Nesta obra em narrativas curtas (contos) e em versos, com o título de descontos diversos, o autor afirma-se subitamente como poeta da tradicional literatura limiana. Os seus textos – todos eles poéticos na linguagem plurissignificativa – revelam uma vivência lúcida e encantatória no tempo e no espaço.

Na vertente da temporalidade vamos deparar com as memórias míticas, as recordações da infância, os ritmos dos dias alagados por uma tranquilidade suave do espírito ou ensombrados por múltiplas inquietações: “palavras vazias”, “barrigas de fome em todas as curvas / e bombas de neutrões em todas as bermas”, frustrações. “Há dias / em que rasgo as palavras / como se fossem coisa velha, / inútil e sem interesse.” Mas há outros em que as redescobre, e com elas, nas suas deambulações oníricas ou lúdicas, canta o sonho ( “deixa-me / ser o sonho / que vai passar / esta noite contigo!” ) e o amor. “No teu corpo há sempre / qualquer coisa de novo / para todos os dias descobrir. // E é por isso que tu / ainda ficas em mim / apesar de todas as noites.” E na outra vertente, já se adivinha: é o chão limiano que palpita por dentro das palavras numa profunda relação com o poeta, e do poeta com o(s) outro(s): “Gostaria / de te mostrar / o areal / da minha infância, / branco amortecedor / dos nossos voos / de petizes sonhadores, / e limite imaginário / dos domínios da Mãe do Rio, / ama do rapazio rebelde.” Assim vai emergindo este espaço concreto, visível, mutante. Porque transita do passado, por via da saudade e do afecto, para um presente de mágoas e de sobressaltos.

Toda a tensão estética da poesia de José Vieira tem as suas raízes nos mistérios da vida que circulam em redor da sua terra, “filha de rio e pedra / companheira de durar / Mãe de plátanos e areia” – terra amada, escrutada e escutada neste primeiro trabalho poético.