Depois de me interessar pela temática da Inteligência Competitiva (IC), é fácil apercebermo-nos que a espionagem governamental é muito mais comum. Compreende-se, considerando que a IC tem a sua origem em atividades de inteligência militar do general chinês Sun Tzu, que descreveu as suas crenças militares no livro do séc. IV a.C., “A Arte da Guerra”.
De acordo com este livro, “aquele que conhece a si mesmo e ao inimigo, jamais correrá perigo, mesmo que enfrente cem batalhas; aquele que conhece a si mesmo, mas não conhece o inimigo, pode ganhar ou perder; e aquele que não conhece a si mesmo e nem ao inimigo, está destinado ao fracasso”.
Séculos depois, na Idade Média, Gêngis-Khan, chefe tribal mongol que conquistou a maior extensão de terras contínuas da história, englobando a Ásia Central, Afeganistão e Pérsia, utilizava agentes de Inteligência para conhecer o ambiente que iria conquistar e as defesas das quais estes ambientes se serviam, adquirindo informações dos mercadores, viajantes e comunidades locais.
Na Idade Moderna, na qual se foram articulando os exércitos e estados modernos, a atividade de Inteligência passou a ser desenvolvida de modo generalizado. Estabeleceu-se a prática de troca de embaixadores entre os principais Estados da Europa, com o objetivo de obter informações estratégicas e conhecimento explícito sobre os possíveis inimigos e concorrentes económicos. Neste contexto, é criado, em 1568, o primeiro Serviço de Inteligência organizado que se tem memória, pelo Secretário de Estado e Chefe do Serviço de Espionagem da Rainha Elisabeth I, da Inglaterra, Sir Francis Walsingham.
Apesar do trabalho de Sir Francis ter sido repetido e aprimorado por outros Estados, ao rebentar a I Guerra Mundial (1914-1919), apenas a Inglaterra possuía um Serviço de Inteligência Estratégica adequadamente organizado, e por esta razão, beneficiou com a descoberta dos códigos alemães de comunicação naval, com a rebelião das tribos do Oriente Médio contra os turcos, incitadas por um oficial de inteligência inglês, e pela neutralidade de países estrategicamente localizados, como Suécia, Noruega, Holanda e Suíça.
Durante a II Guerra Mundial (1939-1945), os serviços de inteligência dos Estados travaram uma verdadeira batalha paralela e complementar às operações militares, ocasião em que Richard Sorge, espião da antiga União Soviética, informou aos seus controladores, com absoluta precisão e com seis semanas de antecedência, a invasão do país pelos alemães.
Durante a “Guerra Fria” (1945-1989), que deu razão a uma preocupação constante com o inimigo externo, consolidou-se a atividade de inteligência militar estratégica, caracterizada por estruturas que utilizam métodos e técnicas destinadas a analisar peculiaridades, tendências e aspetos da personalidade dos inimigos, objetivando o levantamento das suas reais intenções e vontades, com a sua atual posição de prestígio.
Mas foi a disputa crescente no mundo dos negócios e o aperfeiçoamento da inteligência económica, desenvolvida por economistas e administradores para anteciparem e enfrentarem a instabilidade, a incerteza e a ambiguidade dos mercados internacionais, e dos ambientes nacionais e internacionais de um modo geral, que deu origem, a partir das décadas de 1960-1970, a uma nova conceção da Inteligência que deveria proporcionar vantagem competitiva aos setores de interesse de uma organização. Com essa nova conceção, chamada de Inteligência Competitiva, abriram-se novas perspetivas de desenvolvimento das antigas práticas de inteligência, devidamente adaptadas ou com metodologias mais adequadas ao ambiente empresarial/organizacional e à evolução tecnológica.
As primeiras instituições a adotarem a Inteligência Competitiva foram as grandes empresas anglo-saxónicas, britânicas e, sobretudo, americanas, que criaram departamentos de inteligência de marketing, com expressivo foco na concorrência e, muitas vezes, na espionagem industrial.
