Pesquisa: André Camecelha e José Pereira Fernandes
As origens
Construído sobre os escombros do antigo Palácio dos Estaús, destruído em 1836 por um incêndio, também conhecido por Palácio do Rossio e por Palácio da Inquisição, por aí se terem situado as suas instalações, o Teatro Nacional viu a sua construção iniciada em 1842.
Mas a sua história começou seis anos antes. Na sequência da Revolução de 9 de Setembro de 1836, Manuel da Silva Passos, que ficou conhecido para a história como Passos Manuel, assumiu a direcção do Governo e uma das medidas que tomou nesse mesmo ano foi encarregar, por portaria régia, o escritor e político Almeida Garrett de pensar o teatro português em termos globais e incumbi-lo de apresentar “sem perda de tempo, um plano para a fundação e organização de um teatro nacional, o qual, sendo uma escola de bom gosto, contribua para a civilização e aperfeiçoamento moral da nação portuguesa”. Por esse mesmo diploma legal, Almeida Garrett ficou encarregue de criar a Inspecção-Geral dos Teatros e Espectáculos Nacionais e o Conservatório Geral de Arte Dramática, instituir prémios de dramaturgia, regular direitos autorais e edificar um Teatro Nacional “em que decentemente se pudessem representar os dramas nacionais”.
Após inúmeras modificações ao projecto original, da autoria do arquitecto italiano Fortunato Lodi, cuja escolha não foi isenta de críticas, o edifício abriu pela primeira vez as suas portas, ainda por terminar, a 29 de Outubro de 1945, assinalando o dia de aniversário de D. Fernando II, marido da Rainha D. Maria II. A inauguração oficial, no entanto, teve lugar a 13 de Abril de 1846, desta vez assinalando o aniversário da Rainha, a quem o novo teatro foi consagrado.
O Reinado de D. Maria II
O reinado de D. Maria II ficou marcado pela passagem do absolutismo ao constitucionalismo. D. Maria II assumiu o governo de um país dividido entre liberais e absolutistas. Deparou-se com revoluções e contra-revoluções, mas conseguiu abrir a porta ao programa de regeneração de Portugal. Foram 19 anos de reinado conturbados, atravessados por numerosas revoluções: a revolução de Setembro de 1836, que colocou o partido do centro-esquerda no poder; a Belenzada (tentativa de golpe de Estado que pretendeu fazer face à revolução de Setembro de 1836), em Novembro do mesmo ano; a revolta dos Marechais de 1837, uma espécie de guerra civil encabeçada pelo Duque de Saldanha e pelo Duque de Terceira; a revolução da Maria da Fonte, em consequência da proibição dos enterramentos nas igrejas, em 1846; e a Patuleia, em 1847 (segunda fase das sublevações começadas com a Maria da Fonte).
Embora o reinado de D. Maria II tenha sido atravessado por uma constante instabilidade política, para além da construção do Teatro Nacional, em Lisboa, realizaram-se outras reformas importantes, que lhe valeram o cognome de “A Educadora”: a instrução primária tornou-se obrigatória e gratuita; foram criados os liceus distritais, as Escolas Politécnicas de Lisboa e do Porto, o Conservatório Nacional e o Instituto de Agronomia e foram introduzidos os selos postais nos Correios, à semelhança do que já acontecia em Inglaterra.
Os nomes do Teatro Nacional
Mas o Teatro Nacional D. Maria II nem sempre foi assim denominado: com a implantação da República, em 1910, passou a chamar-se Teatro Nacional Almeida Garrett, vindo a recuperar o nome original quase trinta anos mais tarde, em Dezembro de 1939, pela mão da actriz e empresária Amélia Rey Colaço.
O incêndio de 1964
A mudança de nome foi apenas uma pequena atribulação das várias que atingiram o Teatro Nacional ao longo dos seus 161 anos de vida: a 1 de Dezembro de 1964, o edifício que tinha sobrevivido sem qualquer dano ao tremor de terra que assolara Lisboa em 1958 foi devastado por um incêndio que o destruiu quase por completo. Reconstruído segundo um plano do arquitecto Rebello de Andrade, demorou 14 anos a ser recuperado, reabrindo ao público apenas em 1978.
Modelos de exploração
Em termos de modelos de exploração, o Teatro Nacional D. Maria II conheceu fases distintas ao longo da sua história. Durante um largo período de tempo, foi gerido por sociedades de artistas que, por concurso, se habilitavam à sua gestão. A gestão mais duradoura foi a de Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro que permaneceu no teatro de 1929 a 1964, companhia a que pertenceu o actor limiano Tarquínio Vieira.
A partir de 1977, o Teatro Nacional passou a ser explorado directamente pelo Estado, tendo sido transformado, em Março de 2004, em sociedade anónima de capitais públicos, passando a denominar-se TNDM II, S. A. É gerido por uma administração própria, integrada actualmente por Carlos Fragateiro e por José Manuel Castanheira, estando sujeito à superintendência e tutela dos Ministros das Finanças e da Cultura.
