“O Menino, o Homem e o Rio” de Manuel Aurora: visão de uma vida, de uma época e de muitas terras

 

“O Menino, o Homem e o Rio” de Manuel Aurora: visão de uma vida, de uma época e de muitas terras

 

Duarte Ivo Cruz

 

“O Menino, o Homem e o Rio – Romance Autobiográfico” de Manuel Aurora, descreve, com notável arte de escrita e de observação e com grande sentido humano e espiritual, a vida, de certo modo aventurosa, do autor, mas também as mudanças, alegrias e agruras de uma geração, de uma sociedade e de um País.

Mais autobiografia do que romance, é sobretudo um grande documento de época e de mentalidade e um grande testemunho de evolução. Tudo isto aponta, mais para a realidade do que para a imaginação, num registo e num âmbito histórico e existencial que não é só o do autor.

Começa pela família tradicional de Ponte de Lima, cuja importância e projecção social e cultural se mantém incólume ao longo do século XX. Mas logo aí se aponta para a passagem sócio-económica da geração, bem configurada nos estudos técnicos e no exercício da profissão – sendo certo, porém, que o Jorge queiroziano também era engenheiro de minas…

Mas ao contrário e para deixar bem claro que a semelhança fica rigorosamente por aí: admitindo que a trama sentimental do protagonista está mais para a autobiográfico do que para o romanceado, a solidez e o amor conjugal e familiar, esses sim, são comprovadamente autobiográficos e conferem ao livro uma dimensão de sinceridade e um registo pessoal extremamente relevante.

O que aliás se sente já na evocação das relações com os pais, os irmãos e os amigos: e até com as namoradas de juventude, a começar pelo fascínio adolescente pelas artistas do circo ambulante na passagem por Ponte de Lima. Aliás essas narrativas, sempre bem-humoradas e por vezes pícaras, também documentam a evolução de costumes a nível social.

E esse aspecto pessoal só reforça o interesse nesta vida de mudanças para o narrador, para o País e para toda a uma geração: o ambiente quase bucólico da pequena cidade do Alto Minho nos anos 30; o colégio interno; as sucessivas ambientações ao Porto e a Lisboa; o choque das mudanças revolucionárias; as aventuras profissionais e o sucesso no Brasil e a alegria e as dificuldades do regresso.

Insiste-se: há toda uma geração de portugueses que viveram isso, tiveram alegrias e tristezas, vitórias e derrotas. E é de salientar a simplicidade e sentido de humor deste “romance autobiográfico”, mais autobiografia do que romance, na descrição das aventuras reais, feitas com um muito sensível teor de euforia e melancolia, pois a vida do autor gerou uma e outra.

E que são descritas com um arte e um domínio da escrita verdadeiramente notáveis,  saltando do descritivo para o diálogo, da reflexão profundamente subjectiva,  religiosa, para a descrição objectiva dos ambientes. Compare-se a imagem do Minho rural dos anos 30 com a de São Paulo hiper-industrial dos anos 70.

É por isso que a belíssima capa de Miguel Félix, com o Lima, a cidade e a tenda de circo subtilmente evocativa, merecia uma contracapa com o Douro e o Tejo e com a Avenida Paulista, rio alucinante de tráfego e de pessoas, já que o rio Tieté não conta: quem conhece São Paulo, quem lá viveu, percebe bem a comparação.

Mas se fossemos a isso, o livro seria profusamente ilustrado: o que reforçaria ainda mais o sentido quase cinematográfico das aventuras desta vida plena, a que a impressionante sinceridade religiosa confere uma ainda mais profunda explicação.

 

Publicado na LIMIANA – Revista de Informação, Cultura e Turismo n.º 15, de Dezembro de 2009

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

Sugestões