Conto de Natal: “Não quero morar aqui…”, por Cláudio Lima

 

Conto de Natal: “Não quero morar aqui…”, por Cláudio Lima



Cláudio Lima



 

Não quero morar aqui!…

A preceptora - babá, mais usualmente - recebia assim de chofre e sem rodeios a determinação da pequenita. E tanto mais se surpreendeu quanto nunca, até então, se dera conta de qualquer constrangimento que pudesse indiciar um mal-estar de inadaptação.

Ao invés, Paulinha era uma garota ladina, vivendo o seu mundo colorido sem as mais ténues névoas a toldar-lhe o horizonte. Os pais, profissionais liberais de sucesso, proporcionavam-lhe todo o conforto e satisfaziam-lhe todos os caprichos de menina mimada.

- Não quero morar aqui!…

De repente, sem mais nem porquê, começou a embirrar com o luxuoso apartamento que habitavam num condomínio fechado na zona mais in da cidade, um T/4 com todos os requintes e as mais amplas vistas para o mar, a sul, e para os imponentes picos montanhosos, a nascente.

- Não quero morar mais aqui, pronto!…

Um mistério. Que a preceptora tentava deslindar, com vista a melhor e mais subtilmente a dissuadir daquela obsessão. Sem sucesso, não obstante usar de todos os métodos e de toda a intuição adquiridos nos bancos da universidade e, sobretudo, consolidados nos anos que levava de experiência pedológica.

A mesma estupefacção surpreendeu os pais, que não encontravam nenhuma plausível razão para tão súbita e inopinada obstinação. A petiz revelara, até então, alegria e felicidade naquele ambiente selectivo, com tantas crianças da sua idade e estatuto a confraternizarem nas casas de uns e outros, no playground, no jardim arrelvado ou na piscina. Bicicletas, skates, patins em linha, raquetes, bolas, — toda uma gama de artigos caros e sofisticados a denunciar desafogo económico e bom gosto. Paulinha aparentava estar perfeitamente integrada naquele mundo de consumo e estabilidade. Mas de um momento para o outro, vá lá saber-se porquê,

- Não quero morar mais aqui!…

A Mãe desfazia-se em atenções e promessas. Vinha aí o Natal e seria contemplada com as mais fascinantes prendas, transformando o seu quarto, fofinho e climatizado, num mini-paraíso de princesa. Depois, na Primavera, leva-la-ia à Disneylândia. Na condição de pôr termo àquela birra tão sem sentido.

O segredo estava, precisamente, no aproximar-se da quadra natalícia. Paulinha ouvira falar do Pai Natal descendo pelas chaminés das casas para deixar nas lareiras as mais apetecidas prendas para as crianças. Era uma casa assim, com telhado e chaminé, o que a sua imaginação infantil teimosamente reivindicava. Acabou por revelar o segredo:

- Não quero morar aqui! Quero uma casa só nossa, com telhado, chaminé e lareira, onde o Pai Natal possa trazer-me presentes…

- Mas, Paulinha, o Pai Natal vem na mesma; ele tem tanta ginástica como o Super-Homem…

E ela, que recentemente tinha assistido ao resgate de uma criança, num incêndio deflagrado no Bairro, rebateu o argumento da Mãe:

Pois é… Entra pela janela, como os bombeiros…

 

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 20, de Dezembro de 2010

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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