Manuel José Barbosa Correia

 

Manuel José Barbosa Correia


Lembrando o Cónego Manuel José Barbosa Correia

 



António Matos Reis



 Manuel José Barbosa Correia nasceu em Faldejães, a 14 de Junho de 1893, filho de António Pereira Correia e de Mariana Luísa Barbosa.

De Arcozelo era o pai, exímio canteiro, ligado à construção de alguns interessantes edifícios do início deste século, na vila de Ponte de Lima. A mãe era filha do Brasileiro da Casa do Pisco, da freguesia de Romarigães - aquela terra onde, segundo o texto antológico do romance aquiliniano, caiu a semente que encontrou solo propício para se transformar em grande árvore. Tendo-se o pai oposto ao casamento, veio para a casa de uma tia, Hernécia Maria da Conceição, em Arcozelo, freguesia em cuja igreja paroquial se fez o enlace. Esta mesma e o tio materno Manuel José Barbosa foram os padrinhos de Baptismo do primeiro menino nascido deste matrimónio, a que foi dado o nome do padrinho.

Estudou no Colégio de S. Tomás de Aquino, em Braga, onde foi condiscípulo, entre outros, do falecido Conde d' Aurora, e depois no Seminário Conciliar, onde igualmente foi condiscípulo de Mons. Avelino Gonçalves, que viria a ser director do jornal Novidades.

Concluiu os estudos em 1915, sendo ordenado presbítero no sábado das têmporas de Natal, ou seja no dia 18 de Dezembro, do mesmo ano, celebrando a Missa Nova na Igreja de Santa Maria dos Anjos (Matriz) de Ponte de Lima, no dia 1 de Janeiro de 1916.

Começou a sua actividade pastoral como coadjutor do pároco da vila de Ponte de Lima, funções que exerceu até 30 de Junho de 1917, sendo desde então pároco das freguesias de Feitosa e Arca, continuando a viver na casa de seus pais, situada a meio do trajecto entre as duas paróquias. Em 30 de Junho de 1931 encontrámo-lo a exercer as funções de pároco da Correlhã e simultaneamente da Feitosa.

Em 4 de Julho de 1931 foi nomeado Arcipreste substituto de Ponte de Lima.

A 14 de Agosto de 1936 era já pároco de Ponte de Lima, nomeação solicitada e aguardada com anseio pelos habitantes da vila. Na qualidade de pároco da vila exerceu também o cargo de capelão do Colégio D. Maria Pia (pelo menos, desde 20 de Fevereiro de 1940) e da Misericórdia (desde 29 de Agosto de 1947). Manter-se-ia nas funções de pároco até 5 de Agosto de 1953, data em que foi substituído pelo então P.e Carlos Francisco Martins Pinheiro, futuro Bispo Titular de Dume e Auxiliar de Braga.

Promoveu a aquisição da residência paroquial, fundou a L.I.C., a J.E.C.F., as Conferências Vicentinas e o Escutismo, movimentos que estiveram mais do que nunca florescentes na vila de Ponte de Lima. Organizou na vila o Congresso Eucarístico de 1939 e pela mesma data introduziu a devoção ao Beato Francisco Pacheco, mártir de Nangasaki, filho de uma ilustre família limiana mas até aí praticamente esquecido, dedicando-lhe um altar e uma capela na Igreja Matriz. Introduziu em Ponte de Lima a devoção a Nossa Senhora de Fátima e foi um dos maiores entusiastas do culto a Nossa Senhora do Minho, cuja imagem se venera no alto da Serra de Arga, causa pela qual lutou até ao último momento da sua vida. Em reconhecimento pelos serviços prestados, foi nomeado Cónego honorário por provisão arquiepiscopal de 19 de Março de 1955. Viria a falecer piedosamente em 18 de Março de 1981.

Em todas as freguesias por onde passou, como tive ocasião de verificar, deixou a melhor recordação, sendo lembrado com simpatia e carinho. O seu carácter pacífico e a sua bondade fizeram-no amado e estimado por todos, católicos ou indiferentes.

A realização que mais carinho lhe mereceu foi a Oficina de S. José. São esclarecedoras as palavras escritas, em 1950, pela Direcção do Elucidário Regionalista de Ponte de Lima:

«Não há como uma obra para termos o espelho de um coração e de um carácter. E o Sr. P.e Correia realizou essa obra - e benfazeja é! O leitor, se é de Ponte de Lima, conhece-a, admira-a, louvando convictamente o bondoso sacerdote.

Com efeito, a Oficina de S. José, por ele criada, diz-nos inequivocamente dos impulsos generosos da sua alma, e do amplo conhecimento das necessidades que atormentam as criancinhas órfãs do nosso concelho.

