Manuel Aurora, O Menino o Homem e o Rio

 

Manuel Aurora, O Menino o Homem e o Rio

 

Yvette Centeno

 

Perto das férias de Verão, com mais tempo para ler, a minha proposta é que se escolham livros de História, Biografias ou Autobiografias, Memórias – algo que tenha a ver com uma transmissão que ajude a recordar o que foram determinados tempos, as pessoas e as suas circunstâncias, na aventura sempre apaixonante da vida.

Escolhi desta vez uma autobiografia, a de Manuel Aurora, por várias razões: fala de si com muita simplicidade, descrevendo como nasceu e onde, como cresceu, que educação recebeu, e de que modo a sua vida primeiro se integrou e depois, por assim dizer, se desintegrou nos tumultos variados do PREC (Processo Revolucionário Em Curso, como foi designada a tentativa de conquista do poder pelos comunistas a seguir à Revolução de Abril).

Manuel escreveu como quem fala, à noite, à roda de uma mesa de família ou de amigos, contando como faziam os antigos contadores de estórias.

Diz dessa autobiografia que foi "romanceada": mas o artifício serviu apenas para encobrir os nomes verdadeiros das pessoas com que se cruza, ao longo dos anos de outrora e de agora; de resto podemos considerar o seu relato o relato fiel de um homem que precisou de fazer um balanço de vida, o seu, para nessa espécie de espelho ver reflectido um país e os seus naturais, a evolução-revolução-degradação (ele assim entende o estado do país neste momento) as boas e más decisões tomadas por uns e por outros, as questões de lealdade, amizade e carácter – tudo o que ainda hoje se discute com paixão justificada, porque algumas desilusões, para quem teve esperança, foram demais.

Este é um livro cuja oralidade de estilo logo atrai.

 

O Menino, o Homem e o Rio.

Um livro escrito para os seus filhos, família, amigos e para aqueles leitores que tenham a curiosidade de saber como viveu quem de repente, nos piores momentos da Revolução de Abril, viu cerceados e perseguidos os seus direitos a um pensamento livre, ao exercício honesto da sua profissão, tendo de fugir para o Brasil com a família. Do Brasil, que ficou a conhecer como ninguém, temporária pátria de que nos fala ora com algum sentimentalismo ora com distanciado humor, são muitos os momentos que poderíamos escolher para dar a ideia do que ali o autor viveu: desde a marmita que leva para o almoço, num primeiro trabalho, até à quase orgíaca degustação de vinhos com um outro patrão que gostava de partilhar com ele as aparentes subtis apreciações que ia fazendo pela noite fora. E Manuel sem se coibir: se sabia o que dizer dizia, se não sabia inventava, e tudo para mais uma noitada de boa disposição (ou saudade adiada):

"A minha defesa era dissertar sobre o pouco que sabia de vinhos, misturando a conversa com a criação de cavalos lusitanos, passando pelo porco preto alentejano, e ao de leve sobre os rojões e as diversas formas de fazer bacalhau. Mais uma taça, e eu agora dissertava sobre a indústria têxtil do Norte ou sobre os vidros da Marinha Grande, e entretanto já havíamos passado pelos uísques, depois eram os champanhes e eu, quanto mais falasse menos conseguia beber. Pela meia-noite já estávamos nas despedidas à porta de casa, cada um com o seu copo na mão, a discutir, filosoficamente, se a Alice no País das Maravilhas era virgem ou atrasada mental..." (p.255).

Entre momentos dolorosos e momentos jocosos se vai estruturando uma narrativa que nunca deixa o leitor aborrecer-se, nem perder-se no caminho: o caminho de uma vida.

De regresso a Portugal, ainda que sem fazer acusações nem guardar ressentimentos, decidiu falar desses como de outros assuntos, sendo muito especialmente interessantes as descrições da cidade do Porto dos seus anos de menino, a cidade de Lisboa já dos anos 60, e a sua eterna pátria do coração, Ponte de Lima, com o seu rio e as muitas aventuras que as suas águas foram presenciando.

Rio que ele mantém vivo, a embalar-lhe o destino.

28 de Junho de 2009

Publicado em http://literaturaearte.blogspot.pt

 

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

Sugestões