David F. Rodrigues – Poeta Limiano, por Cláudio Lima

 

David F. Rodrigues – Poeta Limiano, por Cláudio Lima



Cláudio Lima



 David (Fernandes) Rodrigues é um poeta e escritor limiano, nascido na freguesia de Mato (S. Lourenço) a 6 de março de 1949. Estudou em Braga no Seminário Diocesano e na Universidade Católica, onde se licenciou em 1974 no curso de Filosofia e Humanidades. Entre 1972 e 1991 lecionou as disciplinas de Português, História de Portugal e Estudos Sociais em vários estabelecimentos de ensino, oficiais e privados, percorrendo todos os graus de ensino, do básico ao superior. Ponte de Lima, Braga, Barcelos e Viana foram algumas localidades onde exerceu o magistério.

Em 1991 ingressa, a convite, no Instituto Politécnico de Viana do Castelo - Escola Superior de Educação – onde leccionou, ao longo de vinte anos de docência, e consoante cursos e programas, as cadeiras de Oficina de Língua Portuguesa, Literatura para a Infância e Juventude, Literatura de Tradição Oral, Língua Portuguesa, Didática do Português, Linguística do Português, Teoria do Texto e Supervisão da Prática Pedagógica.

Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, realizou o Mestrado (1995) e o Doutoramento (2003), com as dissertações "Para a Análise Conversacional da Arca de Noé, III Classe, de Aquilino Ribeiro" e "Cortesia Linguística: uma competência Discursivo-Textual", disponíveis na Internet em www.ese.ipvc.pt/drodrigues/teses. Trabalhos reconhecidamente valiosos como contributo para as matérias investigadas.

Integrado no Projeto de Consolidação dos Sistemas Educativos, promovidos e patrocinados pela Comissão das Comunidades Europeias, PALOP's e Fundação Calouste Gulbenkian, deu, em Luanda, um curso intensivo de Português, língua segunda, a professores angolanos do ensino não superior.

Em 2010 requer a aposentação, desiludido com os rumos do ensino e os constantes agravos de que a classe docente ia (e vai) sendo vítima por parte da tutela. Passa a ter mais disponibilidade de tempo e de ânimo para regressar à sua grande paixão de sempre: a literatura, sobretudo a poesia - paixão essa que por imperativos de natureza profissional deixou praticamente suspensa durante vários anos. Não sem antes ter publicado duas obras de ficção: Troféus de Caça (1982) e Presépio de Pão (1984) e a monografia As Festas de S. Cristóvão (1980).

Colabora em vários jornais e revistas, generalistas e de especialidade, regionais, nacionais e estrangeiros, tendo muitos trabalhos publicados saído em separatas: Solo de Vozes (1989), Serração da Velha (1990), Para o Estudo das Interacções Verbais (1997), A Relação Anafórica segundo a Teoria Formal Enunciativa (1998), Charles Bally e a Cortesia Linguística (2006), etc. Atualmente está a investigar a ligação de Camilo Castelo Branco à cidade de Viana do Castelo, sobretudo por intermédio dos irmãos Barbosa e Silva, grandes amigos e benfeitores do atribulado romancista. Esse trabalho, de grande rigor e minúcia, pode ser apreciado no seu blogue e-ternoretorno.blogspot.pt

Falta falar da sua poesia e é por ela que agora o convocamos a esta Revista. Embora tenhamos que nos ater à sua produção das décadas de 70 e 80, as suas obras então dadas a lume atestam uma sólida e auspiciosa vocação lírica, ao mesmo tempo que refletem o espírito de entusiasmo cívico e de vontade interventiva propiciados pelo 25 de abril de 74. Publica em 1971 grãos de poesia, com o pseudónimo de David Guerreiro. Apesar de muito jovem (22 anos) e da modéstia gráfica da obra, não passou despercebida, merecendo elogiosas referências de, entre outros, Mário Garcia, Pinharanda Gomes e do pontífice máximo da crítica literária da época, João Gaspar Simões. Dele retiremos este pequeno poema dedicado a António Feijó:

 


"aqui

onde meus passos

cansados no pedestal

de ti me recordaram

e

onde vi as pedras

do silêncio erguerem-te

hinos de gratidão

 

aqui

onde o lima

baptizou a terra

com lábios de pão

e

fizeste adultos

de meus grãos

os frutos

que lhes inspiraste

 

aqui

senti ainda

o sal

do teu cisne

cativo

da nívea saudade

 

aqui

feijó

fizeste-me

poeta"

(pgs 21 / 22)

 


Ainda sob o mesmo pseudónimo e em edição artesanal, de restrita distribuição, publica em 1977 Vibração de Nervos, conjunto de poemas maioritariamente escritos post-25 de abril, onde mais se acentua o pendor revolucionário e reivindicativo que caraterizou a poesia portuguesa da época.