A Senhora D. Laura Freire de Andrade, da freguesia de Feitosa, pensou deixar os seus haveres ao pároco daquela vizinha povoação, que era, a esse tempo, o Sr. P.e Correia. O honrado levita não quis para si tal fortuna, aconselhando a sua paroquiana a legar tudo aos pobres - e a este conselho obedeceu o seu testamento, pelo que foi possível fundar-se essa prestantíssima instituição, que tem o nome do marido (aliás, do pai) da bondosa senhora e em que os rapazinhos recebem instrução e educação, ao mesmo tempo que se preparam para as lutas ásperas da vida pela aprendizagem duma profissão.

A Oficina de S. José fez desaparecer de nossos olhos o deprimente espectáculo de miúdos esfarrapados e vagabundos a enxamearem a Vila e dá-nos a consoladora certeza de que serão amanhã cidadãos morigerados, honestos e trabalhadores, úteis portanto a si, à família e à sociedade.

Além da escola primária, os internados da Oficina de S. José de «José Freira de Andrade» têm três oficinas de artes e ofícios: alfaiataria, sapataria e marcenaria, dirigidos por mestres competentes, das duas últimas tendo saído, há cerca de dois anos, uma expressiva exposição, que foi justamente apreciada.

Oxalá os favorecidos da sorte, que podem emprestar a Deus, se lembrem de ajudar tão humanitário estabelecimento local, evitando deste modo muitas e graves preocupa­ções de ordem económica e financeira ao Sr. P.e Correia»!

Embora D. Laura Freire de Andrade tivesse falecido em 13 de Junho de 1930, apenas em 8 de Setembro de 1941, com a assinatura dos Estatutos, se iniciou o processo conducente à fundação da Oficina de S. José, por nesse ano ter morrido a última pessoa a quem os bens foram legados em usufruto vitalício. A lista dos fundadores é elucidativa, por um lado, do pluralismo das adesões que suscitou e, por outro, do acolhimento que obteve junto das personalidades mais gradas da terra.

O dia 1 de Dezembro de 1943, em que se inaugurou a Oficina de S. José, foi um dos mais belos de sempre na história de Ponte de Lima. Ainda hoje nos sentimos invadidos pela emoção ao ler as crónicas publicados nos jornais da época, sobretudo n' O PRIMEIRO DE JANEIRO, n' O COMÉRCIO DO PORTO, no DIÁRIO DO MINHO e no CARDEAL SARAIVA.

Transcrevo a primeira frase da notícia transmitida pel' O COMÉRCIO DO PORTO, de 6 de Dezembro de 1943: «No dia 1 do corrente, foi inaugurada, solenemente, nesta vila, a Oficina de S. José, instituição que se deve à iniciativa e ao esforço do Rev.º Manuel José Barbosa Correia, que tem o segredo de arrastar todos os corações e congraçar, num só, todos os ideais para os fazer convergir para o maior bem da comunidade e para os pôr ao serviço dos pobrezinhos».

A Oficina funcionou inicialmente na Calçada das Artes (1 ano), depois em Santo António (2 anos), e na Rua do Pinheiro (Casa dos Pachecos). Em 1960 instalou-se na Vila Morais, edifício adquirido expressamente para esse fim com os meios legados pela doadora e as receitas provenientes de várias dádivas, designadamente de um cortejo de oferendas realizado em ll de Novembro de 1964.

Com muita mágoa, o Sr. Cónego Correia deixou em 1966 a Direcção da Oficina. O n.º 2 do pequeno boletim «O Rapaz da Oficina», impresso em Maio de 1967 na Escola Tipográfica - outra das oficinas criadas na instituição pelo Sr. Cónego Correia – escrevia, no entanto: «Foi e continua sendo Director o bondoso sacerdote Cónego Manuel José Barbosa Correia, pessoa a quem a generosa benemérita confiou a execução da sua última vontade: legação de todos os bens possuídos no concelho de Famalicão, quanto à raiz, de metade em favor das quatro casas de caridade existentes nesta vila e de outra metade, livre de quaisquer encargos: para ser fundada na vila de Ponte de Lima uma nova casa de beneficência, para recolha de crianças pobres e desamparadas, do sexo masculino, à qual será dado o nome de José Freire de Andrade – pai dela testadora.»

Hoje como então, quando se recorda a Oficina de S. José, e o humanitário e cristianíssimo serviço que prestou à comunidade, o nome que vem ao de cima é o do bondoso e desprendido Cónego Correia. Absorvida ou integrada hoje a Oficina noutra instituição, continua vivo o legado espiritual do abnegado sacerdote e generoso pontelimiano. Se algumas palavras posso escolher para definir em breve síntese o trajecto rectilíneo e luminoso da sua vida, e com elas concluir esta breve resenha biográfica, seriam as da lapidar frase latina: pertransit bona faciendo – passou fazendo o bem.

 

Nota

Publicado em O Anunciador das Feiras Novas, n.º 11, do ano de 1994, e republicado, com ligeiras alterações, na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 33, de Junho de 2013.

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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