O Director da revista Limiana, Dr. José Pereira Fernandes, convidou-me a escrever para o número desta publicação em que será homenageado o Dr. Carlos Lima, a pretexto do seu octogésimo sétimo aniversário. Tenho o maior gosto em corresponder ao convite e agradeço do fundo do coração a oportunidade que assim me é oferecida de prestar homenagem a um amigo, que muito estimo e admiro. Natural do concelho de Ponte de Lima e residente em Lisboa, desde os tempos de estudante de Direito, nunca quebrou ou deixar desgastar os seus afectos e laços de contacto com a terra e os seus conterrâneos.
António Carlos Lima é um brilhante jurisconsulto, de rara qualidade humana e profissional, que foi Bastonário da Ordem dos Advogados (1978-1980), e a quem os portugueses, em geral, devem exemplos de coragem moral, cívica e política, que, de há muito, o colocam em lugar de destaque na “galeria de honra dos filhos dilectos de Ponte de Lima” (como já escrevi).
O meu testemunho anda à roda de três experiências que cruzam a minha vida pública com a do homenageado de hoje: em primeiro lugar, na colaboração inicial de ambos no lançamento preliminar do Partido Popular Democrático (PPD), mais tarde chamado Partido Social Democrata (PSD), no período fundacional da democracia portuguesa, aberto pelo 25 de Abril de 1974; em segundo lugar, nas leituras recorrentes que fiz dos textos parlamentares produzidos e apresentados pelo Deputado A. Carlos Lima na Assembleia Nacional (1957-1961), aquando da revisão da Constituição de 1933 aprovada pela Lei nº 2100, de 29 de Agosto de 1959; em terceiro lugar e por fim, no trabalho em comum no tribunal arbitral instituído pela convenção de arbitragem celebrada ente a Liscont e a Administração do Porto de Lisboa (APL) em 1987, para dirimir um complexo litígio jurídico respeitante a um contrato de concessão do direito de exploração em regime de serviço público de um terminal portuário de contentores em Lisboa (A sentença está em O Direito, ano 121.º, 1989 III, Julho-Setembro, pp. 591-638).
Limito-me a três apontamentos.
Nos dias seguintes ao 25 de Abril, Francisco Sá Carneiro e os seus mais próximos companheiros (Joaquim Magalhães Mota e Francisco Pinto Balsemão), da Ala Liberal da Assembleia Nacional, eleita em 1969, entenderam-se para formar um partido político de programa social democrata. O objectivo era garantir assim a salvaguarda dos valores da liberdade, da dignidade humana, da pátria e da justiça social na construção do sistema e regime políticos que fatalmente teria de substituir o caduco “Estado Novo”, liquidado pela História e em acelerada desconstrução pelo Movimento das Forças Armadas. Com esse objectivo sucederam-se por todo o País encontros promovidos com vista a reunir núcleos de personalidades públicas tidas como amigas desses ideais e consideradas disponíveis para a aventura. Outro objectivo em mira era também, se bem me lembro, satisfazer a necessidade de levar ao conhecimento dos participantes acontecimentos e informações relativos ao que ia que ocorrendo no País e nas Colónias e que os órgãos da comunicação social, largamente dominados por forças totalitárias, sonegavam à livre circulação de ideias própria das “sociedades abertas”.
Carlos Lima foi, naturalmente, uma das personalidades públicas convidadas a participar nesses encontros, mais ou menos informais. Recordo-me de o ter ouvido em mais do que uma das reuniões realizadas no edifício, ainda em acabamento, no topo da Avenida Duque de Loulé, onde o PPD viria a ter a sua primeira sede. A imagem que guardo do insigne advogado, de então, está centrada na notável argúcia com que ele encarava os factos e a serenidade com que ponderava as leituras que deles se faziam. Evidenciava a atitude nobre de procurar a verdade e de respeitar as exigências da sua busca, guiando-se, sem sofreguidão nem precipitações, por critérios que se lhe afiguravam aptos a garantir uma solução justa para o problema ou caso em debate. Quer dizer: se era rigoroso na análise, era também cuidado na formulação das suas opiniões.
