Não sei quando conheci pessoalmente o Padre Manuel Dias. Creio que terá sido no início da década de 80, com a vinda de José Rosa de Araújo para Ponte de Lima. Mas muito antes disso, já o seu nome me era familiar e me merecia uma grande consideração, pelo prestígio que às Feiras Novas trouxera o Cortejo Histórico, por ele próprio concebido e que anualmente organizava com guiões sempre renovados.
A velha amizade que o ligava a José Rosa de Araújo, com quem eu próprio tinha então uma crescente proximidade, deu ensejo, naqueles Anos 80 do século passado, a um maior relacionamento com o Padre Manuel Dias. Com ele aprendi a reavaliar a dimensão cultural do mundo rural, onde tinha as minhas raízes firmadas. Com ele e também com o velho Zé Rosa tive verdadeiras lições de arqueologia e de etnografia, que deram outro sentido aos magros conhecimentos teóricos da minha formação escolar. Com ambos me iniciei nas lides da historiografia local, procurando nexos e correlações que deram corpo a catorze volumes do Arquivo de Ponte de Lima e que criaram o lastro para outras iniciativas que ainda não se esgotaram de todo.
O contributo do Padre Manuel Dias tem sido determinante no sucesso de muitos trabalhos. Acompanha, sugere, abre portas… mas nunca se assume como autor, deixando os louros a quem dele se socorre. E esta bonomia, qualidade própria dos espíritos superiores simples e desinteressados, tem sido a causa da parca bibliografia que se lhe conhece. Solicitado por todos, a todos acolhe e dá o melhor préstimo que na ocasião se lhe afigura – uma informação crucial, uma pista a explorar ou até um documento raro de que se desapega.
Mas não se pense que a parcimónia dos seus escritos tenha a ver com alguma dificuldade da sua expressão escrita. Bem pelo contrário. Se alguém consegue transmitir uma ideia num texto contido, com substancial conteúdo e fina ironia, é o Padre Manuel Dias. Senão, veja-se este frugal testemunho, com que há cerca de dez anos me brindou, em resposta ao apelo que lhe fizera para honrar uma colectânea que tinha em mãos:
A vaca das cordas
Na véspera do Corpo de Deus, a partir das dezoito horas e até ao pôr-do-sol, há na zona urbana da vila de Ponte de Lima tremenda confusão de gentes que fogem, gritam, refluem daqui para ali, só porque um touro conduzido por pegadores e cordas anda cumprindo uma tradição de touro atado nas grades da Matriz e fez à volta dela três circuitos como em romaria. Marcado por esta sacralidade, ele aí vai para ser corrido e provocado.
É o que resta de um rito purificador do espaço e das consciências que era feito com uma vaca do gado bravo da serra da Armada, para onde era escorraçada no fim da função.
Amanhã passa por aqui a procissão da Festa. *
* in OLIVEIRA, Eduardo Pires de (coord.) – Vale do Lima-um rio, dois países, ADRIL - Associação do Desenvolvimento Rural Integrado do Lima, 2001, p. 60.
Casa do Outeiro em Ponte de Lima, Novembro de 2012
n: LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 30, de Dezembro de 2012
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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