O testemunho de Paulo António Alves Pereira, nascido na Labruja em 1955
Para melhor se compreender as diversas dimensões do homem, que sempre existiram no Padre Manuel Gomes Dias, “o Padre Dias” como se conhece na Labruja, é oportuno olhar para o Portugal, incluindo o “Portugal profundo”, de há quase meio século atrás. Metade de um século que é apenas “um tempo tão curto como um pensamento” no meio da nossa história moderna já com muitos séculos, mas que faz, e que fez, toda a diferença na nossa sociedade, nos cidadãos, para o bem e para o mal, mas muito mais para o nosso bem.
Esse Portugal estava, na maioria dos planos, 50 anos atrasado em relação a muitos países europeus e em particular aos Estados Unidos da América do Norte, nomeadamente no acesso à informação e na formação académica das populações, onde o ensino secundário já era uma realidade para a grande maioria da população.
Entretanto, enquanto as populações das cidades e vilas de Portugal já tinham acesso à informação, nomeadamente através da jovem televisão, nas aldeias, em geral apenas havia algum contato com o país e o mundo através da rádio (na Labruja, em 1965, haveria cerca de 5 habitações com um rádio). Assim, pode concluir-se que, em 1968, a freguesia da Labruja e uma grande maioria das localidades rurais de Portugal estava apenas a cerca de meio século da sociedade do conhecimento de hoje (2012), mas muito mais próxima da idade média (há cerca de 8 séculos atrás).
Nessa sociedade, em particular nas aldeias, importa realçar a importância dos raros cidadãos com algum conhecimento (saber ler e escrever já constituía um estatuto superior), em particular formação académica superior, e em particular com acesso aos meios de comunicação social e ligação ao poder (político ou religioso). Deve sublinhar-se que se estava na presença de uma sociedade ainda muito obscurantista, em que para a evolução do conhecimento apenas contava cerca de metade da população, os homens. Aqueles cidadãos exerciam muitas vezes um papel de “tutores”, com uma decisiva influência na evolução de alguns cidadãos, estes bafejados pela sorte de alguém, que de algum modo, por alguma razão, em geral particular, lhes dava alguma atenção. Às mulheres, em geral, estava-lhes reservado o papel, muito nobre e insubstituível, de mães, ao qual acrescia o papel de trabalhadoras domésticas (nas aldeias, em particular, assumiam ainda o papel de trabalhadores de todos os ofícios, em particular quando, em diferentes fases da história do País, se estava na presença de vagas de emigrantes).
A propósito desse papel de “tutores”, é elucidativa a história de um Labrujense ilustre, o Professor António de Pádua, Médico, Académico e Político, entre finais do século XIX e início do século XX. Nascido, de mãe solteira, na Labruja em 1869 (faleceu com 45 anos), formou-se Médico na Universidade de Coimbra, cidade onde exerceu a profissão e foi Governador Civil, além de exercer diversa atividade como Professor e Investigador na Faculdade de Medicina. Este Labrujense, num tempo em que nascer numa freguesia como a Labruja (e a grande maioria até há 50 anos atrás) significava um quase completo isolamento, com a consequente falta de oportunidades de desenvolvimento completo do ser humano, ao nível do conhecimento, teve no seu padrinho de batismo, o Reitor de então da freguesia da Labruja, o seu “anjo da guarda” que lhe permitiu “asas para voar mais longe”. De outro modo, seria, provavelmente, mais um ilustre desconhecido digno trabalhador rural.
A Labruja de António de Pádua, em 1869, e a minha Labruja, dos meus 13 anos, quando o Padre Dias aqui chegou em 1968, um século mais tarde, não era muito diferente: i) não havia ainda energia elétrica; ii) não havia transportes públicos, nem particulares. Reinava certamente ainda em ambas as épocas a “santíssima trindade”: o Padre, o Regedor, a Professora (esta certamente mais tarde). Estes membros, em diferente grau, eram os quase únicos moradores na aldeia com algum conhecimento (o Regedor nem tanto). Os membros da freguesia que, porventura, tivessem algum conhecimento académico (saber ler e escrever já era uma competência de exceção) eram quase inexistentes e, ou estavam “devidamente enquadrados” no poder de facto (o religioso (o Padre) e o civil (o Regedor)), ou então poderiam facilmente “ser promovidos” a elementos subversivos, com as naturais consequências, incluindo a falta de credibilidade para atuarem como “agentes da mudança”, em particular de mentalidades, estas “bem controladas pelo poder instituído”.
Assim, neste contexto, a chegada e o curto, mas rico, magistério do Padre Dias na Labruja foi “uma lufada de ar fresco”, para toda a população e em particular para os jovens da aldeia.
O Padre Dias durante os curtos 5 anos em que foi o pastor da população da Labruja exerceu em primeiro lugar o papel de pároco, mas também de cidadão esclarecido, colocando o seu conhecimento e a sua natural capacidade de influência (a ação de “lobbying” que ainda assusta muitas mentes da nossa terra) ao serviço de uma bem atrasada aldeia de Portugal. E essa capacidade de influenciar, apesar do seu ainda jovem percurso de Padre e cidadão, já era o resultado do reconhecimento pelas “forças vivas da sociedade” da sua personalidade e em particular do seu empenho e desempenho a favor do progresso em geral, em última análise das populações mais desfavorecidas.
O Padre Dias na época, e ainda para hoje, foi um padre denominado de “Padre Progressista”, porque a favor do progresso, da colocação do conhecimento ao serviço de todos. Como membro de uma Igreja Católica muito fechada, muito obscurantista em geral (ainda hoje é em parte, embora com evidentes progressos de muitos dos seus membros e mesmo da sua hierarquia; porque “quem não muda morre” ou “quem não se apercebe dos “ventos de mudança” pode ser varrido por eles”) teve uma intervenção corajosa, aberta e esclarecida. Colocou o seu conhecimento e a sua postura ao serviço de todos, incutiu nos jovens o interesse pela cultura e pelo conhecimento, o verdadeiro motor do desenvolvimento, foi para eles o padre mas também o amigo, aquele que lhes mostrava que “havia mais mundo para além da Labruja”. Mobilizou as suas relações de legítimo poder ao serviço da freguesia, nomeadamente, entre outras realizações, conseguindo que esta passasse a dispor de transporte público, de energia elétrica, essencial à redução do isolamento.
Por tudo que fez a favor da minha freguesia da Labruja, pela sua população em geral, mas em particular pelos jovens, expresso aqui o meu mais profundo agradecimento.
In: LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 30, de Dezembro de 2012
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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