A minha segunda experiência com a personalidade pública do homenageado está ligada às intervenções parlamentares de A. Carlos Lima no debate da revisão constitucional de 1959. Por proposta apresentada pelo Governo (Diário das Sessões, 20 de Março de 1959) a Assembleia Nacional assumira extraordinariamente poderes de revisão constitucional, com vista à alteração do modo de eleição do Chefe do Estado, fixado pelo plebiscito de 19 de Março de 1933. O artigo 72.º da versão do texto constitucional plebiscitado determinava que o Chefe do Estado fosse o Presidente da República eleito pela Nação “por sufrágio directo dos cidadãos eleitores”. Para fugir a sobressaltos políticos como o que sofrera com a candidatura do General Humberto Delgado nas eleições presidenciais do ano anterior, o Governo apresentou uma proposta de lei constitucional que atribuía a eleição do Presidente da República a um colégio eleitoral composto pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, por representantes municipais de cada distrito ou de cada província do Ultramar não dividida em distritos, e, em certos termos, por representantes dos conselhos legislativos e dos conselhos de governo dos demais territórios ultramarinos. A aprovação da proposta do Governo implicaria, pois, o abandono do sistema de eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal dos cidadãos eleitores.
Vários deputados (v.g. Homem de Melo, Carlos Moreira) apresentaram projectos de lei que visavam ampliar o âmbito da revisão pretendida pelo Governo. Tal foi também o caso do Deputado A. Carlos Lima(1). No prefácio do livro, abaixo citado em nota, o Autor explica de forma brilhante (pp. 11 ss) a razão das suas propostas. Todas elas, diz, se articulavam à volta do “alargamento do âmbito da competência e das possibilidades de acção da Assembleia Nacional”, concretizando-se nos seguintes pontos fundamentais:
1.º ─ alargamento das matérias da exclusiva competência legislativa da Assembleia Nacional (artigo 93.º da Constituição);
2.º ─ aumento de três para cinco meses do período normal de funcionamento da Assembleia;
3.º ─ fixação do princípio de estarem sempre sujeitos a ratificação os decretos-leis publicados fora dos casos de autorização legislativa, e não apenas os publicados durante o funcionamento efectivo da Assembleia;
4.º ─ atribuíção de competência aos tribunais para conhecerem da inconstitucionalidade orgânica ou formal mesmo de diplomas promulgados pelo Chefe de Estado, nos casos em que essa inconstitucionalidade resultasse da violação do artigo 93.º da Constituição invadindo matérias sobre que cabe à Assembleia legislar em exclusivo.
O projecto de revisão de A. Carlos Lima, enformado por estes quatro princípios, reporia, ao fim e ao cabo, características marcantes da Constituição originária ─ a aprovada pelo plebiscito de 1933 ─, pondo termo à deriva “executivista” que, desde a Lei de revisão n.º 1.885 (23-III-1935), a vinha desfigurando progressivamente. O projecto era, diz o Autor, “suficientemente significativo do ponto de vista dos princípios “, valendo menos pelo que dispunha o texto “do que pelo esquema de ideias que reflectia e pelo espírito que o animava, principalmente enquanto se projectavam num determinado e rígido contexto político” (p.13).
O Autor conta ter sabido, através dos elementos de ligação do Governo à Assembleia, que o Governo tomara posição contra as soluções que integravam o projecto e que por isso seria sistematicamente vencido em todas as votações, como acontecera todas as vezes que tentara fazer aprovar soluções diferentes das desejadas pelo Governo (cfr. p. 9 e nota). Mas não desistiu de travar o combate democrático em defesa do seu projecto, e um combate que foi tenaz, árduo e longo. Acabou de facto aparentemente derrotado em toda a linha, mas preservou a sua dignidade pessoal e cívica. Eis um traço de carácter de Carlos Lima que se me afigura raro no meio político lusitano de todos os tempos e que me apraz assinalar especialmente neste meu testemunho.
O outro contacto que especialmente mantive com a personalidade pública do homenageado ocorre, como disse, em contexto de relações de trabalho em ambiente jurisdicional. Foi a participação de ambos, com o Dr. Vaz Serra de Moura, como membros do tribunal arbitral que durante alguns meses se ocupou na solução de um complexo litígio jurídico entre a Liscont e a Administração do Porto de Lisboa, pelos finais da década de 1980. O trabalho em comum deste trio de julgadores foi para mim particularmente aliciante pelo saber jurídico e pela prudência judicativa de que deram sobejas provas os dois ilustres jurisconsultos que comigo integraram a equipa. Foi uma experiência, a todos os títulos, inesquecível, que mostrou, mais uma vez, as excepcionais virtudes éticas e cívicas do Dr. António Carlos Lima que venho referindo ao longo deste meu testemunho.
Coimbra, Março de 2013
In: LIMIANA - Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 32, de Abril de 2013
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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