O livro de Cláudio Lima publicado em Novembro de 2014, Elogios/Elegias, é um livro uno, como uno pode ser Mensagem de Fernando Pessoa. O livro de Cláudio Lima não tem a complexa construção triádica do de Pessoa, com sucessivos e imbricados planos de sentido, nem a pretensão de se alçar como o do poeta dos heterónimos a grave símbolo histórico colectivo, mas tem uma unidade densa e cerrada, que permite que o tomemos como um livro fechado e acabado.
Apresentando-se como um contínuo de 38 poemas, fora pois de aparentes construções temporais narrativas, ele atinge porém um patamar simbólico de inegável intemporalidade. Para essa fixação tanto contribui a escolha duma galeria de figuras reconhecidas, aproximando-se nesse aspecto da forma de composição do livro semi-premiado de 1934, como o tratamento delas por um metro contido, plástico, encantatório e por imagens que funcionam como cifras reveladoras – leia-se neste sentido o primeiro verso do poema dedicado a Sebastião, em que o reposteiro vela e revela. A função da imagem poética é no mesmo passo esconder e desvelar.
Não obstante a unidade e o fechamento que se detecta no livro de Cláudio Lima, ele não deixa todavia de funcionar como um fragmento, ou como uma reunião de fragmentos, uma espécie de universo plural e até contraditório, onde convivem figuras tão distintas como Luiz Pacheco e Sophia de Mello Breyner (o mesmo se dirá para Sebastião Alba e Eugénio de Andrade), uma no inferno e outra no Panteão, o que de resto parece ainda suceder com o poema de 1934, também ele mais compósito e fragmentário do que à primeira vista seríamos tentados supor.
Cada um dos poemas de Cláudio Lima pode ser lido como um fragmento de partitura musical e como pedaço desgarrado de sentido, sobre o qual nada parece ser possível dizer, não que o poema a isso não convide, que o faz, mais que não seja pela dimensão das figuras tratadas, mas porque enquanto corte e sutura ele esgota em si todo o sentido possível.
Ruínas pois, mas ruínas esculturais, perfeitas na sua incompletude, belas e terríveis, tocadas pela mão da morte, ruínas que vão de Soares dos Reis até Sylvia Plath, dois suicidados da alma, não da sociedade, ruínas intocáveis que, povoando a paisagem interior do autor, nos chegam do espaço português, ibérico, europeu e ocidental e ganham no canto e na lira uma dimensão trágica e luminosa.
Vítor Aguiar e Silva chamou já a atenção do leitor no curto e denso prefácio que escreveu para o livro que o canto elegíaco – e elegias são estes poemas – sanciona a libertação da morte. Canto de tristeza e de exaltação, de luto e de ressurreição, a elegia eleva-se nas frias trevas da morte não como raio de luz vulgar mas como esse pássaro negro atraído pela noite e pela noite devorado a ponto de com ela se fundir.
Nos momentos mais trágicos e enigmáticos deste livro, nos seus segmentos mais sérios e obscuros, na sua escuta atenta do mito, a arte poética de Cláudio Lima toca assim um saber raro, sublime e iniciático, que nos chega de tempos arcaicos e a que só os autênticos e grandes poetas, e grandes já que autênticos, têm acesso.
6 Março de 2015
Publicado na LIMIANA - Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 41, de Jan/Fev/Mar de 2015
Prof. Doutor António Cândido Franco
António Cândido Franco (nascido em Lisboa, 1956) fez um doutoramento em Literatura Portuguesa e uma agregação em Cultura Portuguesa. É professor de Cultura e de Literatura Portuguesas na Universidade de Évora.
Poeta, romancista e ensaísta com mais de 30 obras editadas. A sua poesia entre 1977 e 2002 está publicada no volume Estâncias Reunidas.
Considerado um dos maiores especialistas na obra de Teixeira de Pascoaes, tem dedicado a este poeta diversos ensaios. No seu romance Viagem a Pascoaes, já traduzido em Espanha, retratou Couto Viana na personagem Souto Lima.
Com notável obra na área do romance histórico, onde a teatralidade do imaginário se casa na perfeição com a vida real, alguns dos seus títulos constituem referência incontornável, tais como A Rainha Morta e o Rei Saudade, A Saga do Rei Menino, A Herança de D. Carlos, Vida Ignorada de Leonor Teles ou Os Pecados da Rainha Santa Isabel.
É ainda autor das obras O Estranhíssimo Colosso – Biografia de Agostinho da Silva (Quetzal Editores, 2015) e O Triângulo Mágico – Uma biografia de Mário Cesariny (Quetzal Editores, 2019).
Em 1993 recebeu o Prémio de Ensaio da Associação Portuguesa de Escritores.
Ponte de Lima no Mapa
Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.
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