Testemunho de António de Almeida Santos

 

Testemunho de António de Almeida Santos

Apontamento sobre o Dr. João Gomes de Abreu de Lima

 



António de Almeida Santos
Presidente da Assembleia da República de 1995 a 2002
Retrato a óleo – Colecção da Assembleia da República (Galeria dos Presidentes)



Fui contemporâneo em Coimbra, e mais do que isso colega no Curso de Direito, do Dr. João Abreu Lima.

Enfrentámos denodadamente as mesmas sebentas. Isso aproxima as vítimas. Mas, para além disso, ambos fomos, para a época, destacados desportistas. E o desporto gera amizades imorredouras.

Ideologicamente é que nunca pertencemos à mesma família política. Ele mais conservador, eu menos. Mas isso nunca impediu que fôssemos bons camaradas e íntimos amigos. Para uma sólida amizade contam mais as identidades do carácter do que os choques das ideias. E o Abreu Lima foi sempre – e assim se manteve quando os deveres profissionais passaram a sobrepor-se aos choques das ideologias – um carácter tão sólido e tão robusto como na juventude a sua compleição física o foi.

Eu demandei Moçambique, para ali exercer a profissão de advogado e lutar contra os agravos do mau colonialismo. Ele permaneceu preso às irresistíveis belezas da sua Ponte de Lima e da nossa Pátria comum.

Enquanto por África me perdi – melhor diria que me achei – poucas vezes contactámos. Mas após a libertação de Abril, voltaram a ser frequentes os nossos contactos, até porque ele viria a ser o primeiro Presidente da Câmara da sua terra, e depois seu Vereador da Cultura, além de Deputado à Assembleia da República, onde eu, como ministro de sucessivos governos, e depois também deputado, com frequência contactava com ele.

Quando deteve o pelouro da Cultura da Câmara de Ponte de Lima, promoveu e organizou nessa sua tão linda terra, que eu apaixonadamente tinha visitado como membro de organismos académicos da nossa Coimbra, e depois revi em campanhas eleitorais como membro do Partido Socialista, uma conferência. Recordo que além de mim convidou também o Prof. Dr. Adriano Moreira e o saudoso Deputado João Amaral, dois políticos aos quais me ligavam laços de grande admiração e amizade. Ao Prof. Dr. Adriano Moreira, dos dois o único vivo, ainda ligam. Ao João Amaral uma profunda saudade.

À conferência não faltou nível intelectual e político e, para mim, também afectivo. O ilustre Advogado José Pereira Fernandes, que teve a gentileza de me oferecer um exemplar da excelente revista, “Limiana” de seu nome, facultou-me a revisão da imagem de um outro grande amigo que a morte me roubou: o Embaixador Sá Coutinho, um dos mais brilhantes embaixadores do pós-25 de Abril e uma das mais cativantes personalidades que Abril me deu a conhecer e a estimar.

Devo a um erro involuntário do meu motorista o prazer que há não muito retirei de uma visita à Câmara Municipal de Ponte de Lima. Cheguei à porta do edifício da Câmara no terminal de uma boa soneca e, ainda meio estremunhado, entrei pelo edifício adentro, para afinal concluir que não era aquele o meu destino, mas sim Ponte da Barca. Foi fácil corrigir o tiro, porque os edifícios das duas edilidades distam apenas escassos quilómetros. E vim assim a conhecer mais um simpático e inteligente Presidente do Município. Conversámos, ofereceu-me belíssimos livros ilustrados sobre a bela vila, e eu vim a “castigá-lo” com a oferta de alguns – só alguns, para não empanturrar! – dos muitos livros por mim publicados.

Posso agora registar o caso fortuito de um erro de que saí mais reconfortado e mais rico! Também os há.

Suspeito de que a agradável solicitação deste breve texto pelo Dr. José Pereira Fernandes tem como justificação o propósito de, num dos próximos números da Revista Limiana, invocar “defeitos” do meu colega e amigo João Abreu Lima. Mas não posso ajudá-lo. Só lhe conheço virtudes. Que são grandes e muitas. O João Abreu Lima é uma inteligência e um carácter. Um profissional brilhante. Um político exemplar, mesmo para os que dele discordam. E sobretudo um ser humano com um coração onde cabem todos os outros. Onde cabe o Mundo!

 

In: LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 35, de Dezembro de 2013

 

 

N. D.

O Dr. António de Almeida Santos faleceu a 18 de Janeiro de 2016, com 89 anos de idade, tendo-se distinguido como Advogado e Político.

Figura histórica do Partido Socialista, foi Deputado, Ministro de várias pastas desde o I Governo Provisório, Conselheiro de Estado, Presidente da Assembleia da República e Presidente do PS.

Foi ainda autor de mais de duas dezenas de livros de temática variada, da ecologia aos ensaios jurídicos e à política, tendo visto três das suas obras proibidas pela censura, antes do 25 de Abril.

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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