Testemunho de Francisco Maia de Abreu de Lima

 

Testemunho de Francisco Maia de Abreu de Lima

Assim fomos, assim somos

 



Francisco Maia de Abreu de Lima



Não foi possível resistir ao amável convite do director da revista Limiana para escrever sobre o meu Irmão João (João Gomes de Abreu de Lima).

Sei que me vou meter – como diz o adágio – numa “camisa de onze varas”. Na verdade não é fácil a ninguém – pelo menos comigo assim acontece – escrever sobre um irmão que é distinguido com uma homenagem. É que tudo o que se diga pode ser tomado quase como auto-elogio e Deus me livre de tal “pecado”!

Será fastidioso enumerar todas as facetas e actos do João. Limitar-me-ei a fazer umas rápidas – mas precisas – referências.

Meu irmão João é mais velho que eu oito anos e por essa razão a primeira imagem ou recordação que dele guarde perde-se na poeira do tempo. Recordo sim a viagem que fiz – com meus Pais – ao Colégio Nun’Álvares, em Santo Tirso, vulgarmente conhecido como Colégio das Caldinhas, quando aí o fomos visitar. Recordação muito ténue, muito imprecisa, de que apenas guardo o aspecto exterior do colégio e de uma pequena estatueta, sobre a mesa da entrada, que abanava a cabeça quando nela se depositava uma moeda. Que coisa mais bonita! Confesso o meu espanto.

O João foi – durante a sua permanência naquele colégio – um dos alunos mais distinguidos, como provam as inúmeras medalhas que, ao longo dos anos, lhe foram atribuídas e a permanência no quadro de honra.

A diferença de idades não facilitou grande convívio entre nós – ao pé dele eu era um “fedelho” – e apenas nas férias o João vinha a Ponte de Lima e por aqui gastava o seu tempo em convívio com os amigos que granjeou na escola do Padre Manuel (Passarinha).

A ida de toda a família para Coimbra – onde o João foi frequentar o curso de Direito – facilitou um maior contacto. Eu já não era o “fedelho” e o João chegou a ser meu encarregado de educação, função que exerceu com enorme satisfação minha, pois justificava, sem recriminação, as faltas (poucas) às aulas e não era muito exigente ao rubricar as minhas provas escritas. Foi tolerante com os meus estudos liceais e cúmplice com as minhas faltas. Tal não impedia que me desse bons conselhos.

Durante o curso de Direito – que complementou com o curso de Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras – dedicou muito do seu tempo livre à prática de desportos, onde atingiu elevado nível. Foi campeão nacional dos 400 metros, manteve durante muito tempo o melhor tempo dos 100 metros, foi considerado – a nível nacional – o melhor “sprinter”, distinguiu-se como bom jogador de voleibol e participou, com êxito, em vários desafios de râguebi. Foi, na verdade, um atleta de alto nível e de espírito desportivo exemplar.

Licenciado em Direito e já casado, fixou residência em Braga, onde exerceu funções de Subdelegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência. Não aqueceu o lugar, pois foi colocado como delegado do mesmo organismo no Funchal. Em visita àquela cidade – anos mais tarde – tive a oportunidade e o gosto de ouvir os maiores elogios pela forma como desempenhou aquele cargo e a preocupação social com que defendeu os trabalhadores, sobretudo os das empresas estrangeiras sedeadas naquela ilha, as quais não se podiam considerar como exemplo de boas práticas sociais e que, até então, eram consideradas quase intocáveis.

Regressado a Lisboa para desempenhar elevadas funções no então Ministério das Corporações e Previdência Social teve que – por desentendimento com o respectivo Ministro – as abandonar com grande contrariedade para o seu espírito de defesa de causas sociais.

Passou, então, ao sector privado como administrador de uma empresa que iniciava a instalação de uma celulose em Angola (Alto Catumbela).

Era um regresso às origens visto que nasceu no Moxico (Luso), onde meu Pai tinha sido funcionário do Quadro Administrativo de Angola.

Não sendo portanto um limiano por nascimento, é um limiano do coração, não esquecendo nunca os interesses de Ponte de Lima.