Progressivamente, a prática da Inteligência Competitiva desenvolveu-se nas empresas com objetivos ainda voltados para a monitorização da concorrência, mas desta vez, para ser utilizada como base para o processo de tomada de decisão e planeamento estratégico.
A tendência, para o futuro próximo, é reduzir o foco na concorrência e ampliar o foco no ambiente interno e externo às organizações, gerando valor para os tomadores de decisão; dando suporte para que a organização não fique vulnerável a surpresas estratégicas, em função de baixo conhecimento sobre a realidade; e evoluindo a Inteligência Competitiva para Inteligência Estratégica que, para alguns estudiosos representa a real intenção dos idealizadores da Inteligência Competitiva (que é competitiva, e não concorrente).
Verifica-se que o tema – espionagem corporativa – é pouco explorado em cinema relativamente à espionagem governamental. Assistir a filmes sobre Inteligência privada e espionagem industrial ajuda a ter insights para nos proteger dos adversários, afinal, o orçamento é cada vez menor e a cobrança por resultados cada vez maior. O profissional da indústria privada ganha pelos resultados, logo, precisa conhecer o mercado e a concorrência.
A partir da visão dos profissionais de Inteligência, esses filmes chamam a atenção para estratégias dos profissionais de Inteligência privada contratados por diretores, gestores, tomadores de decisão das organizações. Também mostram materiais práticos, equipamentos e técnicas de espionagem industrial. A espionagem industrial é muito comum no meio corporativo, um aspeto marcante da guerra económica.
Assim, compreendemos a Inteligência Competitiva (IC) como uma abordagem pró-ativa, oportunista e prospetiva, que consiste em estrategicamente procurar e analisar informações do mercado e da organização, identificando ameaças e oportunidades. Permite identificar blindspots (pontos cegos) nas necessidades dos consumidores, nas ações dos concorrentes e no futuro do mercado, aliando-se às capacidades da estrutura e traduzindo esse conhecimento em estratégias de curto, médio e longo prazo. Não é apenas uma estratégia defensiva para antecipar ameaças no mercado, também é uma forma de identificar oportunidades, novas ideias de negócios e novas formas de regenerar a organização ou companhia.
IC não se associa puramente ao estudo da concorrência, abrange outras áreas como produtos, consumidores, colaboradores, marketing, etc. Ou seja, compreende todo o ambiente competitivo e não apenas os concorrentes. Não é apenas um estudo de mercado, mas um programa que a organização deve adotar de forma a obter informação estratégica, imparcial, mensurável, acionável e, acima de tudo, reproduzível.
Trata-se de um processo contínuo de desenvolvimento de conhecimento holístico sobre a envolvente externa, particularmente a cadeia de valor da organização, concorrendo para a aprendizagem cumulativa. O objetivo final é conceber ideias de negócio, simplificar o processo de tomada de decisão, reduzir o tempo de reação ao mercado e disseminar inteligência pela estrutura, por forma a ganhar uma vantagem competitiva no mercado.
O âmbito de atuação da IC pode ser distribuído na seguinte forma:
A abordagem de aquisição de inteligência deve ser feita ao longo de toda a cadeia de valor incluindo fornecedores, concorrentes e consumidores, e segundo vários âmbitos. Os grupos de interesse englobam todas as organizações fora da cadeia de valor, mas potencialmente ligadas à mesma, como parceiros, universidades, entidades reguladoras e legais, entre outras. É igualmente necessário incluir tendências gerais de mercado ou temas críticos que prevaleçam para o negócio, como fatores macroeconómicos, evolução tecnológica e mudanças legislativas.
