«É preciso avisar toda a gente
Dar notícia informar prevenir
Que por cada flor estrangulada
Há milhões de sementes a florir
É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
de uma força que nada detenha
É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta
É preciso avisar toda a gente
transmitir este morse de dores
é preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores»
“É preciso avisar toda a gente”, também conhecido por “A Luta Necessária”, “Urgente… Mais Flores” e “Juventude”, é um dos mais cantados poemas de intervenção do período anterior ao 25 de Abril, da autoria de João Apolinário, um poeta, jornalista e crítico de teatro pouco conhecido dos limianos, apesar de ter vivido em Ponte de Lima durante cerca de oito anos.
Publicado originalmente no livro de estreia do poeta Morse de Sangue (Edição do Autor, Porto, 1955), precisamente no período em que João Apolinário viveu em Ponte de Lima, este poema foi musicado por Luís Cília e publicado no seu disco “La Poésie Portugaise de nos jours et de toujours” n.º 1, editado em França, em 1967, e em Espanha, em 1968.
Mais tarde, “É preciso avisar toda a gente” foi igualmente musicado pelo então Padre Fanhais, uma das mais activas vozes dos católicos progressistas portugueses, e marcou a sua estreia pública como cantor, em 1969, no célebre programa de televisão Zip-Zip, realizado por Luís Andrade e apresentado por Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Esta versão, com o título de “Juventude”, foi editada num EP sem título publicado pela prestigiada editora discográfica Orfeu logo após a participação de Francisco Fanhais no Zip-Zip. A actividade musical e política que a partir daí Fanhais desenvolveu juntamente com outros cantores de protesto valeu-lhe a interdição do sacerdócio, a expulsão do ensino e o exílio em França, a partir de 1971, país onde Luís Cília já se encontrava exilado desde 1964.
Luís Cília musicou ainda os poemas de João Apolinário “Recuso-me”, gravado igualmente no disco “La Poésie Portugaise de nos jours et de toujours” n.º 1, e “Sei que me esperas”, gravado no disco “Contra a ideia da violência a violência da ideia”.
João Apolinário, de nome completo João Apolinário Teixeira Pinto, nasceu na freguesia de Belas, concelho de Sintra, a 18 de Janeiro de 1924. Fez o ensino primário na freguesia de Lebução, em Trás-os-Montes, e concluiu o ensino secundário em Lisboa, onde frequentou o Colégio Valsassina e o Liceu Camões.
Tendo concluído o Curso de Direito em 1945, com 21 anos de idade, depois de ter frequentado as Universidades de Coimbra e de Lisboa, optou pelo jornalismo, seguindo nesse ano para Paris como correspondente da agência de informação espanhola Logos, fundada em 1929 no âmbito do Grupo EDICA (Editorial Católica), agência que desempenhou até 1988 um importante papel na difusão de informação não só junto dos jornais de inspiração católica, como o diário El Debate, mas também junto de outras agências de informação então existentes em Espanha, nomeadamente as agências estatais EFE e Pyresa e as agências privadas Fiel e Mencheta.
Apesar da Segunda Guerra Mundial ter terminado no ano em que chegou a Paris, João Apolinário viveu ainda os últimos tempos deste conflito militar global, presenciando a devastação causada pelas forças em conflito e os horrores dos campos de concentração, que o marcaram profundamente. Ainda em Paris, teve oportunidade de frequentar a Sorbonne e de conhecer figuras maiores da Cultura francesa, como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Marcel Marceau e Édith Piaf, entre outras.
De regresso a Portugal, João Apolinário conheceu em Lisboa Maria Fernanda Gonçalves Talline Carneiro, natural da freguesia de Arcozelo, concelho de Ponte de Lima, onde nascera a 16 de Julho de 1924, e com quem viria a casar-se em 23 de Março de 1949.
Após o casamento, João Apolinário e Maria Fernanda passaram a viver em Arcozelo, onde nasceram os dois filhos do casal, João Ricardo Carneiro Teixeira Pinto e Maria Gabriela Carneiro Teixeira Pinto, que viriam a seguir brilhantes carreiras profissionais no Brasil: João Ricardo, como compositor, cantor e fundador dos Secos & Molhados, grupo brasileiro de grande sucesso na música popular daquele país dos anos 70, de que Ney Matogrosso foi o primeiro vocalista e de que João Apolinário foi empresário; e Maria Gabriela, como docente universitária, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Segundo testemunho de João Ricardo, disponível neste Portal Cultural, sua mãe “saiu de Ponte de Lima para estudar na cidade de Lisboa, onde conheceu o poeta João Apolinário que, apaixonado, largou tudo na capital portuguesa para seguir seu grande amor e viver com ela em Ponte de Lima”.
Desse período, destaca-se a participação de João Apolinário no grupo de intelectuais reunidos por Manuel Breda Simões no Instituto Francês, no Porto, em Novembro de 1950, que estiveram na origem da criação do Círculo de Cultura Teatral e, no seu âmbito, do Teatro Experimental do Porto (TEP), companhia que teve em António Pedro o seu primeiro director de referência, entre 1953 e 1961, e que deu um contributo relevante para a mudança do teatro em Portugal.
Em 1958, João Apolinário mudou-se para o Porto com sua mulher Maria Fernanda e os dois filhos, onde viveram durante cerca de seis anos, período em que desempenhou o cargo de Secretário da Delegação do Porto da Associação Portuguesa de Escritores, durante a presidência de Aquilino Ribeiro.