O João foi a primeira criança branca a ser registada naquela cidade, o que mais tarde pôde constatar ao consultar os livros de registo na respectiva repartição.

Em Angola se manteve por vários anos dedicando todo o seu saber e energia ao complexo fabril, como eu próprio testemunhei em deslocação que lá fiz.

A revolução do 25 de Abril e a luta que os movimentos de libertação iniciaram em Angola provocaram a maior preocupação ao pessoal dirigente e trabalhadores daquela unidade, que acabou por ser ocupada por um daqueles movimentos. Foi exemplar o comportamento do João – conhecedor do perigo – que só abandonou a fábrica depois de pôr a salvo todos os que pretendiam partir e depois de se assegurar que, aos que ficavam, foi dada a garantia de total segurança.

Deixou Angola com profunda mágoa e saudade. Por muito tempo não conseguiu esconder a sua angústia. Contou-me mais tarde que tinha visto na televisão que a administração da fábrica – considerada exemplar em equipamento e direcção – tinha sido entregue ao seu antigo cozinheiro. Pouco demorou para que se degradasse a ponto de – segundo creio – acabar por encerrar. Na verdade, há uma certa diferença entre dirigir uma cozinha e uma fábrica de celulose. O pior é quando a coisa esturra!

Regressado ao continente – sempre com a recordação de Angola – dedicou-se mais uma vez ao sector da celulose e cedo optou por se integrar na área política. Também aí se realizou como Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima e simultaneamente como deputado à Assembleia da República.

O Concelho de Ponte de Lima deve-lhe, para além da sua maior dedicação e entre outros melhoramentos, a ampliação da rede eléctrica à quase totalidade das freguesias, a recuperação do Arquivo Municipal e o maior entusiasmo e apoio ao Turismo de Habitação, que viria a tornar Ponte de Lima um pólo de atracção e possibilitou a recuperação de muitas casas tradicionais da região.

A política a que se dedicou com entusiasmo não deixou de provocar os seus efeitos perversos que motivaram o nosso afastamento por algum tempo. Este afastamento – a que acabámos felizmente por pôr termo – teve, contudo, o mérito de não só recuperar, mas até cimentar a nossa amizade.

Tenho pelo João uma sincera – muito sincera – admiração. Reconheço as suas enormes qualidades.

A educação que recebeu dos nossos Pais e a que lhe foi incutida no Colégio dos Jesuítas deu-lhe uma fé inabalável, uma Fé que não escamoteia, uma Fé que procura, a todo o momento, viver. Fé que pratica sem exibicionismo, sem fanatismo, mas com determinação e sinceridade.

O João é física e moralmente de uma enorme coragem. Coragem que sempre tem demonstrado sem reticências ou hesitação em todas as situações de adversidade.

O João pode orgulhar-se – e eu também me orgulho – da sua verticalidade nos costumes, nas suas opções, na educação que procura transmitir aos que o rodeiam.

O João pode ser seguido como um exemplo e oxalá muitos o procurem imitar. Tem a preocupação constante de ser elemento catalisador da família que para ele é a instituição mais digna, mais respeitável, maior alicerce da sociedade.

A idade tem-lhe causado enormes dificuldades de saúde. Sei que tem sofrido muito, mas sinto que luta para não causar, nos que o rodeiam, maiores sentimentos de preocupação.

É muito difícil – como irmão – fazer uma caracterização mais fiel do carácter do João; traçar um mais correcto retrato moral; ir mais além do que já disse. Pelo relacionamento, pelo parentesco, pela amizade, tudo o que diga pode ser mal entendido ou tomado como elogio fácil.

Julgo ter dito do João o essencial para traçar o seu perfil; sendo certo que é um perfil inacabado. Que mais posso dizer? Apenas – e digo-o com o mais claro espírito de justiça – o João é um irmão queridíssimo e de uma enorme rectidão de carácter e é, sobretudo, extremamente bondoso.

João, não sendo possível ser melhor, basta-me ser como tu.

Outubro de 2013

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 35, de Dezembro de 2013

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

Sugestões