um ralhete dele, ou um conselho.
Em Primavera descreve a alegria que sente por ver as plantas a florir e as andorinhas a chegar, pinta o azul do céu e faz-nos cheirar os aromas dessa estação. Estas são algumas das entidades familiares que atrás referi, primárias na sua essência, mas suficientemente pictóricas para nos impregnarem do lirismo do autor.
O seu amor ao Rio Lima atinge uma manifestação extrema em Para o dia mais certo da minha vida, ao pedir que, quando chegar o seu dia, as suas cinzas sejam nele lançadas:… e quero q’este meu rio, que um dia me viu nascer, me leve em seu leito frio, devagar, sem correria, a ver a Madalena e Santo Ovídio, e a Senhora d’Agonia.
As preocupações sociais de Júlio Vilar aparecem transversalmente em toda a obra, quando se mostra inconformado com os pobres, sem lar, sem pão, que sofrem. Tu, ouve aqueles que ninguém ouve!
A diversidade dos temas tratados nestes versos é, por si só, também admirável: a feira quinzenal de Ponte de Lima, as Feiras Novas, a Fonte da Vila, o Natal, as saudades de sua Mãe, os passeios a revisitar a sua vila, os seus amigos, os seus amores, a sua vida de combatente na Companhia de Artilharia 1769, a sua vida profissional nos CTT, o menino que se fez homem e morreu na guerra, etc.
O Autor abre o seu coração e pela voz da alma confessa-nos o seu Pressentimento de que algo lhe vai acontecer. Fala-nos do seu Desassossego, por ir mesmo morrer sem ver a paz de novo nascer. Diz-nos que está Só, sentindo-se perdido na floresta, no meio do nevoeiro ou no meio da noite escura, sempre à procura do Meu caminho, da estrela da minha vida.
Ao ler as quadras sobre uma rosa, pensei de imediato na luta que sua esposa trava diariamente pela conservação do dom da vida, alegoria que o Autor escreveu da seguinte forma: Esta rosa tem idade, mas vai lutando e vivendo, segurando com tenacidade as pétalas que vão morrendo. Ao ver sua valentia em não se deixar abater, é como uma sinfonia, que nos diz para viver.
Sinto que Júlio Vilar nos poderá surpreender com obra futura, porque ser-lhe-á muito difícil calar a voz da sua alma de poeta.
Exprimo aqui os meus sinceros parabéns por estes seus poemas e a minha gratidão pelos sentimentos que fez despertar na minha alma.
Sabadão, 22 de Setembro de 2018.
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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