Perseguido e preso pela PIDE, João Apolinário partiu para o exílio, no Brasil, em Dezembro de 1963, fixando-se na cidade de São Paulo, onde encontrou emprego no jornal Última Hora, publicação com vínculos à classe operária e a movimentos da esquerda nacionalista. Cerca de três meses mais tarde, em 28 de Março de 1964, a família ficaria novamente reunida, com a chegada a São Paulo de sua mulher Maria Fernanda e dos dois filhos, João Ricardo e Maria Gabriela, com 14 e 12 anos de idade, respectivamente.
Durante os anos em que permaneceu no Brasil, João Apolinário distinguiu-se como redactor, colunista, crítico de teatro e editor de Artes daquele jornal, tendo contribuído de modo determinante para a renovação do teatro brasileiro, nomeadamente através da sua acção como Presidente da APCT – Associação Paulista de Críticos Teatrais, cargo que assumiu em 1972.
João Apolinário regressou a Portugal após o 25 de Abril, em 1975, tendo residido entre 1980 e 1988 na vila de Marvão, numa casa adquirida à poeta Fernanda de Castro, na qual faleceu a 22 de Outubro de 1988, com 64 anos de idade, depois de ter visitado Ponte de Lima por diversas vezes.
Depois de Morse de Sangue, João Apolinário publicou O Guardador de Automóveis (Edição do Autor, Porto 1956), paráfrase de O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro (v. Fernando Pessoa); Primavera de Estrelas (Edição do Autor, Porto 1961); Apátridas (Editorial Nórdica, Rio de Janeiro, 1975).
Em Janeiro de 1978 publicou O Poeta Descalço (Editorial Fronteira, Amadora), livro que reúne num só volume a sua obra poética até então produzida, incluindo poemas inéditos escritos em São Paulo, entre 1963 e 1975, e que obedece a uma trajectória autobiográfica configurada na seguinte cronologia:
I - Adolescência (Os Anos 30 / 40): 16 anos;
II - Juventude (Os Anos 40 / 50): 26 anos;
III - O Homem (Os Anos 50 / 60): 36 anos;
IV - Exílio (Os Anos 60 / 70): 46 anos;
V - Maturidade (Os Anos 60 / 70): 51 anos.
Posteriormente, publicou Poemas Cívicos (Editorial Fronteira, Amadora, 1979), Amor fazer Amor: Crónica dos Amantes em Geral (Editora Forja, Lisboa, 1980) e Eco Humus Homem Lógico (Editora Forja, Lisboa, 1981). Nos últimos anos de vida escreveu ainda Sonetos Populares Incompletos, obra ainda inédita.
Em prosa, João Apolinário deixou-nos dois livros sobre teatro: Arte de Dizer – Iniciação à prática do Teatro 1 (Edição do GTM – Grupo de Teatro Moderno, Porto, 1961), um pequeno manual escrito com o objectivo de “indicar os meios fundamentais de que devem servir-se todos aqueles que procuram dizer bem, alcançando uma técnica elementar, indispensável e utilíssima para os iniciados na arte de representar”; e Início de uma Prática de Teatro (Edição do GTM – Grupo de Teatro Moderno, Porto, 1961). Deixou-nos ainda o livro de reportagens Portugal - Revolução Modelo? (Editorial Nórdica, Rio de Janeiro, 1974).
Mais recentemente, em 2013, foi editada no Brasil, em dois volumes, A Crítica de João Apolinário: Memória do Teatro Paulista de 1964 a 1971, que reúne a crítica de teatro produzida e publicada por João Apolinário no jornal Última Hora, obra organizada por Maria Luiza Teixeira Vasconcelos, sua segunda mulher.
Depois das versões musicadas e gravadas por Luís Cília e Francisco Fanhais de “É preciso avisar toda a gente”, este poema foi igualmente musicado por João Ricardo e gravado pelo Grupo Secos & Molhados, com o título “Urgente… Mais Flores”, tal como viria a acontecer com os poemas de João Apolinário “A Primavera nos Dentes”, “Sei (Eu sei)”, “Doce Doçura”, “Os Metálicos Senhores Satânicos”, “Minha Namorada”, “Angústia”, “Voo”, “Flores Astrais” e “Amor”.
Na opinião do escritor e crítico literário Serafim Ferreira (1939-2015), “a obra poética de João Apolinário revela o itinerário pessoal de um poeta que sempre soube estar comprometido nas formas de expressão que acompanharam o caminho renovador da poesia dita «neo-realista» dos anos 50, ou seja, de uma «segunda vaga» de poetas que, prolongando os caminhos abertos alguns anos antes, testemunharam de modo diferente o mesmo grito de protesto e de resistência, corajosa e lúcida, contra o fascismo salazarista”.
Significativo é também o testemunho do jornalista, actor e dramaturgo brasileiro Oswaldo Mendes, que conviveu com João Apolinário na redacção do jornal Última Hora, durante cerca de cinco anos: “Poeta, ele me ensinou a olhar a vida com a paixão das santas utopias. Poeta, ele me ensinou a buscar o rigor e a insatisfação sem abdicar da coerência e da autocrítica permanente. Poeta, ele me ensinou a perseguir, como queria Brecht, o sonho possível de um dia ver o Homem amigo do Homem. João não viu esse dia. Certamente eu também não o verei. Mas ele me ensinou a acreditar. Só assim vale viver. E foi assim que ele viveu e me ensinou a viver”.
In: O Anunciador das Feiras Novas n.º 35, de 2018
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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