Santíssima Trindade

 

Santíssima Trindade

Escultura de vulto em madeira dourada e policromada - Século XVII-XVIII
Museu dos Terceiros

 



José Velho Dantas



Ainda que a crença em Deus uno e trino só tenha sido fixada no Concílio de Niceia, em 325, a verdade é que os teólogos e os primeiros doutores da Igreja desde logo se esforçaram por provar as manifestações da Trindade em algumas passagens do Novo Testamento e mesmo a sua prefiguração no Velho Testamento.

A arte cristã experimentou várias formas para tentar traduzir plasticamente a ideia de três pessoas num só Deus, recorrendo quer a símbolos geométricos, caso do triângulo ou dos três círculos concêntricos, quer optando sobretudo por figurações antropomórficas. Inseridas nesta última categoria, surgem no Ocidente, sobretudo no domínio da pintura, as várias tipologias da Trindade horizontal, que representavam as três pessoas divinas através de três cabeças separadas, com fisionomias iguais ou distintas entre si, ou então através de uma única cabeça apresentando três faces, uma central, de frente, e duas laterais, de perfil. Acusadas pelas autoridades eclesiásticas de favorecerem a heresia triteísta, estas figurações algo bizarras tenderam a desaparecer a partir da segunda metade do século XVI, depois de condenadas pelo Concílio de Trento.

A representação da Trindade vertical, também chamada Trono da Graça, acabou por responder melhor às acusações do triteísmo e por se impor quase como uma regra nas figurações trinitárias, independentemente de algumas variantes relacionadas com a posição de Cristo relativamente ao Pai e também com a posição do Espírito Santo relativamente ao Pai e ao Filho.

O exemplar aqui documentado insere-se precisamente na tipologia da Trindade vertical, a mais comum, e apresenta notáveis afinidades com outras belas esculturas da Santíssima Trindade veneradas em templos de Ponte de Lima, como é o caso das existentes na Igreja Matriz de Ponte de Lima, na Igreja Paroquial de São João da Ribeira e na Capela do Espírito Santo em Moreira do Lima.

A Primeira Pessoa é representada sedente, em glória, no trono assumindo a forma de nuvens sobrepostas, que invadem a parte inferior do dorso da imagem, sobre as quais assenta os pés. A face é emoldurada por vasta cabeleira e barba, denunciando o carácter venerando, sábio e eterno do Rei dos Séculos. A coroa tripla ou tiara denota a associação à figura do Sumo Pontífice, representante terreno do poder espiritual. Deus Pai enverga túnica talar branca e, sobre esta, um manto vermelho e dourado, ricamente estofado, que o cobre quase totalmente, orlado a filete dourado contínuo e com faixa em que surgem motivos fitomórficos estilizados.

Na base, entre os pés de Deus Pai, surge o globo azulado, que significa simultaneamente a sua obra criadora e o objecto da sua governação, pontilhado com círculos irregulares e banda também dourada a dividir os hemisférios. O globo forma a base onde entronca uma cruz preenchida com ornamentação vegetalista, segurada nas extremidades dos braços por Deus Pai, que pretende relembrar que foi pela cruz que ele reparou a sua obra, desfigurada pelo pecado. Jesus Cristo, que tendo assumido a nossa natureza, deixou-se conduzir até à morte para lavar os nossos pecados, surge pregado à cruz, apresentando várias escoriações e envergando apenas o característico cendal.

Sobre o cimo da cruz aparece a pomba, figura sob cuja aparência se manifestou o Espírito Santo, Terceira pessoa da Trindade, no Baptismo de Cristo, nas margens do rio Jordão. As tonalidades intensas de ouro e fogo que percorrem toda a peça não deixam também de evocar, mesmo que de forma indirecta, as línguas de fogo, a outra figura sob a qual se manifestou o Espírito Santo, no episódio do Pentecostes. Não devemos esquecer que, embora tratando-se, em termos estritamente iconográficos, de uma representação da Trindade, esta escultura era denominada de imagem do Espírito Santo pelos irmãos da confraria da mesma invocação, sedeada na Igreja Matriz de Ponte de Lima, a quem a imagem pertencia. O tratamento elaborado do dorso da imagem, com as nuvens sobrepostas a simular o assento e o desenho do capuz da capa de asperges, revela estarmos face a uma imagem também de cariz processional.

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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