Momentos de vivência com o Carlos Miguel – Testemunho de Rui de Abreu de Lima

 

Momentos de vivência com o Carlos Miguel – Testemunho de Rui de Abreu de Lima



Rui de Abreu de Lima



Falar sobre o meu primo-irmão Carlos Miguel (assim é tratado familiarmente) é difícil, depois do muito que já se disse e escreveu sobre ele. Torneando este obstáculo, recordarei momentos do nosso convívio.

Era costume todos os domingos a família, e não raro algum sacerdote amigo, almoçar em casa de uma minha tia-avó, que morava num belíssimo edifício junto ao Jardim, de Viana, hoje devoluto, depois de aí ter funcionado o Tribunal de Trabalho. Feita com dinheiros vindos do Brasil era uma casa lindíssima, com algumas paredes pintadas a escariola, que imitavam perfeitamente o mármore. Mas o local das nossas brincadeiras era um longo corredor envidraçado (cujos restos ainda hoje se podem ver do quintal do centro de diagnóstico) onde, contra a parede, o meu primo alinhava um exército de soldados em cartão, com vistosas fardas coloridas, e fazia manobras que me espantavam. Andaria eu pelos quatro-cinco anos quando a velha tia morreu e, pouco tempo depois, os meus tios e primos mudaram-se para Lisboa. Passaram-se anos sem os ver e dos soldadinhos ficou-me, apenas, a memória e o desejo que tinha de os possuir.

Já rapazote o Carlos Miguel fez uma visita breve à sua terra natal. Vinha de ter estado em Paris e de ter vivido o maio de 78. Com ele trazia algumas das fotografias que fizera, e delas conservo duas que me ofereceu e que guardo, pois fascinaram-me tanto como os soldados de cartão.

Voltamo-nos a separar por uns anos, até que foi a minha vez de vir à conquista de Lisboa. Os meus bondosos tios acolheram-me uns meses em sua casa, dormindo no quarto do meu primo, mas o desencontro de horários tornava muito breves os nossos encontros, tanto mais que ele tinha uma atividade frenética, desdobrando-se entre emprego, tertúlias de amigos, atividades monárquicas, eu sei lá que mais. De vez em quanto aparecia em casa com um amigo (O padre António Ribeiro, depois Cardeal Patriarca, Watanuqui, pintor japonês, ou Heike Shenke, outro pintor, ou o impagável P.e. Freitas). Com facilidade fazia novas amizades, sempre com a gastronomia a justificar encontro de grupos, por lugares que descobria, logo ganhando fama.

Já não morava com eles e uma vez telefonou-me a perguntar se queria ir com um grupo jantar a uma tasca de Alfama. E lá fui eu com mais uns quantos, até a uma casa, de que já esqueci o nome, com reservados em madeira pintada de creme e um quintal com parreira onde, ao fundo, se criavam os coelhos, que a dona cozinhava de forma divinal. A terminar a noite veio um fadista, cantor de rua, cuja voz a todos surpreendeu. Ainda me lembro que do grupo faziam parte o Reitor do Liceu Francês e a sua Esposa, os Pequito Rebelo, a Maria de Lurdes Modesto e outros de nome que já esqueci. Embora fosse o mais novo que todos, fui aparecendo para as jantaradas que, entretanto, se mudaram para o “Pereira” onde, com o café, se bebia bagaço au glassé, isto é, uma belíssima aguardente minhota, posta no frigorífico dentro de um bambu.

Destas noites de Alfama recordo uma, de S. Pedro, em que resolveu ir comemorá-lo para o típico bairro. Era um dia de semana e, quando chegamos, não havia viva alma na rua. Como se falasse alto devemos ter despertado uma moradora, que abriu o postigo da porta para ver o que se passava. Reconheceu o Carlos Miguel e, num instante, apareceu um fogareiro, sardinhas, outros moradores que se juntavam e fez-se a festa, ao som de uma harmónica bocal, que durou até às tantas. Foi o mais memorável S. Pedro que recordo!

E sempre, sempre (como hoje ainda) o Carlos Miguel a dinamizar grupos e a fazer amigos!

Estes anos já vão longos e esta escrita também, pelo que é tempo de a finalizar, pois já cumpri a promessa de relembrar alguns dos momentos de vivência com o Carlos Miguel, meu muito estimado primo-irmão.

Janeiro de 2019

 

Rui de Abreu de Lima

Rui de Abreu de Lima é licenciado em Direito. Trabalhou em duas empresas do grupo Sacor, foi secretário-geral do SNTD e terminou a sua carreira profissional na FIL, onde foi chefe de serviços de publicidade e imprensa, subdiretor do Centro de Congressos e diretor de Feiras.

Atualmente desenvolve duas atividades pro bonu: na A. P. de Consultores Seniores e em duas universidades para a terceira idade, onde leciona.

Desde muito cedo interessado pelo jornalismo, tem dezenas de colaborações dispersas por jornais e revistas, quer nacionais quer regionais, e várias participações regulares em programas radiofónicos.

Apaixonado pela Cultura Popular Portuguesa, entre os livros publicados contam-se sete dedicados a esta temática. Foi comissário geral das cinco edições da “Lisboa Capital do Artesanato” e representante português junto da EU, participando em inúmeros colóquios, debates e conferências, em Portugal e no estrangeiro, e nos dois primeiros Congressos Europeus de Artesanato.

 

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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