A Farmácia Santa Marinha, em Forjães, abriu portas em meados da década de 60, sendo sua principal figura e alma o limiano José Carneiro. Mais do que um lugar onde se “aviavam receitas” era ponto de encontro e tertúlia de jovens, desportistas e intelectuais.
Foi na farmácia que eu, miúdo, comecei a conhecer e a conviver com o seu primo Ovídeo Carneiro, quando este gozava as suas merecidas férias dos seus estudos universitários em Lisboa. Reservado, discreto, extremamente educado e, para quem tinha o privilégio de privar com ele, de forte carácter, rara inteligência e refinado sentido de humor.
Rapidamente se integrou na sociedade local, onde sempre foi muito respeitado e estimado, vindo a contrair casamento com a sempre bonita e simpática Carminda Sá. Assentaram arraiais e construíram família em Viana, onde exerciam as suas actividades profissionais, a Carminda como enfermeira e o Ovídio como professor do liceu.
Em 1976, juntamente com o meu pai Álvaro Almeida e outros ilustres forjanenses, integrou uma surpreendente e memorável lista que venceu as eleições para a Junta de Freguesia e foi um luxo ter no nosso executivo autárquico um arquiteto da craveira técnica e da dimensão humana do Ovídeo Carneiro.
Graças ao seu saber, experiência e visão foi possível conceber e realizar estratégicas e marcantes obras, das quais destaco a estrada Pregais-Além do Rio, a estrada Freiria-Ponte, o alargamento do cemitério e os estudos e trabalhos de implantação da futura escola preparatória.
Deixou ainda a sua indelével marca em vários projectos de arquitectura que deram origem a belíssimas habitações de Forjães, de modernos e elegantes traços, como é o caso das moradias de seu primo José Carneiro, no Matinho e de Jacinto Sá e de meu irmão António Coutinho, no centro da vila.
Em 1980, por ocasião da remodelação do Café Carioca, o então proprietário Orestes Pereira encomendou-lhe uma obra para revestir uma das paredes do novo estabelecimento e Ovídio surpreendeu tudo e todos com um lindíssimo e majestoso quadro de 3,40mx2,10m, no qual figuram todos os fortes e exuberantes traços antropo-culturais do nosso país irmão. Pintura essa que continua na posse da família Sá Pereira e que é uma das mais marcantes memórias desse icónico café, considerado um verdadeiro centro social e cultural da vida forjanense, na segunda metade do século XX.
Quem, como eu, sempre frequentou a casa da família Passos Carneiro, tanto em Forjães como em Fragoso, habituou-se a ver, a conviver e a admirar as inúmeras obras do Ovídeo expostas nesse meio familiar: o retrato do afilhado José Pedro jogando à bola no jardim; a azenha do Zé do Rio no Neiva, a ponte do rio Lima, a igreja de Arcozelo, as naturezas mortas, as cenas de caça... Enfim, a rara sensibilidade e o traço peculiar de um artista único que cursou Belas Artes e, a seguir, Arquitetura.
Eterno limiano, Ovídio passou também a ser de Viana, por adopção, mas por tudo o que eu acabei de descrever, Forjães reclama também, com toda a legitimidade e direito, a terceira cidadania de um arquitecto brilhante e de um homem de eleição.
Em nome de toda a Freguesia de Forjães e por imperativo moral e dever de gratidão, eu tomo a liberdade de dizer e de registar: Obrigado, Ovídio Carneiro!
Forjães, 23 de Março de 2021