As organizações que investem em programas de IC estarão melhor preparadas para liderar no mercado globalizado, pois a informação fornecida permite atuar em várias áreas. As áreas que beneficiam de um programa sólido de IC são, principalmente, as de Marketing e Estratégia, como é o caso dos processos de definição de estratégias de preço, de mercado, na preparação de fusões ou aquisições. O papel da IC é ainda crucial nas áreas de I&D e criação de novos produtos, laborando estreitamente comas áreas de Inovação, fruto das tendências identificadas, do estudo aos consumidores e concorrentes, ambicionando a criação de blue oceans (oceanos azuis).
A integração da Inteligência Competitiva
No que respeita a IC, a maturidade das organizações, pode ser traduzida pelo grau de interpretação e utilidade dada à informação recolhida, uma vez que a inteligência é a aplicabilidade do conhecimento, que por sua vez é a interpretação da informação:
A criação de IC por si só não eleva a organização a um novo patamar. Esta inteligência deve ser ininterruptamente ligada à estratégia organizacional e valorizada pela gestão de topo, para que se regenere de forma constante (Fahey, 2007). Deve ainda ser combinada com Inteligência Organizacional para que a estratégia desenhada seja coerente com o ADN da organização.
A par desta junção de conceitos, a inovação também faz parte desta etapa, por ser um industry push (instrumento de criação de valor). Hoje as organizações constatam a necessidade de desenvolver a sua Inteligência Competitiva, como testemunhou a press release de Market Wired:
“1000 das maiores empresas americanas pretende aumentar de $1 bilião para $10 biliões o seu investimento em atividades de Inteligência Competitiva, até 2012. Há 10 anos atrás este investimento era nulo, sendo que a maioria dos investimentos estava apenas associado a estudos de mercado e planeamento estratégico.”
Um estudo feito pela Competitive Intelligence Foundation (Fundação de Inteligência Competitiva, 2006) indica que IC produz resultados ao nível de: aumento das receitas; novos produtos ou serviços; redução de custos; redução de tempo; aumento dos lucros; e alcance de objetivos estratégicos. Ou seja, IC compreende um conjunto de estratégias que se traduz em benefícios, nas seguintes dimensões:
1. Antecipação de oportunidades, tendências de mercado, e futuras ameaças;
2. Fonte de ideias de negócio e criação de blue oceans;
3. Apoio na tomada de decisão, reduzindo o tempo de reação ao mercado;
4. Aumento das competências analíticas da organização;
5. Identificação, gestão e redução do risco;
6. Tradução do conhecimento em valor acrescentado para todos os níveis da organização, de forma sincronizada;
7. Não estar exposto a blindspots;
8. Aumento dos horizontes estratégicos;
9. Percepção das atuais e futuras necessidades dos consumidores.
Ram Charan aborda as competências para um líder se tornar bem-sucedido:
1. Competência para (re) posicionar os negócios;
2. Aptidão para reconhecer mudanças externas;
3. Inteligência para orientar o sistema social interno;
4. Capacidade para avaliar os recursos humanos;
5. Cubagem para conceber equipas produtivas;
6. Compor metas, considerando as contingências da estrutura;
7. Instituir prioridades com exactidão;
8. Saber lidar com as tensões sociais.
Se, Inteligência Competitiva é a recolha e a análise de informações, sobre a concorrência ou tendência geral dos negócios para uma tomada de decisão, alinhar as competências descritas por Charan (Doutor por Harvard) ao perfil do profissional de IC parece ser cada vez mais fundamental. Defronte de um ambiente de negócios que muda velozmente, o profissional de IC precisa ajudar os líderes da sua organização com informações, análises e recomendações cada vez mais consistentes.
Foi durante a época em que frequentei o Mestrado em Inteligência Competitiva que surgiu a ideia de escrever o livro Inteligência Competitiva em português, após a dificuldade sentida nas pesquisas em encontrar algo sucinto e compilado que resumisse as bases de atuação dos profissionais da IC.