 


"eu canto a voz da ceifeira

– e foice meu verso seja –

e canto o suor da eira

no sol que vos não bafeja".

(pg 12)

 


Com o rito do pão (1981) David Rodrigues abandona o pseudónimo e passa a omitir estes dois livrinhos da sua bibliografia. O livro sai nas edições Centelha, de Coimbra, conotadas com a ala mais politizada e interventiva dos poetas de então, constando do seu catálogo nomes como Manuel Alegre, José Manuel Mendes, José Viale Moutinho, Vergílio Alberto Vieira. Difícil escolher um poema, tão uniformes o tom e o modo que os estruturam. Um tanto aleatoriamente, selecionamos este:

 


"A terra chama

 

ao cálido ventre

as carícias de Maio

 

o sol contra o peito

vertical e nu desperta

 

prado curtido

de suores aberto ao arado

 

os dedos confiam pelo crivo

a semente ao húmus de palmo-a-palmo

 

e hão-de flutuar raízes".

(pg 30)

 


Sobre esta obra opinou o conceituado poeta e crítico João Rui de Sousa: "focalizam-se nesta colectânea alguns lugares selectos do universo rural (a eira, o forno, o lagar, etc.). Mas também (...) o enunciado sensualista, a referência ao ardor do corpo, ou mesmo de um corpo a arder".

Pela Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto sai em 1985 Dilúvio de Chamas, outro conjunto de poemas que colhe boa aceitação. Luís Fagundes Duarte realça no JL "uma extraordinária economia de meios, a que não é estranha a distribuição dos elementos significantes poéticos pelo espaço da página". Com efeito, grande parte destes poemas, pela sua configuração mórfica, pela sua visualização, aproxima-se da poesia experimental, o que os torna de leitura difícil para quem não domine as técnicas e meandros daquela expressão. Dizer isto não implica descrédito; neste exercício a poesia está lá, página a página, como atesta o seguinte poema Dilúvio de Chamas, bela metáfora que dá o nome ao livro e pode ler-se na pg 30:

  


"Desejo-te única como

a palavra: fogo que um verso procura

 

deter: nas mãos a água ilude

a boca e a sede pede mais:

 

nos lábios a pérola cai

do orvalho todas as manhãs: a pétala

 

o corpo adorna o poema

 

veemente: dilúvio de chamas

prestes, a barca

urgente do azul desmedido".

 


Finalmente (por enquanto...) em 1988 dá à luz O que é feito de Nós nas edições Límia de Viana do Castelo. É um livro graficamente mais apelativo e porventura poeticamente mais amadurecido, revelando uma lírica muito pessoal e sustentada. O Autor vive em Viana, convive com figuras emergentes da cultura local (Tiago Manuel, José Pastor - autor da fotografia de DR inserta no texto, etc.); colabora e integra os quadros diretivos da conceituada revista de letras e cultura Mealibra. Merece prefácio de Mário Cláudio, já então um dos nossos mais brilhantes escritores, em plena fase da "Trilogia da Mão" (Amadeo, Guilhermina, Rosa). Diz ele, a rematar: "Derruba este livro os muros de pedra solta que o limitam, outro igual a si mesmo se desejando, ao fim de tudo, fantasmático e real, como às obras excelentes é costume suceder." (pg 5) Leia-se, por exemplo, este soneto:

 


"Discreta levantas da arca

a velha roca presa ao colo

a espiga de lã desfias

em grãos quentes e alvos

 

de corpo infatigável mãe

na seara das ovelhas cultivas

o pão terno das camisolas

onde o engenho da arte

 

sã que foste como lavras

as leiras simples de novelos com

fusos semeaste de fios a teia

 

de tantos segredos as mãos

escondeste aos olhos vizinhos da terra

tão mansa de chuva agreste".

(pg 26)

 


Alberto Antunes Abreu nos Cadernos Vianenses nº 30, de 2001, pg 123, num estudo sobre a "Influência da Paisagem Limiana numa Tipologia Poética" diz com toda a propriedade que a David Rodrigues (e Maurício de Sousa) se fica devendo a renovação do discurso poético local." É verdade. E se toda a renovação é um processo em aberto e em movimento, o nosso Poeta não esgotou ainda, longe disso, a sua contribuição.

 

 janeiro de 2014

Publicado na Revista LIMIANA n.º 36, de Fevereiro de 2014,
com  as correcções e os esclarecimentos publicados no n.º 38, de Junho de 2014

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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