Logo que Ovídio da Fonte Carneiro veio, no ano de 1975, lecionar para o Liceu de Viana do Castelo (atual Escola Secundária de Santa Maria Maior), em que também fui professor, rapidamente nos tornamos amigos. Embora de cursos diferentes, ele de Artes e eu de Letras, sentíamo-nos iguais no gosto pela cultura – pintura, arquitetura, livros, música, história –, na visão do mundo como um espaço que deve ser de fraternidade, de partilha e de alegria e no apreço de uma boa refeição partilhada com amigos.
Não vou demorar-me na apreciação do seu talento artístico, reconhecido no país e no estrangeiro, e de que todos os dias usufruo através das múltiplas telas que embelezam a minha casa. Não tenho competências para fazer essa apreciação. Mas sou capaz de descrever algumas características relevantes da sua personalidade, o que vou tentar fazer.
O caráter do Ovídio era feito de humildade, transparência e generosidade. Da primeira é revelador este episódio que o próprio me contou: Um estudante do ensino superior, impressionado com um quadro dele existente num espaço público de Viana, abordou-o para obter dados para realizar um trabalho académico sobre esse quadro. O autor aconselhou-o a não ir por aí, pois não reconhecia à obra a qualidade necessária.
Era grande apreciador de música e de dança – quando estava no atelier a criar, fazia-o ao som de variadas canções, especialmente portuguesas. Em convívios, era um prazer ouvi-lo cantar com notável expressão. Que beleza era ouvi-lo cantar "Au revoir, Sylvie" e "Nem às paredes confesso"! Estava sempre pronto para entrar em danças, que executava apaixonadamente com a sua mulher, a Carminda.
Uma das suas primeiras atividades de cada dia era comprar o Diário de Noticias, sua leitura obrigatória, onde atualizava a informação sobre os casos e as ideias do momento, incluindo a situação política, que frequentemente debatia comigo e com outros amigos.
Tinha uma natural e pura compreensão dos mais carenciados, alguns deles recorrendo a habilidosos expedientes para sobreviverem. Dentre estes o nome mais conhecido na terra que adotou desde 1977, Darque, é a Laudolina (nome fictício), hoje nonagenária. Descrente da eficácia do comum processo de pedir esmola para comer, recorreu a um habilidoso expediente – decidiu tocar à campainha do Ovídio e pedir que lhe emprestasse uns escudos (ainda a moeda não se chamava euro), que os devolveria na semana seguinte. Recebidas algumas moedas, lá foi à sua vida, volvendo nas semanas seguintes com as mesmas palavras. O Ovídio sorria e tirava do porta-moedas mais uns trocos. Ao fim de algumas vezes a dar moedas, ao receber mais uma visita da Laudolina, que desta vez vinha acompanhada de um companheiro, o Ovídio subiu a parada e deu-lhe uma choruda nota de 500 escudos. Depois disse-lhe: espero que desta vez seja suficiente. A Laudolina, entendeu, nunca mais veio tocar à porta do Ovídio.
Fizemos férias juntos inúmeras vezes. O Ovídio preparava-se para o melhor aproveitamento cultural das visitas a realizar. Numa das últimas viagens que fizemos, à Galiza, ainda a saúde lhe dava permissão, indo eu a conduzir, recomendou vivamente irmos à capela dedicada a Santo André de Teixido, nas arribas do Mar Cantábrico, pois, dizia ele jocosamente, não queria ter trabalhos depois da morte. Tinha ouvido dizer à gente galega que quem não ia lá em vida iria depois de morto.
O Ovídio era socialmente empenhado e dotado de grande espírito de cidadania. Foi autarca em Forjães (Esposende) e foi, em 1994, um dos fundadores da Associação de Moradores do Cabedelo, em Viana, de cujo logótipo foi autor pro bono.
Era amigo do seu amigo. Eu senti como ele se preocupava em ir ter com o amigo em aflição. Andava eu em problemas – quem os não tem? – ele vem ao meu encontro para me dar ânimo e coragem. E aí me lembrou, por palavras próprias, que em certos momentos não importa que se vão os anéis desde que se salvem os dedos.
Como se vê, fui feliz muitas vezes em virtude de ter beneficiado da sua amizade. Consegui ver mais longe os horizontes do Mundo porque ele me elevou muitas vezes à sabedoria. Obrigado, Ovídio.
Março de 2021
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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