Artigo publicado no Jornal PÚBLICO sobre o livro "Memórias de uma Guerra", de João Hilário Lima

 

Artigo publicado no Jornal PÚBLICO sobre o livro "Memórias de uma Guerra", de João Hilário Lima

 

 

 

Recorte do Jornal PÚBLICO
Artigo publicado no Jornal PÚBLICO, de 13 de Abril de 2014, sobre o livro Memórias de uma Guerra, de João Hilário Lima, e sobre a sua apresentação no dia anterior, na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo.


 

Transcrição:

«Ex-combatente de Viana exorciza em verso participação na guerra colonial

Andrea Cruz

João Hilário Lima tem 65 anos e apenas a 4.ª classe. Apesar do jeito precoce para as quadras, nunca lhe passou pela cabeça que um dia iria publicar um livro, muito menos sobre as memórias que julgava esquecidas dos tempos de soldado da guerra do Ultramar. Nem que a obra fosse dada à estampa nos 40 anos do 25 de Abril.

“Coisas do acaso”, disse ao PÚBLICO este filho de lavradores da aldeia da Facha, em Ponte de Lima. Há 25 anos que escolheu Viana do Castelo para residir, depois do regresso de França. João Hilário ainda nem acredita que as Memórias de uma Guerra foram apresentadas ontem, na Biblioteca Municipal de Viana, editadas pelo Centro de Estudos Regionais.

A primeira quadra surgiu solta na memória a 13 de Agosto de 2013: “Viana, emocionada, viu-nos partir/E o comboio a Lisboa nos levou/Cais de Alcântar, no dia a seguir/De lá todo o contingente embarcou”. “Saiu a primeira quadra, e as outras vieram em catadupa. Acordava de madrugada para passar para o papel as rimas que me surgiam a dormir. Por todo o lado, apressava-me a escrevê-las, para não esquecer”, explica.

No dia em que lhe ocorreu este projecto, contemplava, sentado na areia da praia Norte, em Viana do Castelo, o monte de Santa Luzia. Estava de férias. Descontraído, foi assaltado por recordações que o fizeram recuar aos tempos de instrução, na carreira de tiro existente no monte sobranceiro à cidade. Tinha 21 anos quando se apresentou para cumprir o serviço militar. A instrução fez dele primeiro-cabo de transmissões no Batalhão de Artilharia (Bart 2901).

“Se soubéssemos o que íamos encontrar em África, que nada tinha a ver com o que estávamos a aprender, tínhamos desertado todos”, desabafa.

Os cerca de 300 poemas que reuniu em cinco meses contam a partida para a guerra, de Viana do Castelo até à vila de Montepuez, no Norte de Moçambique. Foi lá que cumpriu 26 meses de comissão. Os poemas de João Hilário descrevem episódios que nunca esqueceu. Como o do susto a bordo do Império, quatro dias depois de o paquete zarpar de Lisboa. A embarcação sofreu um rombo no casco, sob a casa das máquinas. “Esteve para ir ao fundo e andou à deriva quatro dias”. “Tivemos que comer as rações de combate enquanto esperávamos por ajuda. Fomos então rebocados por um navio grego até à ilha de S. Vicente, em Cabo Verde, aonde chegámos a 15 de Janeiro de 1970. Ficámos à espera do navio Niassa, que nos levou ao destino, Moçambique.”

No livro, João Hilário descreve o dia-a-dia dos tropas, os ataques de que foram alvo, a perda de camaradas em Cabo Delgado, durante a operação Nó Górdio. Fala também das saudades da família. E evoca as cartas escritas, em rima, à mãe, pedindo-lhe notícias que diminuíssem a distância, e fotografias, para relembrar rostos que teimavam em fugir-lhe da memória. À namorada, a actual mulher, fazia juras de amor eterno e promessas de rápido regresso. “Hoje já me aguento um bocadinho melhor. Mas chorei muitas vezes. Comovi-me a ler as quadras que fiz.”

Os poemas ganharam forma de livro por força dos incentivos daqueles a quem os foi mostrando. Uns ajudaram na correcção dos textos, outros abriram portas à publicação, objectivo que nem estava nos planos de João Hilário. Orgulhoso do resultado, o autor diz ter ficado sobretudo em paz com o passado.

“Fui buscar tudo ao fundo do baú, passados 44 anos, para exorcizar o que estava cá dentro. Porque nós viemos e nunca ousámos falar do que lá se passou. Só passados estes anos é que a gente começa a deitar cá para fora essas memórias, para se libertar. Sinto-me mais aliviado. É um passado que já não me pesa…”»

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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