Cláudio Lima - Itinerâncias: poética da palavra e da luz, por José Cândido de Oliveira Martins

 

Cláudio Lima - Itinerâncias: poética da palavra e da luz, por José Cândido de Oliveira Martins


 

“Caminante, son tus huellas

el camino y nada más;

Caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace el camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

Caminante no hay caminho

sino estelas en la mar.

(“Proverbios y cantares XXIX”, Campos de Castilla, 1912)




José Cândido de Oliveira Martins



Parafraseando a conhecida afirmação do poeta sevilhano António Machado da influente Generación de 98, o caminho do poeta não aparece feito; fez-se caminhando, com uma voz persistente e segura.

Em finais de 2010, como agradável brinde natalício, Cláudio Lima legou-nos a surpresa da reunião de livros anteriores – os três volumes de Itinerarium (de 1994, 1998 e 2006), a que junta agora um Itinerarium IV, constituído por uma vintena de textos inéditos. Itinerários ou itinerâncias são títulos assumidamente metafóricos, que se expressam através da ideia simbólica de caminho ou trajecto, roteiro ou viagem (sobretudo no plural, à imagem da própria vida), de um lugar para outro, com diversas estações ou etapas nesse itinerário poético-existencial.

Ao mesmo tempo, no que diz respeito à sua obra literária, Cláudio Lima não adopta as atitudes extremadas que vemos em outros autores: não partilha a postura dos autores que optam pela prematura publicação da sua “obra completa”, fechada e conclusa; nem adere à atitude iconoclasta dos autores que não se revêem no percurso construído ao longo dos anos, destruindo e renegando a sua criação. Não por acaso, na quarta itinerância surge o poema “antologia”, a pretexto da poesia toda de Herberto Helder: “nem toda a poesia / entra na poesia toda”.

Como em outras obras do autor, uma das dominantes temáticas é a da reflexão metapoética, em que a palavra reflecte sobre si mesma, a sua origem e natureza; mas também a sua funcionalidade. O verbo poético ilumina a noite do caos, como se lê no poema inaugural; busca de modo incansável a pureza original, recuperando as “palavras exaustas”, antes que sobrevenha o “anunciado fim / da poesia”; porque apesar de todas as ameaças, o poeta ainda acredita que “a poesia / também alumia / e incendeia”. A palavra poética é a “semente” fecunda e inaugural, configuradora de um  poder demiúrgico capaz de dar sentido ao tempo.

Neste sentido, estas reunidas Itinerâncias tem a ousadia de se apresentar como uma difusa arte poética, partindo da relação da língua com as coisas que nomeia, para a essência da palavra poética e do seu poder. Variam as concepções culturais e as tendências estéticas, mas permanece esta necessidade de o verbo se interrogar sobre a sua natureza e capacidade de iluminar o mundo, a partir da transformação da página em branco em “movimento do canto”, sempre em demanda das “palavras exactas”. A reconhecida dificuldade em descrever o acto poético legitima as sucessivas comparações e analogias, nomeadamente com a relação amorosa de contornos mais ou menos eróticos, através das metáforas recorrentes (procura, fogo ou desejo).

Atenta ao próprio canto e à sua forma de dizer o mundo, a poética de Cláudio Lima afasta-se do “espelho quebrado” e egocêntrico dos “poetas do eu”, cujo narcísico solipsismo se mostra infecundo e repetitivo. Ao mesmo tempo, vão-se enunciando de forma dispersa várias reflexões em torno de uma arte poética, como quando se insiste no topos das modalidades de nascimento da poesia. O velho debate acerca do papel da inspiração ou do trabalho oficinal dá lugar a uma poética da naturalidade:

“não forces o poema se demora

deixa-o chegar quando quiser

porque quando, apetecido, ele vier

virá nimbado de fulgente aurora”.

 

Definitivamente não há regras preceptivas ou poéticas pré-estabelecidas; o caminho poético faz-se caminhando. E a gestação do poema e a sua lenta maturação são regidas por um tempo psicológico e sabedoria interior: “o poema amadurece como as pinhas / num vagar de essências e leite”. O tempo amadurece o verbo e a “música depura o silêncio”, na busca da palavra certa e do seu segredo:

“uma eternidade – tempo sem limite

à espera de um só verso

um único e mínimo palpite

capaz de iluminar o universo”.

 

Ao mesmo tempo, esta poética de fuga ao estereótipo advoga um processo de escrita marcado pela desejável legibilidade, longe de jogos e de hermetismos estéreis, sem prolixidades nem redundâncias: “não busques o efeito nebuloso / no teu verso”. E em matéria de afirmação de princípios de uma poética pessoal, além da condenação dos “brincos de literatura”, não falta sequer a censura aos “versos gementes” de certa poesia excessivamente expressionista ou sentimental.

Nesta leitura da poética de Cláudio Lima convém ainda salientar que, para além de repetidas notações de ironia, a escrita mantém um fecundo diálogo com a tradição literária e cultural, de forma quase sempre disseminada. Nesse tecido intertextual ocorrem variadas reminiscências bíblicas e dos clássicos (da Bíblia a Antero, Pessoa ou Sophia); sem esquecer as citações disfarçadas, como num incipt de matriz bocageana onde se retoma o fecho de um popular soneto do poeta setecentista: “certo dia em que me achei mais pachorrento”.

Em suma, Cláudio Lima escolheu uma forma adequada de celebrar os seus 40 anos de vida literária, republicando três livros de poesia antes editados, a que acrescentou uma quarta etapa. A obra é enriquecida por um pertinente prefácio de Fernando Venâncio, professor universitário em Amsterdão (Holanda), crítico literário e também ele autor. A melhor homenagem que podemos fazer a um autor é, decididamente, ler ou reler a sua obra, aproveitando a oportunidade que agora nos é proporcionada por esta edição de Itinerâncias (Opera Omnia, 2010).

Publicado na  LIMIANA - Revista de Informação, Cultura e Turismo  n.º 21, de Fevereiro de 2011

 

Ponte de Lima no Mapa

Ponte de Lima é uma vila histórica do Norte de Portugal, mais antiga que a própria nacionalidade portuguesa. Foi fundada por Carta de Foral de 4 de Março de 1125, outorgada pela Rainha D. Teresa, que fez Vila o então Lugar de Ponte, localizado na margem esquerda do Rio Lima, junto à ponte construída pelos Romanos no século I, no tempo do Imperador Augusto. Segundo o Historiador António Matos Reis, o nascimento de Ponte de Lima está intimamente ligado ao nascimento de Portugal, inserindo-se nos planos de autonomia do Condado Portucalense prosseguidos por D. Teresa, através da criação de novos municípios. Herdeira e continuadora de um rico passado histórico, Ponte de Lima orgulha-se de possuir um valioso património histórico-cultural, que este portal se propõe promover e divulgar.

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