Consabidamente, o Dr. José de Sá Coutinho (1896 – 1969), 3.º Conde d’Aurora, distinguiu-se como magistrado e escritor, etnógrafo e roteirista, profundo defensor dos interesses regionais e apaixonado divulgador da sua amada terra minhota de Ponte de Lima. De facto, o autor do celebrado Roteiro da Ribeira Lima (4.ª ed., 1996) e da Monografia do Concelho de Ponte de Lima, a par de contista e romancista, era reconhecidamente um homem culto e de horizontes cosmopolitas.
Disso são prova eloquente as suas viagens e contactos, bem como as inúmeras visitas da sua Casa de Nossa Senhora da Aurora, em Ponte de Lima. Como elogiado anfitrião, recebeu ilustres figuras de intelectuais, escritores, artistas, como Luís Forjaz Trigueiros, Pedro Homem de Mello, Sebastião da Gama, Sophia de Mello Breyner, Ruben A., Margot Fontaine, entre outros.
Uma dessas visitas, em 1951, foi o escritor e antropólogo brasileiro Gilberto Freyre, o autor de Casa Grande & Senzala, então em Portugal a convite do nosso governo. Aliás, outros nomes relevantes da cultura brasileira foram recebidos pelo Conde d’Aurora em Ponte de Lima: o poeta Jorge de Lima, o filólogo Aurélio Buarque de Holanda, o escritor Alceu Araújo Lima (Tristão de Athayde) ou o historiador Luís da Câmara Cascudo. A todos o Dr. José de Sá Coutinho proporcionava um banho de imersão na cultura e nas tradições limianas e minhotas.
Neste contexto, é muito revelador um livro de viagens do Conde d’Aurora, intitulado Brasil, Ida e Volta (Porto, Liv. Simões Lopes, 1955, 109 págs., ilustrado com 40 fotografias). Esta pequena obra tem a particularidade de nos descrever a viagem efectuada pelo autor ao Brasil em Agosto de 1954; e de, ao mesmo tempo, nos revelar algumas das qualidades desta notável figura limiana. Com efeito, trabalhando no Porto como magistrado, o Dr. José de Sá Coutinho é convidado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros para, como escritor e homem de cultura, integrar uma missão de representação de Portugal no Congresso de Escritores de São Paulo, no Brasil, cidade já então com três milhões de habitantes.
Em outras ocasiões, outros intelectuais e escritores portugueses legaram-nos a expressão do seu profundo afecto pelo Brasil – Vitorino Nemésio, Luís Forjaz Trigueiros ou, mais recentemente, Agustina Bessa-Luís (Breviário do Brasil, 1991). Depois de uma longa estada no gigante tropical, também o austríaco Stefan Zweig tinha publicado Brasil, um país do futuro (1941), autor referido pelo Conde d’Aurora.
De forma cronística e a traço rápido, o Conde d’Aurora descreve-nos a sua viagem ao Brasil, pintando as paisagens das cidades visitadas, retratando rapidamente as inúmeras personalidades com quem contactou e descrevendo os acontecimentos em que tomou parte. De facto, plasmado num estilo narrativo e reflexivo marcado pela leveza, pelo humor frequente e por uma vigiada coloquialidade, quase diarística (há repetidas menções a um diário pessoal), é um enorme prazer ler e reler este tipo de crónica de viagem, colorida e atenta, e sobretudo ricamente cultural.
Por outras palavras, os “apontamentos de viagem” por terras brasileiras mostram-se contagiantes pelo registo adoptado, por um lado; e por outro, pela capacidade descritiva dos lugares e das figuras com quem o ilustre viajante limiano se vai cruzando. Ou seja, vemos o Brasil a partir do olhar de um homem superiormente culto e bem relacionado.
Nesta missão cultural, esteve acompanhado dos professores Costa Pimpão e Rodrigues Lapa; além dos escritores Miguel Torga e Casais Monteiro; à última hora, faltou Hernâni Cidade. Ora, é desde logo notável a forma como o autor limiano se relaciona com todos, portugueses ou de outras nacionalidades, defendendo sempre os interesses e a imagem de Portugal, com frontalidade e convicção, e sem nunca abdicar das suas conhecidas ideias em assunto de religião, política ou cultura. Aliás, em matéria política brasileira, o autor testemunha um momento de certa agitação, com o atentado a Carlos Lacerda, culminando com o suicídio do presidente Getúlio Vargas.
Entre outros aspectos, revela-se muito interessante ver quem eram os autores mais consagrados ou populares no Brasil por esta altura, avultando figuras como Júlio Dantas. Não deixa de ser curiosa a breve troca de palavras com Torga, por ex., a par das impressões que nos vai apresentando de vários escritores e intelectuais de relevo: Lígia Fagundes Teles, Oswaldo de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Almeida Prado, Afrânio Coutinho, António Soares Amora, Wilson Martins, etc.
Outro traço saliente nesta crónica de viagem é o entusiasmo e o afecto com que o Conde d’Aurora aprecia a diversidade da paisagem brasileira – natural, humana e arquitectónica, sem esquecer o património imaterial –, do Recife ao Rio de Janeiro e arredores (Petrópolis), de São Paulo às cidades históricas de Minas Gerais, como Ouro Preto. Entre as suas preferências, destaca-se a natural e deslumbrante beleza do Rio, entre os muitos lugares visitados, sempre com as conhecidas preocupações ecológicas; e o património arquitectónico barroco e de influência minhota em Ouro Preto, a par das célebres esculturas do Aleijadinho.
Em suma, enriquecido por belas fotografias, o autor de Brasil, Ida e Volta revela-se quer um cativante recriador de paisagens e de figuras; quer um representante da cultura minhota e portuguesa em terras brasileiras. Num continuado diálogo intercultural, demonstra uma relação entusiasmada e fraternal com o Brasil, a sua História e as suas gentes.
In: LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 39, de Outubro de 2014
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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