Conceição Gonçalves, a primeira Mestre em Inteligência Competitiva (2012) em Portugal publicou o seu primeiro livro em julho 2016, uma edição da Chiado Editora em papel e em digital em co-autoria com o colega de curso Malta Coelho que terminou o Mestrado no ano seguinte.
Conceição Gonçalves, é natural e residente em Ponte de Lima, licenciou-se em Motricidade Humana mas a opção laboral na Administração Pública fê-la procurar outros caminhos académicos que correspondessem à sua atuação profissional e a levassem a ser mais pró-ativa, competente e competitiva.
O pequeno livro, quase de bolso, considerado, apresenta-se como um suporte documental prático de leitura rápida e de fácil acesso e compreensão, onde é capaz de resumir as principais bases de referência no domínio da inteligência competitiva e de colmatar a ausência de bibliografia em português sobre a temática para atuação de profissionais e demais interessados por se apresentar como modelo capaz de auxiliar na produção de informação para a melhor tomada de decisão.
O livro começa por abordar conceitos relevantes e diversos modelos para análise do macro ambiente onde a organização atua definindo um ciclo de processos que levam à melhor tomada de decisão com menor risco, como contributo para fomentar a competitividade.
Não foram esquecidas as tecnologias que suportam o processo de inteligência competitiva nas suas diferentes fases. O mercado é instável, as transformações galopam, o tempo para decidir é cada vez mais curto, é preciso acompanhar o ritmo alucinante e gerir a incerteza do ambiente competitivo, sabendo ler e interpretar o futuro dos mercados.
Quiseram os autores demonstrar o potencial da IC, qual a importância de integrar IC nas organizações de forma a ajudá-las a desenvolver estratégias mais acertadas tendo em conta os seus objetivos, facto que se pode conceber com a integração da IC no planeamento estratégico, será uma forma de posicionar a entidade um passo à frente da concorrência, que percebendo os sinais de mudança, consegue adaptar-se à realidade.
A rápida evolução traz a necessidade às organizações de incorporar profissionais um passo à frente no conhecimento, nos seus quadros. Isto é possível com especialistas em IC, que com o tempo será uma nova profissão a considerar em Portugal.
Estes profissionais conhecem técnicas para reunir informações da concorrência e dos mercados para levar a entidade competir eficazmente;
Conseguem antecipar o que sabem os clientes, logo o que vai influenciar as suas decisões na escolha;
Sabem quando antecipar ações e reacções da concorrência e como potenciar a capacidade de tomar decisões estratégicas;
Identificam as diferentes estratégias, aplicam a mais adequada para garantir o sucesso.
Não podemos esquecer os fatores tempo e qualidade, a sua falta não pode ser tolerável para haver rigor e organização nos processos e decisões, são componentes dinâmicas, apontam para o futuro: Visão, sem esquecer o feeling, aquilo a que chamamos o sexto sentido.
Utilizar o pretexto: sempre se fez assim é sinónimo de incapacidade para se tornar melhor, limita no tempo, anuncia a morte. É preciso enraizar uma cultura organizacional estruturada.
Os profissionais de IC têm um papel preponderante em provocar a mudança nas mentalidades e pode começar dentro das organizações, porque não?! Os bons exemplos devem ser seguidos! Perceber as boas práticas e fazer um caminho com distinção e qualificação é o que nos vai levar a enfrentar o futuro sem dificuldades.
Só quem tem a capacidade de se adaptar consegue (sobre) viver, os restantes vão ficar nas lamentações. Com conhecimento e criatividade não perderemos o futuro. O foco é promover um avanço global da circulação do conhecimento dentro da organização.
É ligar o radar, monitorizar o que está a acontecer e antecipar a mudança.
E foi neste propósito de ausência de um suporte documental prático, que surgiu a ideia deste livro que se apresenta como um guia acerca da produção da informação para a melhor opção na tomada de decisão, de acesso fácil e onde resume as principais bases de referência para atuação dos profissionais de IC.
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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