O ano de 2010 foi para o Amândio Sousa Dantas particularmente produtivo em termos editoriais. Em março chegou às livrarias uma oportuna e bem organizada reunião da sua obra vinculada à temática emigratória: Poemas da Emigração; em novembro surpreendeu-nos com Alto Amor em Alto Rio, provavelmente o seu livro mais conseguido na expressão magoada de um lirismo, ora intimista ora interventivo, que muito persistentemente e evolutivamente vem praticando.
Não me alongarei sobre os Poemas da Emigração (integrando Sentimento da Ausência (1981), Poemas da Imigração (1985), Na Cidade Estrangeira (1987) e Emigrar na Primavera /1991). Sobre tais obras, a sua originalidade e singularidade, muito a imprensa foi dando notícia e relevo. Agora é Daniel Lacerda, diretor da conceituada revista Latitudes, que de Paris se constitui espaço cultural da nossa diáspora, a enaltecer, num prefácio ponderado e objetivo, as virtudes líricas do poeta limiano. Diz ele, entre muitas observações pertinentes:
“Ao reunir agora poesia dos seus primeiros quatro livros, pensada e sentida no exterior, evidencia a sua fidelidade a uma juventude conturbada que talentosamente soube superar pelo risco da escrita, o modo de expressão que brota naturalmente de suas veias. A sua escrita actual, não obstante conservar a mesma elegância, denota maior hermetismo ao mesmo tempo que se abre para temáticas que conquistaram oportunidade.” (pg 7)
Debruçar-me-ei, então, um pouco sobre Alto Amor em Alto Rio, título que, aglutinando dois tópicos que lhe são afetos — o amor e o rio —, veicula um amplo conjunto de poemas de primeira qualidade. O amor enunciado na sua semântica abrangente, nas suas gradações de entrega, na sua aura de atração e de mistério, é considerado pelo poeta “como um rio claro” (pg 89), num poema que nos reporta às éclogas de Bernardes. “Como um rio”, que tanto pode ser o Lima da sua infância, deslumbrando-o e seduzindo-o no seu fluir rumoroso, na brancura dos seixos rolantes, no súbito revérbero de um peixe furtivo — “Oh pudesse eu voltar ao rio da infância e / ao inocente mergulho por suas águas claras.” (pg 83) —, como os grandes rios do mundo que seus olhos peregrinos já contemplaram (a espaços, ainda aflora o poeta-emigrante…): “Amo de olhos rasos todos os rios.” (pg 65)
É surpreendente o fio condutor que congrega estes cento e muitos poemas. Se, como dizia Jorge Luis Borges, cada livro que vamos escrevendo é um mero capítulo do livro único que consubstancia uma obra, Amândio Sousa Dantas cumpre esse preceito na perfeição, criando e desenvolvendo um corpus lírico de uma exemplar consistência formal e temática. Mesmo quando — e nele é recorrente — nos desconcerta com o peculiar emprego da pontuação e de outros sinais auxiliares da escrita, bem como do frequente recurso à forma exclamativa (oh, ó, ai), para maior ênfase do seu clímax inspirador.
Mas se esses recursos lexicais como que adensam, quando não derivam, o sentido do(s) poema(s), reconheçamos que funcionam como efeitos secundários numa poesia que, se os admite, largamente os supera. Amândio Sousa Dantas, num discurso poético sustentado e largamente elaborado, consegue atingir momentos de uma beleza extraordinária e de uma riqueza conceitual surpreendente. Por vezes basta um verso para, não só redimir, como guindar um poema aos patamares do sublime. Ao passo que fui desfrutando esta obra, fui anotando alguns desses momentos, “só permitidos aos puros e na sua hora mais pura”, na opinião de Coleridge. Ei-los:
- “altas vão as águas — e o amor em círculo.” (pg 22)
- “o fogo do amor — nenhuma palavra o sabe.” (pg 24)
- “Não perguntes nada — ampara-te na dúvida,” (pg 27)
- “o que é nosso de raiz n’alma se ergue” (pg 51)
- “Só o que amamos é a nossa eternidade,” (pg 79)_“Só o amor: alvo sem destino, / como uma seta / virada para o eterno, / tudo incendeia.” (pg 98)
Sirvam estas citações de aperitivo; o banquete garante satisfação absoluta…
Março de 2011
ALTO AMOR EM ALTO RIO
Nenhum dilúvio, nenhum milagre;
as correntes do rio altas vão,
e pelas margens o som das águas.
Como uma águia – alto voa o amor
por saudosas, ali morosas águas,
à nascente volto, sem saber que volto.
Alto amor em alto rio, agora
sua nascente sigo para olhar o tempo:
altas vão as águas – e o amor em círculo.
ONDE POSSO LEVAR O POEMA
Onde posso levar o poema?
Eu vejo tanta tristeza e amargura
sobre as coisas do mundo.
Ó jubilosa alegria dos seres
porque de nós te separaram
Para que servem meus cantos
Por este tempos de indigência?
Oh como desejo voltar àquelas rodas
de alegria e àquele olhar luminoso
que inundava de brilho a criança e o ancião.
Oh como eu desejo que o poema
seja flauta mágica no meio do meu povo.
POUCO INTERESSA…
Pouco interessa
ao sol
e ao mar
chegar até aqui
e ler os meus versos
mas nos meus olhos
o sol e o mar
são os meus versos
e eu sou
assim
do mistério
que cobre o sol
e o mar
até ao esquecimento
dos meus versos (nunca)
nem o sol nem o mar
vão saber
qual é a cor
dos meus versos
mas eu levei
o sol e o mar
para dentro dos meus versos
(e os meus versos tem agora
a cor do céu e do mar)
e o sol e o mar
são da mesma cor
da cor dos meus versos.
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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