Da galeria dos grandes nomes de teatro que já passaram pelo seu palco contam-se, para além da própria Amélia Rey Colaço e de Tarquínio Vieira, Palmira Bastos, Aura Abranches, Raul de Carvalho, Estêvão Amarante, João Villaret, Maria Lalande, José de Castro, Curado Ribeiro, Varela Silva, Carlos Daniel, Eunice Munhoz, Rui de Carvalho, João Perry, etc.
Almeida Garrett
João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, nome completo do escritor que ficou conhecido por Almeida Garrett, nasceu no Porto em 1799 e morreu em Lisboa em 1854.
Nome cimeiro do movimento romântico em Portugal, de que é considerado o introdutor no país, foi igualmente homem de acção na defesa do ideário liberal, tendo conhecido o exílio em França e Inglaterra, combatido em várias batalhas e integrado o grupo dos “Bravos do Mindelo” (1832), vindo a ser, posteriormente, um parlamentar activo e emérito.
Homem do teatro e que também por ele se bateu, a sua importância para o teatro português prolonga-se muito para além da dramaturgia, onde é considerado um dos maiores autores nacionais, a par de Gil Vicente (séc. XVI), face, precisamente, à criação do Teatro Nacional D. Maria II, da Inspecção Geral dos Teatros e Espectáculos Nacionais e do Conservatório Geral de Arte Dramática.
Da sua vasta e variada obra literária destacam-se obras-primas como a novela Viagens na Minha Terra, ou, no campo da dramaturgia, Frei Luís de Sousa.
Tarquínio Vieira – Um Actor Limiano no Teatro Nacional D. Maria II
Tarquínio Vieira, prestigiado actor de Ponte de Lima, integrou a Companhia Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro, responsável pela gestão do Teatro Nacional D. Maria II durante o período compreendido entre 1929 e 1964.
Tarquínio de Sousa Vieira, de seu nome completo, nasceu em Ponte de Lima, em 28 de Novembro de 1894, como consta da sua ficha de inscrição no Teatro Nacional D. Maria II, e que faz parte do dossier de arquivo do Teatro que contém os registos biográficos dos actores.
Infelizmente, os documentos referentes a Tarquínio Vieira existentes no Centro de Documentação do Teatro Nacional D. Maria II não são substanciais. Após investigação, foram encontrados, apenas, uma foto sua, com uma dedicatória ao jornalista e escritor Mário Barros, datada de 15 de Março de 1933, e o seu registo biográfico, em cujo verso se encontra colada uma lista dos espectáculos em que participou, parcialmente manuscrita pelo próprio actor. Muitos documentos dos anos 30 terão ardido no incêndio que destruiu o teatro em 1964.
Conforme consta do seu registo biográfico, Tarquínio Vieira estava habilitado com o Curso Completo dos Liceus, tendo frequentado ainda as Faculdades de Letras e de Direito.
Estreou-se como actor no Teatro da Trindade, em Lisboa, em 1921, com a peça “Boneca Misteriosa”, tendo participado ainda, pelo menos, de acordo com a lista colada ao seu registo biográfico, em mais cinquenta e duas peças de teatro, número impressionante e que evidencia a projecção que Tarquínio Vieira atingiu no Mundo do Teatro, em Portugal.
Tal projecção resulta evidente, nomeadamente, do papel atribuído a Tarquínio Vieira na peça “Aquela Noite”, do escritor húngaro Lajos Zilahy, estreada no Teatro D. Maria em 9 de Dezembro de 1933, figurando no respectivo elenco em quarto lugar, à frente de actores consagrados como João Villaret, Palmira Bastos, Maria Lalande e a própria Amélia Rey Colaço que, de resto, desempenhou um papel secundário.
Actuou em Ponte de Lima por três vezes, nas peças “A Severa”, “Amor de Perdição” e “A Noite do Casino”, tendo participado ainda no filme “Bocage”, exibido em Ponte de Lima, em 4 de Abril de 1937.
Quando ingressou na Companhia Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro, Tarquínio Vieira morava em Lisboa, num quarto do segundo andar do prédio n.º 88 da Rua de Santo António dos Capuchos, ainda existente, à data, da propriedade de Manuel Gregório Alvarez e pertencente actualmente aos seus herdeiros, Maria Estrela Gregório Mera e José Carlos Gregório Mera, residentes em Madrid.
Faleceu em Lisboa, em 14 de Agosto de 1960, com 65 anos de idade.
A Câmara Municipal de Ponte de Lima atribuiu recentemente o nome de Tarquínio Vieira a uma rua da Vila, perpetuando, assim, a sua memória na toponímia limiana.
Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 2, de Março/Abril de 2007
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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